O assessor de comunicação de José Serra, Márcio Aith, escreveu ao jornal Folha de S.Paulo (está na edição desta quarta, 2) reclamando do "noticiário anêmico" do jornal. Foi a resposta iracunda ao editorialTabus de campanha, onde a Folha acusa o presidenciável tucano de "deslize retórico", "subentendido infeliz" e "ataque velado". A luta interna na oposição galga mais um estágio com o episódio caricato: agora em letra de forma, expõe as agruras que a queda nas pesquisas traz.
Por Bernardo Joffily
Serra no Recife: Duas propostas... furadas
O editorial da Folha (de sábado, 29) de fato deve ter ficado entalado na já castigada garganta do ex-governador paulista. Faz que fala dos "três principais candidatos à Presidência", mas não oculta que o seu problema é com Serra.O texto lastima de que, passado um mês, nem o tucano, nem Dilma e nem mesmo Marina responderam a um questionário da Folha sobre temas programáticos na área "de costumes". Acusa a campanha de não travar "um debate sério" sobre questões de programa. E aí vai para cima de Serra:
"O que tem surgido [...] pertence à ordem do deslize retórico, do subentendidoinfeliz e do ataque velado - de que são mostra os pronunciamentos de José Serra sobre a autonomia do Banco Central ou sobre a produção de cocaína na Bolívia" (!).
Nem a saudosa Velhinha de Taubaté duvidaria do compromisso tucanófilo do principal órgão dos Frias. O que chama atenção, portanto, é a estridência do editorial, essencialmente contra, logo quem, José Serra...
A primeira explicação que vem à mente é que o bloco demo-tucano-midiático está à beira de um ataque de nervos com a queda de seu candidato nas pesquisas. E por isso passa a lavar sua roupa suja em público. Faz sentido.
Mas, sem prejuizo desta hipótese, há outra que também se sustenta: a mídia dominante não se contenta em funcionar como partido político, conforme ficou solidamente demonstrado no debate do último dia 14 que lançou Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé” (veja mais em Um começo promissor para o Centro de Estudos "Barão de Itararé"). Ela se enxerga como o "Partido Mãe", em especial em questões de ideologia e programa.
Embora ande mal das pernas (que o diga a Folha, ex-campeã de vendas, no século passado), essa mídia tem uma opinião sumamente favorável de si própria. E acidamente crítica dos seus aliados, os partidos tradicionais da oposição conservadora, PSDB e DEM, que considera uns trapalhões, interesseiros e vacilantes.
Portanto, ela não hesita em puxar a orelha do seu presidenciável, quando acha que ele saiu da linha. Serra, coitado, já deve estar com as orelhas em pior estado que a garganta. O editorial da Folha não é o primeiro exemplo, nem o 11º, nem por certo será o último.
Aith e o jornalismo do "bateu, levou"
Não é menos reveladora a carta-resposta de Aith – que aliás chegou no QG de Serra este més, vindo diretamente da redação dos Frias na Rua Barão de Limeira, onde era repórter especial há quatro anos, depois de três como editor-executivo da Veja: uma trajetória que diz tudo.
Aith parece ter aprendido, talvez com os Frias e os Civita, o jornalismo do "bateu, levou". Sua réplica, em síntese, é:
"O editorial Tabus de campanha refletiu apenas o noticiário anêmico do próprio jornal ao não registrar temas programáticos fundamentais abordados pelo ex-governador José Serra" (!).
Exemplos... de indigência de ideias
Mas, ao escolher dois exemlos desses "temas programáticos fundamentais", lançados na sexta-feira no Recife, quanto ao Bolsa Família e à Sudene, o jornalista de Serra expõe a indigência de ideias que acomete seu atual patrão. Se não, vejamos:
Sudene. Na capital de Pernambuco (onde o governo Lula tem 89% de 'bom' e 'ótimo' e Dilma Rousseff bate Serra por 53% a 24%, segundo a última pesquisa, do Vox Populi), Serra disse que ela é "um organismo fundamental para o desenvolvimento". Até prometeu que, "presidente da República, vou presidir, ao mesmo tempo, durante seis meses, a Sudene".
Ocorre que, os pernambucanos e brasileiros sabem, a "fundamental Sudene" foi extinta (!) pelo governo em que Serra participou. Em 4 maio de 2001, a medida provisória 2.146-1 "extingue a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, e dá outras providências" (veja aqui a íntegra). Quem assinou a MP foi FHC. De seu ministro da Saúde, José Serra, não se ouviu um ai, a não ser agora, que ele precisa ciscar votos nordestinos. Foi o governo Lula que reimplantou a Sudene, em janeiro de 2007.
Bolsa Família. Serra fez o que pôde para desmentir os boatos de que os tucanos querem acabar com o programa. Anunciou uma proposta que, segundo suas palavras, era "inédita": "O garoto, o jovem, a adolescente cuja família vive do Bolsa Família vai ter uma bolsa de estudos para se manter no ensino profissional", garantiu Serra, no palanque, frio e desenxabido, que lançou seu aliado, Jarbas Vasconcelos, para o governo pernambucano
Desta vez coube a Lula responder, com agilidade, elegância e humor. Nesta terça-feira (1º), quatro dias depois da proposta "inédita" do tucano, compareceu ao Parque da Moóca, em São Paulo (!), para cerimônia de entrega de 1.592 (!!) beneficiários do Bolsa Família que fizeram cursos de qualificação profissional em construção civil, com 200 hora-aula (!!!), dentro do programa Próximo Passo, que oferece no total 172 mil vagas (!!!!) e foi criado em 2008 (!!!!!).
Folha perde oportunidade histórica
Bem vistas as coisas, a Folha e Aith, como disse o poeta, se merecem. O que não impede que seja bemvinda a ideia de ativar o debate programático nesta campanha presidencial.
A edição da Folha desta quarta, aliás, perdeu uma oportunidade histórica – na plena acepção da palavra – de fazer "um debate sério" sobre programa. Cinco das seis centrais sindicais do país reuniram-se pela primeira vez em uma 2ª Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalhadora). A primeira foi há 29 anos! E se reuniram, justamente para discutir um programa de desenvolvimento nacional com valorização do trabalho. O título da Folha:Centrais gastam R$ 800 mil em ato para criticar o PSDB.
Pior, mais despolitizada e "desprogramizada", só mesmo a matéria do pé da página. A reportagem deu-se ao trabalho de garimpar, entre os 30 mil líderes sindicais de todo o país presentes no estádio do Pacaembu, São Paulo, uma certa senhora Terezinha Melo, 72 anos, que disse ter vindo do Rio de Janeiro pensando que era "um passeio grátis". Belo senso de debate programático!
Ao debate, senhores!
Porém com ou sem Folha espera-se que a discussão das questões de fundo venha à tona. Na campanha presidencial passada ela demorou, mas por fim entrou em pauta, já no segundo turno; foi por conta dela que Geraldo Alckmin perdeu 2,4 milhões de votos entre os dias 1º e 29 de outubro de 2006. Desta vez, espera-se que comece o quanto antes, com os candidatos apresentando e discutindo suas plataformas.
Aí, será difícil José Serra continuar a se dizer "de esquerda" enquanto encabeça a coligação da direita moderna com a direita arcaica, representada pelo PSDB e o DEM. Aí, será fácil para o eleitor entender por que esta eleição está mais polarizada que todas as outras desde a de 1º de março de 1930. E será mais fácil ainda escolher o seu lado, entre o programa da continuidade do governo Lula e o da volta aos tempos de FHC.
Para o leitor mais curioso, reproduzo abaixo o editorial da Folha e a seguir a carta de Márcio Aith:
Tabus de campanha
Discurso dos três principais candidatos à Presidência evita tratar de diversas questões polêmicas, por pura conveniência eleitoral
Vagas para afrodescendentes nas universidades. Adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Distribuição de camisinhas nas escolas. Descriminalização das drogas. Aborto. Ampliação da licença-paternidade.
Eis uma série de temas que, longe das costumeiras discussões sobre a taxa de juros ou o papel do Mercosul, não deixam igualmente de afetar parcelas significativas da população. Exprimem, sobretudo, visões a respeito de que tipo de país se quer para o futuro. Mais liberal em termos de costumes? Ainda fiel a determinadas tradições religiosas? Particularista ou universalizante no que tange aos direitos sociais?
É certo que não compete exclusivamente ao chefe do Executivo decidir sobre temas tão diversos, nos quais se misturam convicções pessoais, políticas de Estado e polêmicas de natureza cultural.
Entende-se, ademais, que candidatos a cargos majoritários procurem antes ampliar do que restringir o universo de seus possíveis eleitores. Mas o que é inteligível, do ponto de vista de uma lógica política imediata, não deixa de ser consternador.
Há mais de um mês, a Folha dirigiu aos três principais candidatos à Presidência um questionário com dez perguntas, abordando temas como os mencionados acima. José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva, por meio de suas assessorias, alegaram falta de tempo para responder.
Não se espera, por certo, que candidatos tenham resposta pronta para toda e qualquer questão. Mas tudo faz crer que o silêncio dos candidatos se deve menos a algum tipo de indecisão de ordem pessoal, e mais a uma arraigada cultura da intransparência e do subterfúgio, especialmente notável na política brasileira.
Pode-se argumentar que, no estágio atual de desenvolvimento do país, questões mais urgentes estão na pauta. A tese não se sustenta, por vários motivos.
As mortes de mulheres em casos de aborto desassistido, por exemplo, configuram uma tragédia de grandes proporções -e não há eufemismo que exima os candidatos de considerá-la em suas implicações substantivas.
Tudo faria sentido se a campanha eleitoral tivesse a empolgá-la discussões enfáticas sobre a condução da política econômica ou as relações externas do Brasil. Nessas áreas, entretanto, o que tem surgido não assume características de um debate sério. Pertence antes à ordem do deslize retórico, do subentendido infeliz e do ataque velado - de que são mostra os pronunciamentos de José Serra sobre a autonomia do Banco Central ou sobre a produção de cocaína na Bolívia.
É que, em última análise, os candidatos parecem até agora seguir mais a estratégia dos marqueteiros, e as milimétricas variações de sua popularidade nas pesquisas, do que apresentar-se como líderes reais -isto é, capazes de assumir, para o bem ou para o mal, os riscos da clareza e do compromisso público com uma visão própria quanto ao futuro do país.
Discurso dos três principais candidatos à Presidência evita tratar de diversas questões polêmicas, por pura conveniência eleitoral
Vagas para afrodescendentes nas universidades. Adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Distribuição de camisinhas nas escolas. Descriminalização das drogas. Aborto. Ampliação da licença-paternidade.
Eis uma série de temas que, longe das costumeiras discussões sobre a taxa de juros ou o papel do Mercosul, não deixam igualmente de afetar parcelas significativas da população. Exprimem, sobretudo, visões a respeito de que tipo de país se quer para o futuro. Mais liberal em termos de costumes? Ainda fiel a determinadas tradições religiosas? Particularista ou universalizante no que tange aos direitos sociais?
É certo que não compete exclusivamente ao chefe do Executivo decidir sobre temas tão diversos, nos quais se misturam convicções pessoais, políticas de Estado e polêmicas de natureza cultural.
Entende-se, ademais, que candidatos a cargos majoritários procurem antes ampliar do que restringir o universo de seus possíveis eleitores. Mas o que é inteligível, do ponto de vista de uma lógica política imediata, não deixa de ser consternador.
Há mais de um mês, a Folha dirigiu aos três principais candidatos à Presidência um questionário com dez perguntas, abordando temas como os mencionados acima. José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva, por meio de suas assessorias, alegaram falta de tempo para responder.
Não se espera, por certo, que candidatos tenham resposta pronta para toda e qualquer questão. Mas tudo faz crer que o silêncio dos candidatos se deve menos a algum tipo de indecisão de ordem pessoal, e mais a uma arraigada cultura da intransparência e do subterfúgio, especialmente notável na política brasileira.
Pode-se argumentar que, no estágio atual de desenvolvimento do país, questões mais urgentes estão na pauta. A tese não se sustenta, por vários motivos.
As mortes de mulheres em casos de aborto desassistido, por exemplo, configuram uma tragédia de grandes proporções -e não há eufemismo que exima os candidatos de considerá-la em suas implicações substantivas.
Tudo faria sentido se a campanha eleitoral tivesse a empolgá-la discussões enfáticas sobre a condução da política econômica ou as relações externas do Brasil. Nessas áreas, entretanto, o que tem surgido não assume características de um debate sério. Pertence antes à ordem do deslize retórico, do subentendido infeliz e do ataque velado - de que são mostra os pronunciamentos de José Serra sobre a autonomia do Banco Central ou sobre a produção de cocaína na Bolívia.
É que, em última análise, os candidatos parecem até agora seguir mais a estratégia dos marqueteiros, e as milimétricas variações de sua popularidade nas pesquisas, do que apresentar-se como líderes reais -isto é, capazes de assumir, para o bem ou para o mal, os riscos da clareza e do compromisso público com uma visão própria quanto ao futuro do país.
E a carta-resposta:
Serra
O editorial Tabus de campanha (Opinião, 29/5) refletiu apenas o noticiário anêmico do próprio jornal ao não registrar temas programáticos fundamentais abordados pelo ex-governador José Serra desde que lançou sua pré-candidatura à Presidência, no dia 10 de abril.
Um exemplo dessa anemia foi a não cobertura daFolha às propostas apresentadas na sexta-feira em Recife, a respeito do Bolsa Família e da Sudene. AFolha não noticia as propostas e seus editoriais criticam a falta de propostas. Publicado um dia depois de a Polícia Federal ter apreendido meia tonelada de cocaína vinda da Bolívia, o editorial ainda foi infeliz ao classificar como um "deslize retórico" a crítica de Serra à omissão do governo daquele país em controlar o tráfico da droga. Crítica essa compartilhada por nossa Polícia Federal.
Márcio Aith, assessor de comunicação da pré-campanha de José Serra (São Paulo, SP).
O editorial Tabus de campanha (Opinião, 29/5) refletiu apenas o noticiário anêmico do próprio jornal ao não registrar temas programáticos fundamentais abordados pelo ex-governador José Serra desde que lançou sua pré-candidatura à Presidência, no dia 10 de abril.
Um exemplo dessa anemia foi a não cobertura daFolha às propostas apresentadas na sexta-feira em Recife, a respeito do Bolsa Família e da Sudene. AFolha não noticia as propostas e seus editoriais criticam a falta de propostas. Publicado um dia depois de a Polícia Federal ter apreendido meia tonelada de cocaína vinda da Bolívia, o editorial ainda foi infeliz ao classificar como um "deslize retórico" a crítica de Serra à omissão do governo daquele país em controlar o tráfico da droga. Crítica essa compartilhada por nossa Polícia Federal.
Márcio Aith, assessor de comunicação da pré-campanha de José Serra (São Paulo, SP).
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