Ao passo acelerado em que polêmicas surgem e desaparecem nas redes sociais e nos noticiários, tratar de um só tema é tornar-se obsoleto em questão de horas. É por isso que escrevo agora sobre maioridade penal, Uber e a presidenta Dilma, três temas que, embora não pareçam ter qualquer correlação, são sintomáticos sobre o estado das coisas no Brasil e dizem muito sobre o país que queremos construir.
Aturdidos por novas polêmicas a cada dia e pela velocidade que se exige na tomada de posição, pouco tempo há para reflexão. Opiniões são formadas quando se curte e tornam-se verdades absolutas quando se compartilha. A busca pela verdade tornou-se uma corrida, em que o vencedor é aquele que mais rápido postou e mais curtidas angariou para sua causa. O problema nesse contexto reside principalmente na construção de argumentos lógicos e circulares que justificam a solução proposta simplesmente pela existência do problema. Assim vejamos:
A maioridade penal deve ser diminuída porque há muita violência e impunidade. Há muita violência e impunidade porque a maioridade penal precisa ser reduzida.
O Uber deve ser permitido para alimentar a concorrência porque os taxistas cobram caro e não prestam um bom serviço. Os taxistas cobram caro e não prestam um bom serviço porque não há concorrência e o Uber está proibido.
Dilma deve sofrer o impeachment porque é corrupta e incompetente. Dilma é corrupta e incompetente porque deve sofrer o impeachment.
Os argumentos acima são logicamente perfeitos e indestrutíveis, na medida em que o problema é a solução e vice-versa. Além de logicamente perfeitos, são também reconfortantes: enxergar uma simples solução para um grande problema tranquiliza a alma ao transferir a responsabilidade para outras pessoas. As soluções estão aí. É só executar. A “minha” parte está feita. É a democracia das escolhas fáceis.
Infelizmente, não é tão fácil assim.
A redução da maioridade penal como solução da violência não funcionará porque desconsidera que a população jovem no Brasil é a terceira mais assassinada no mundo, que o sistema carcerário apresenta um índice de 70% de reincidência ante 20% do sistema socioeducativo, que a maioria esmagadora dos jovens penalizados são pretos, pobres e favelados (e isso não é uma coincidência), que a guerra às drogas fracassou, que a Polícia Militar mais mata do que protege a juventude, que países que reduziram a maioridade penal voltaram atrás por considerar a medida ineficaz, que o Estado e a sociedade têm responsabilidade no processo de formação do jovem marginalizado.
A permissão do Uber como solução para os problemas de mobilidade urbana não funcionará porque desconsidera que o aplicativo não é uma tecnologia em si, que seu objetivo maior é a formação de monopólio no setor de transportes e manutenção dos lucros da empresa em detrimento das garantias de seus trabalhadores, que os taxistas são também explorados pelas cooperativas de táxi e submetidos a jornadas extenuantes e pressão constante, que a substituição de um monopólio (dos taxis) por outro (do Uber) não liberta ninguém, que as políticas de mobilidade também passam pelas discussões das ciclovias, dos corredores de ônibus e da gratuidade na tarifa do serviço, que o aplicativo só ajuda em aumentar o número de carros nas vias.
O impeachment de Dilma como solução para os problemas de corrupção do país não funcionará porque não leva em conta que a principal causa da corrupção em todas as esferas administrativas é a influência do poder financeiro sobre o poder político, que as doações recebidas pelo PT foram também recebidas por todos os outros partidos que querem o impeachment, que o custo total do financiamento das campanhas durante as Eleições de 2014 ultrapassaram o patamar de 4 bilhões de reais (e isso não é de graça), que os paladinos da ética e da moral que bradam nas tribunas do Congresso Nacional também são acusados de corrupção, que a tentativa de criminalizar apenas um partido não é democracia, que a corrupção já existia antes do PT chegar ao poder.
Como se vê, os três assuntos não são simples. Denotam reflexão e diálogo para que problemas sejam resolvidos e para que mudanças sejam avanços e não retrocessos. Mas assim também é o processo democrático. A construção do Estado democrático de direito não se faz à fórceps, batendo panelas e aos gritos, do dia para a noite. Pelo contrário, é construído diuturnamente, com ideias discutidas, construídas e amadurecidas com participação popular. Enquanto formos uma democracia de escolhas fáceis continuaremos a ser um país de problemas escondidos.
Por fim, resta lembrar que o regime de heróis nacionais e soluções únicas durou 21 anos e acabou em 1985. Há os que sentem saudade. Ainda prefiro acreditar que a maioria de nós não. Que estamos dispostos a construir uma democracia de fato, em que a soberania do voto popular é respeitada, em que prisões e bombas não são comemoradas, em que os trabalhadores tenham seus direitos respeitados, em que a mobilidade urbana seja direito de todos e em que a juventude possa cultivar sonhos em liberdade.
Zé Paulo Caires é Bacharel em Direito pela UNESP – Franca/SP e Pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela USP – Ribeirão Preto/SP.
vi no: http://justificando.com/2015/08/04/a-democracia-das-escolhas-faceis/
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