Por Marcelo Salles.
Esse texto é uma espécie de continuação do anterior, intitulado “A campanha Globo-Serra”, peça publicitária levada ao ar pela emissora que, a pretexto de comemorar seus 45 anos de vida, mergulha definitivamente na campanha demo-tucana.
O eleitorado brasileiro é conservador. Ninguém de esquerda ganha eleição para presidente sem uma boa parcela do voto mais à direita, seja no campo dos hábitos e costumes, da economia ou da área social. Em 1989, os dois candidatos mais identificados com o campo progressista, Lula e Brizola, receberam 32% dos votos. Em 1994, quando FHC vence no primeiro turno, Lula e Brizola, de novo os dois mais identificados com o voto progressista, receberam 30%.
Em 1998, pela primeira vez os candidatos identificados com o voto progressista vão além de Lula e Brizola. A esses somamos Ciro Gomes e José Maria e o total alcança 42%.
Em 2002, Brizola sai do cenário eleitoral pela primeira vez. Lula permanece, mas já com o discurso “paz e amor” e a carta aos brasileiros. Ou seja, abre mão de boa parte do discurso de esquerda, faz a barba e compra um terno mais bem cortado. Lula (46,44%), Ciro, José Maria e Rui Pimenta recebem, juntos, 59% dos votos.
Em 2006, são quatro os candidatos de esquerda e do campo progressista: Lula, Heloísa Helena, Cristovam Buarque e Rui Pimenta. No total, recebem 58% dos votos, sendo 48,61% para Lula.
A questão que se impõe é a seguinte: num país em que apenas 26% da população entendem o que lê (segundo o Instituto Paulo Montenegro, citado por Venício Lima no livro “Mídia: crise política e poder no Brasil”) e a radiodifusão está do jeito que está, quantos são capazes de compreender o debate sobre o socialismo, a violência inerente ao sistema capitalista, o papel do Estado na vida das pessoas, a centralidade da educação e dos meios de comunicação no desenvolvimento, a importância de uma política externa soberana? Porque sem entender isso, restam as declarações de que a vida vai melhorar se o fulano de tal for eleito. E até aí o discurso é o mesmo em todas as matizes ideológicas.
Claro que o processo histórico brasileiro é determinante para essa formação conservadora. Mas não explica tudo. O cerne da questão está na ditadura de 1964, que interrompeu a reconstrução do país, impediu a reforma agrária e a distribuição de renda, desestruturou a educação e criou um sistema de comunicação sob medida para reproduzir a violência contra o povo que se arrasta desde a escravidão. As Forças Armadas deram conta de fazer o trabalho sujo e as polícias militares, hoje, seguem à frente da repressão.
A mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, a mídia é essencial para determinar formas de sentir, pensar, agir e viver tanto de indivíduos quanto de instituições. No caso brasileiro, temos apenas sete emissoras de televisão para uma população de 190 milhões de habitantes. Dessas sete, seis são comerciais e estão a serviço do lucro a qualquer preço, da exploração do nosso povo e do assalto às riquezas nacionais.
Neste quadro, a direta nada de braçada. Tem a seu favor toda a subjetividade que precisa para suas vitórias eleitorais. O processo histórico é de repressão, violência, medo. As corporações de mídia tratam de legitimar esse processo. De modo que coisas básicas nem são discutidas, como: por que existe polícia militar, se temos um governo civil? Por que em outros países já não existe polícia militar e aqui seguimos convivendo com isso?
Recentemente o governo federal anunciou o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, que foi muito atacado pelas corporações de mídia. O programa contém propostas nas mais diversas áreas da sociedade, como na economia, cultura, educação, religião, direito das mulheres, igualdade racial, direito ao trabalho, à moradia, à terra, à alimentação, entre outros. Eu digo, sem sombra de dúvida, que o mais importante deles é o direito à informação. Porque sem o direito à informação, o cidadão não vai nem ficar sabendo que tem todos esses direitos. E sem saber que tem, como vai exercê-los? Como vai exigi-los?
É por isso que as transformações devem se iniciar pelos meios de comunicação. Devemos substituir o atual modelo baseado em autoritarismo, egoísmo, individualismo, racismo, preconceito, consumismo e medo. Essas características estão imersas em toda a programação das emissoras comerciais.
Para tanto, muito pode ser feito. Em primeiro lugar, as forças progressistas devem entender a centralidade desse processo – o que hoje em dia está muito longe de acontecer, com excelentes quadros políticos achando que disputar a mídia é apenas lutar por espaço nos veículos da direita. Os partidos políticos precisam mapear e fiscalizar a distribuição das verbas públicas de prefeituras, governos estaduais e dos vários setores do governo federal. Leis que favoreçam a imprensa alternativa devem ser criadas, como já acontece em outros países. Os movimentos sociais devem erguer a bandeira da democratização da mídia à mesma altura das suas bandeiras originais. Os sindicatos combativos devem lutar pelos direitos das categorias que representam e, além disso, devem organizar os trabalhadores para a batalha das comunicações. Os estudantes devem conscientizar seus pares. Os intelectuais devem denunciar as manipulações e distorções da mídia.
Todos, juntos, devem recomendar o voto nos candidatos que se comprometam com a substituição do atual modelo de comunicação. Paralelamente, devem organizar seus próprios veículos de comunicação. E periodicamente devem, unidos, tomar as ruas até que o atual modelo de comunicação seja derrotado. Esse é o melhor atalho rumo à consolidação da democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário