Seu estilo discreto é fruto de Marketing como supõe a Folha de S.Paulo? Ou são características pessoais? |
Este é um campo em que há apenas duas possibilidades: sim e não, e o divertido é começar pelo insensato. Sim, Dilma pode ter aprovação maior que a de Lula. Se há uma questão que ficou clara nestas primeiras semanas, trata-se do estilo Dilma de governar. O viés mais discreto, com menos aparições públicas, tem o poder de agradar aos famosos 3% que viam o governo Lula como “ruim/péssimo” e mesmo aos 13% que aceitaram, de malgrado, engolir a gestão anterior como “regular”.
Pouco importa se o estilo discreto é fruto de marketing, como supõe a Folha de S. Paulo, ou de características pessoais, como supõe o bom senso. A bem da verdade, já que ora se fala neste assunto, Dilma parece gostar de falar pelas entrelinhas: foi a ato contra o Holocausto em Porto Alegre e fez questão de se reunir com as Mães da Praça de Maio em Buenos Aires.
É importante lembrar que, entre os que desaprovavam Lula, há uma dose nada desprezível – ou muito desprezível? – de preconceito. Gente que “teve” de aguentar durante oito anos o estilo nordestino-sindicalista de Lula está a admirar o estilo gaúcho-técnico da presidenta. A mídia brasileira, em nossa fábula da vida política, deu a Dilma o papel da pessoa séria e rigorosa, dois atributos deveras valorizados pelas classes médias e altas que tanto odiavam a Lula. O gaúcho foi o mais próximo que chegamos da Europa, que saudades da Europa, com seu lenço no pescoço, o semblante fechado e o vinho no lugar da cerveja. O rigoroso é a incorporação do trabalho duro, sem espaço para desvios de conduta, bem diferente da “república sindicalista” de Lulla – sim, eles adoram lembrar de Collor.
Mostras desse segundo atributo foram dadas neste primeiro mês, com a condenação aos problemas de direitos humanos no Irã e em Cuba, a demora em receber as centrais sindicais e a ordem para cortar geral no Orçamento, temas com grande poder de penetração no cérebro modelo Jornal Nacional das classes médias e altas. Os governos iraniano e cubano são, para o clube dos 3%, o exemplo do que há de pior no mundo, e com os quais Lula foi “conivente”. As “torneiras abertas” dos cofres públicos e o mundo sindical caem como uma luva no imaginário autoflagelador dos ricos brasileiros, sempre queixosos da alta carga tributária e das classes políticas, assim genericamente denominadas.
De boatos e silêncios
Por tudo isso, Dilma poderia angariar uma popularidade altíssima e reaproximar o PT das classes médias, levando-o a um êxito maior nas eleições municipais de 2012. Ocorre que é improvável que se consiga ganhar de um lado sem perder de outro, e aí vem a análise menos divertida da situação geral. A primeira questão é óbvia: contraria a lógica que alguém possa obter mais aprovação que o presidente mais popular de que se tem notícia.
Depois disso, o estilo discreto de Dilma, se agrada os outrora “reprovantes”, pode ser lido como um silêncio incômodo sob o olhar de parte dos eleitores do novo governo. A presidenta sabe, ou poderia ter aprendido com o primeiro turno das eleições, que o boato prospera principalmente onde há silêncio e incerteza. É aí que podem ser plantadas notícias, caírem ministros e, mais que nada, serem criados imensos mal-entendidos.
Imagina-se que Dilma virá a público mais vezes após esta fase inicial de montagem de gabinete e rateio de cargos, e parece necessário que o faça para não permitir que acabe falando pela boca de terceiros. Há dubiedade, até agora, sobre a real intenção do governo em relação a pontos tidos como fundamentais por apoiadores mais “ideológicos”, como o marco regulatório das comunicações e a criação da Comissão da Verdade. Dilma sabe que, para seguir em frente nestes dois assuntos, vai comprar brigas exatamente com o piso de cima da sociedade, e até mesmo com os estratos de baixo influenciados pelos setores conservadores da imprensa. Será preciso esperar os cem dias, e talvez mais, para saber se vai ou não aceitar essas pelejas – e se sua arma será a peixeira ou a boleadeira.
João Peres é jornalista, colunista do Nota de Rodapé
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