Na direita conservadora brasileira é comum dizer-se defensor de uma cultura moral “não relativista”. Para seus defensores, a “moral tradicional” brasileira, mesmo com todos os seus autoritarismos, preconceitos e violências hierárquicas, seria algo próximo do absoluto e imutável, o único conjunto de regras morais a ser tolerado por eles. Mas curiosamente muitos desses partidários dessa moral não abrem mão de, quando lhes é conveniente, promover o relativismo que tanto condenam.
Quando um conservador diz adotar uma “moral não relativista”, muitas vezes é para dizer que “jamais” tolerará, “em hipótese nenhuma”, uma vasta gama de direitos alheios, como a escolha da mulher cis e outras pessoas com vagina e útero entre o aborto e a manutenção da gravidez, o reconhecimento incondicional da identidade de gênero de pessoas trans, a liberdade de não heterossexuais de se relacionarem com quem seus corações quiserem, o casamento não monogâmico, o tratamento digno e ressocializatório de presidiários, a liberdade política de comunistas e anarquistas, a liberdade de (des)crença de minorias (ir)religiosas não cristãs etc.
Segundo esses autointitulados “absolutistas da moral”, o caráter fluido e imparável das mudanças socioculturais não faria os direitos e liberdades mencionados deixarem de ser “absurdos” perante a moral que dizem seguir. Tacham essas liberdades alheias de “afrontas à moral e aos bons costumes” e declaram-lhes oposição incondicional.
Com isso, dizem ser contrários ao relativismo cultural que flexibiliza a moral vigente – mesmo que ele não flexibilize a ética. E com isso também se investem, às vezes, em hostilizar e preconceituar culturas estrangeiras ou indígenas que promovem, por exemplo, religiões não cristãs, casamentos não monogâmicos, respeito às orientações não heterossexuais, reconhecimento de gêneros não binários e/ou fluidos etc.
Mas esse “não relativismo” tem limites que esses “absolutistas” não admitem publicamente. Aceita que, por exemplo, o Brasil não é mais regido por uma monarquia como a portuguesa ou a nativa imperial, que a escravidão de pessoas africanas e afrodescendentes não é mais legal perante a lei, que as pessoas negras têm hoje os mesmos direitos que as brancas, que casamentos hoje podem ser dissolvidos, que pessoas nascidas na pobreza têm o direito de lutar pela ascensão social etc.
Em outras palavras, aceitam que a moral hegemônica vigente no Brasil das primeiras décadas do século 21 não é a mesma que vigorava forte no início do século 19. E da mesma maneira, seu discurso de “moral não relativista” não rejeita o fato de que a moral bíblica do Velho Testamento, mesmo que lhes inspire ainda hoje preconceitos como a intolerância religiosa e o heterossexismo, não pode nem deve ser integralmente seguida na época atual.
Reconhecem, em seu dia-a-dia, que não eram nem deveriam ser imutáveis, por exemplo, a escravidão humana, o genocídio, a pena de morte por adultério, o tratamento das mulheres como propriedade dos homens pela lei, o sacrifício animal em honra ao Deus bíblico, o militarismo expansionista, entre outros costumes muito comuns na região que os hebreus habitavam no primeiro milênio antes da Era Cristã.
E uma outra “falha” dessa tal “moral não relativista” de muitos conservadores é ligada aos valores. Dizem não tolerar, por exemplo:
– a corrupção política,
– as posturas antidemocráticas,
– as tentativas de restringir as liberdades individuais,
– os “ataques” à dita “meritocracia” brasileira etc.
– a corrupção política,
– as posturas antidemocráticas,
– as tentativas de restringir as liberdades individuais,
– os “ataques” à dita “meritocracia” brasileira etc.
Mas muitas dessas pessoas não se importam em, respectivamente:
– tolerar ou acobertar casos de corrupção entre políticos de partidos como o PSDB e bancadas como a evangélica teocrática,
– defender golpe militar contra o PT e/ou cassação dos direitos políticos de beneficiários de programas sociais,
– negar inúmeras liberdades individuais a minorias políticas (como negros, mulheres, pessoas trans, homossexuais, indígenas, afrorreligiosos, pobres em geral etc.)
– e rejeitar que a essas mesmas categorias sejam dadas pelo Estado as devidas condições e oportunidades de competirem em pé de igualdade com pessoas hoje privilegiadas (homens, brancos, cisgêneros, heterossexuais, cristãos, de classe média ou alta etc.)
– tolerar ou acobertar casos de corrupção entre políticos de partidos como o PSDB e bancadas como a evangélica teocrática,
– defender golpe militar contra o PT e/ou cassação dos direitos políticos de beneficiários de programas sociais,
– negar inúmeras liberdades individuais a minorias políticas (como negros, mulheres, pessoas trans, homossexuais, indígenas, afrorreligiosos, pobres em geral etc.)
– e rejeitar que a essas mesmas categorias sejam dadas pelo Estado as devidas condições e oportunidades de competirem em pé de igualdade com pessoas hoje privilegiadas (homens, brancos, cisgêneros, heterossexuais, cristãos, de classe média ou alta etc.)
Essas contradições comprovam que a suposta defesa conservadora de uma “moral não relativista” é uma falácia. É algo que, de uma forma ou de outra, não corresponde à realidade dos conservadores brasileiros.
Eles serão relativistas sempre que se depararem com situações que evidenciem as diferenças entre a moral que seguem hoje e as morais culturais do passado. E muitos deles também o serão quando os valores morais que dizem seguir se contradisserem com sua condescendência perante casos de corrupção, de atentados à liberdade alheia, de autoritarismo antidemocrático etc. por parte de aliados seus (políticos, amigos, parentes etc.). Por isso desconfiemos se algum adepto de convicção reacionária declarar-se “defensor não relativista dos bons valores e costumes morais”.
http://consciencia.blog.br/2014/11/moral-nao-relativista-relativizada-meio-conservador-brasileiro.htm
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