A sinceridade é uma virtude que devemos somente a nós mesmos. Praticá-la com os outros é um suicídio” (Vargas Vila).
Este autor maldito, banido da sua terra natal, foi “novelista, militante panfletário, jornalista, niilista, ateu, anticlerical e obsessivamente indignado com a palhaçada fastidiosa reinante na América Latina, principalmente com o carneirismo vergonhoso de sua política e de suas assembléias”. Seus livros foram censurados, queimados em praça pública e a Igreja ameaçou de excomunhão quem se atrevesse a lê-los.
Escritas há muito tempo, são palavras atuais pertinentes. Por exemplo, o que ele escreve sobre a sinceridade. Seja sincero e correrá o sério risco de ver decretada a sua morte social. Muitos lhe considerarão inconveniente e grosseiro; outros dirão que você padece da ingenuidade dos loucos e das crianças – os únicos que, em geral, não temem a espontaneidade – e o aconselharão a “pensar antes de falar”; dirão que seu tom de voz é ofensivo. O ser humano necessita gosta das aparências. A verdade pode ser insuportável. A mentira é o fundamento da sociedade:
“O único método reflexivo de triunfar é a mentira; a verdade é espontânea e irreflexiva; por isso leva sempre à derrota; ninguém se salvou por dizer uma verdade; todos os vencedores o foram pelo poder de uma mentira…”“A mentira é o estado natural do homem. Na mentira vivemos, pela mentira gozamos e é do seio generoso da mentira que extraímos as únicas gotas de mel que adoçam a vida. A mentira é a esmola dos céus, nela vibra a bondade suprema, é ela que dá força ao espírito para não desfalecer, não morrer, não fechar as asas e cair dos céus exóticos do sonho sobre a terra miserável.”“A verdade é de tal maneira odiosa aos homens, que quando mencionam uma, a colocam na boca de um louco como Hamlet. E é para provar sua loucura que este diz uma verdade.”
Se a verdade deve ser socialmente dissimulada, talvez Vargas Vila esteja certo quando define a amizade como uma:
“… forma de comércio entre os homens, máscara de Aristófanes sob a qual se gesticula à vontade; consórcio de duas vaidades, junção de duas mentiras sob qualquer interesse sempre bastardo (…) a hipocrisia é o laço que une os homens em sociedade: no dia em que imperasse a franqueza, se destruiriam uns aos outros como os soldados de Cadmos.”
Quantos de nós estamos dispostos a assumir os riscos de dizer aos nossos amigos e pessoas amadas o que realmente pensamos? Somos capazes de ouvir o que sinceramente pensam sobre nós? Quantas amizades, casamentos, etc. resistem à sinceridade? Talvez por isso preferimos nos enganar mutuamente, como se pisássemos em cristais sem assumirmos o risco de quebrá-los.
“Assim falou Vargas Vila”. Resta escandalizar-se ou suspender os preconceitos e refletir sobre o significado das suas palavras. Se não tememos a sinceridade, temos algo a aprender. Afinal, se atentarmos bem para o nosso cotidiano, talvez nos assustemos em perceber que as palavras de Vargas Vila, por constrangedoras que pareçam, servem bem para pensar o indizível, aquilo que não temos coragem de pronunciar.
Ozai
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