Há mais ou menos uns trinta anos, descobri que precisava me entender com o economês – e, depois, com economia – para poder nadar neste mar ultra capitalista em que havia se convertido o Brasil de minha juventude, ainda que, até hoje, alguns caras-de-pau digam que falta capitalismo ao Brasil. Não falta capitalismo a este país; sobra.
Na segunda metade do século passado, fomos atirados em um capitalismo selvagem, desumano, em que só o lucro interessava e no qual o homem se tornou peça de sustentação do sistema, arcando com todo o peso de um modelo econômico voltado a concentrar renda explorando o filão de mão-de-obra barata e submissa, incapaz de pensar mudanças profundas para que o cidadão comum voltasse a ser o objetivo do Estado.
Política e economia revelaram-se a mim quando mal me havia casado e já tinha a primeira filha a caminho. Tais questões me explicavam por que, naquele 1982, não conseguira trabalho melhor do que o de estoquista de uma indústria de autopeças, apesar de já ser um sujeito letrado, informado, dinâmico e, acima de tudo, jovem.
Desde 1982, portanto, decidi ler tudo o que pudesse sobre economia, dia após dia, sem falhar um só, enquanto assistia a tudo acontecer neste país em termos de evolução do processo econômico, tendo aprendido a ter o cuidado de comparar o que diziam e haviam previsto os versados em economês, de um lado, com os efeitos dessa retórica, do lado oposto.
Devo ser honesto: julgo que não entendo nem mais nem menos de economia do que os analistas especializados das mídias que oferecem sempre a mesma versão tenebrosa do futuro se isto ou aquilo não for feito, simplesmente porque não se discute economia, no Brasil, sem injunções políticas, estando amplamente misturado o que deveria permanecer separado em benefício da coletividade.
Vejam a questão dos juros e da temperatura da economia, equação que determinará o apoio político do novo governo necessário a quem tem que enfrentar uma direita midiática convencida de que com esse grupo político que vai iniciando o terceiro mandato na governança do país perderá negócios da China que poderia fazer se o país voltasse a ser governado só para os dez por cento mais ricos.
O nível da taxa básica de juros da economia, a Selic, virou peça de discurso político, pois a mídia tenta – e consegue – fazer os formadores de opinião se convencerem de que pagam mais juros com taxa maior, mesmo que o que determine os juros de mercado não seja a taxa interbancária e, sim, o fantástico spread que os bancos cobram no Brasil.
Spread, a taxa de risco que os bancos cobram. Risco de você, leitor, não pagar o empréstimo usurário que recebeu daquela instituição financeira, nem que seja por uma semana. A taxa de risco é que determina os juros de mercado, e não a taxa Selic. E a taxa de risco pode cair quando a taxa básica aumenta. Isto é fato. Inquestionável.
O efeito da Selic sobre os juros de mercado se dá no encarecimento de uma taxa que os bancos cobram uns dos outros ao fim dos trabalhos das câmaras de compensação das movimentações do dia, quando uns terminam aquele dia com ou sem liquidez total para saldar contas devedoras ou para emprestar àquela instituição que esteja temporariamente descoberta.
Entretanto, a despeito de alguns pontos a mais na Selic, o sistema financeiro nacional já provou que pode ignorá-la por conta de uma taxa de risco imposta ao resto da economia que chega a ultrapassar em muitas vezes a taxa básica. Para entender isso, basta pensar sobre onde alguém conseguiria dinheiro a 10% ao ano, no Brasil, e comparar com o custo de mercado mínimo do dinheiro em um ano, neste país, que não baixa muito de 50%.
Essa diferença se deve ao spread e mostra por que os bancos brasileiros nem piscaram diante da crise econômica internacional, o que não deixa de ser uma prova de que até os lucros exagerados de poucos, obtidos nas costas de muitos, podem, eventualmente, ter um papel positivo, por mais absurda que pareça a idéia.
Então é bobagem dizer que a Selic terá o condão, sozinha, de modular definitivamente o nível de crescimento, impedindo ou incentivando decisivamente que o país cresça ou não. Ora, o governo Lula, durante o ano passado, desencadeou um processo de alta gradual da Selic em pleno processo eleitoral e, além de ter elegido a sucessora, o país ainda bateu recorde de crescimento.
Onde, então, está o problema provável da economia, se é que existe? A presidente Dilma disse qual é nem faz muito tempo: na inflação. Afirmou que sob hipótese alguma permitirá que retorne. Porque essa, sim, anularia o crescimento e os ganhos de renda que os Brasileiros vêm experimentando há anos com Selic alta e tudo.
A inflação está subindo, no Brasil, assim como está subindo em países que visitei não faz muito tempo, como Argentina ou Venezuela, imersos em processos inflacionários perversos mesmo crescendo, como o primeiro país, ou em situação de estagnação, como no caso do segundo.
No caso do Brasil, a alta internacional do preço das commodities (produtos básicos como arroz, feijão, petróleo, carne, minérios etc.) é compensada pela queda dos preços dos produtos industrializados que vai se dando mundo afora. O que, então, está produzindo inflação de tudo, no Brasil? Sobem, atualmente, de carne a aluguel e produtos industrializados ou serviços.
O que está causando inflação no Brasil, portanto, é a lei da oferta e da procura, que ninguém jamais conseguiu revogar. Ou seja: há muita gente com dinheiro no bolso pra comprar de tudo e o mercado vai tendo que conseguir rapidamente o que entregar em troca dessa dinheirama, o que evidentemente permite que se cobre mais.
Aumentar a Selic pura e simplesmente, então, não resolve, ainda que não se possa abrir mão da política monetária. O crédito ainda é farto, apesar das medidas do governo para diminuir a oferta, tomadas no fim do ano passado, e, enquanto for farto, o brasileiro, esse otimista incorrigível, continuará realizando sonhos de consumo sem pensar no futuro.
É óbvio para qualquer um que tenha a menor noção de economia que o Brasil não tem condições de crescer a 8% ao ano, ao menos já. O que sustenta uma economia com demanda crescente por tudo que o dinheiro pode comprar é o investimento, tanto o público quanto o privado, e o nosso nível de investimento ainda é baixo.
Segundo os “especialistas”, o país precisa de uma taxa de investimento ao redor de 24 ou 25 por cento para sustentar a demanda, pois sem um parque industrial e agroindustrial adequado ao tamanho dessa demanda a lei da oferta e da procura continuará se fazendo notar. Hoje, a taxa de investimento, no Brasil, está em 18 ou 19 por cento.
Dilma promete que até 2014 chegaremos a esse patamar de investimentos públicos e privados. A conferir.
A conclusão inevitável, enfim, é a de que o Brasil, se quiser se manter na rota dos últimos oito anos, terá que continuar adotando o mesmo modelo econômico. Não há como manter o consumo nos patamares atuais, então. Os efeitos da gastança já se refletem nos preços relativos da economia de forma cada vez mais pronunciada.
No início de 2010, havia mesmo que deixar a roda da economia girar mais à vontade porque vínhamos de uma crise que, por menor que tenha sido no Brasil, fez o PIB estagnar, ainda que o mercado de trabalho tenha se comportado bem, com poucas e episódicas demissões, mas com significativa redução do crescimento.
No ano passado, o Brasil recuperou o que perdeu na crise. Estamos com o país em um processo tão dourado de atividade econômica que já chegamos ao pleno emprego em montes de setores da economia e profissões. Podemos muito bem, pois, agüentar um crescimento menor neste momento, para que a inflação não corroa os ganhos que tivemos.
Dessa maneira, na opinião deste blog, o problema mais imediato do Brasil é como reduzir o nível de crescimento sem medidas draconianas como restrição muito forte ao crédito e aumento muito grande da taxa básica de juros. Por conta disso é que o governo hesita em deixar o salário mínimo subir muito agora depois de ter subido expressivamente nos últimos anos.
O poder de gerar consumo do salário mínimo ainda é muito grande. Dar um aumento expressivo ao piso salarial do país, agora, seria um tiro no pé. Após anos de recomposição salarial de todos os setores da economia, o Brasil pode muito bem esperar alguns meses a fim de arrumar a casa antes de dar outro salto no crescimento.
E ninguém está falando em não crescer. Um crescimento ao redor de 5% neste ano, que é o que deve acontecer se o governo conseguir reduzir um ímpeto de crescimento tão forte quanto está se vendo, seria mais do que adequado.
Os investimentos estão aumentando, tanto o público quanto o privado. A capacidade da economia de crescer, assim, irá aumentar progressivamente e é progressivamente que temos que pensar o crescimento. O Brasil precisa crescer com juízo para crescer sem inflação e sem solavancos políticos inerentes ao recrudescimento inflacionário.
blog da cidadania
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