terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Karl versus Adam
Alguém já parou para pensar no que PT e PSDB têm a exibir em seus currículos? Não me refiro a escândalos, porque cada lado faz acusações mais escabrosas ao outro. Refiro-me a currículo, e currículo é o que um candidato a qualquer coisa tem a apresentar como pretensa prova de experiência e desempenho.
Quando se fala em disputa política nacional, ao menos nos últimos quinze anos fala-se em PT e PSDB. No entanto, fala-se pouco, porque, no Brasil e no resto do Terceiro Mundo, os povos ainda se prendem a nomes em vez de atentarem às siglas partidárias, o que torna os partidos fracos e os projetos políticos voluntaristas e com um quê de aventureiros.
Cada um que pense o que quiser, mas quem vem ler o que escrevo está em busca da opinião de quem escreve, seja para analisar de verdade ou para concordar ou discordar sistematicamente. Desta maneira, vou lhes dizer, com honestidade, o que acho que o Brasil enxerga quando pensa em PT e PSDB. Mas só quando pensa, porque não costuma pensar no assunto.
Note-se, porém, que não dá para tratar de situações regionais. Indo ao Sudeste, encontraremos a balança pendendo para os tucanos. Se formos ao Nordeste, a encontraremos pendendo para os petistas. Em todo o Brasil, porém, a maioria pende é para nomes de pessoas, sem atentar para o que representa a sigla partidária a que pertence aquele nome.
No Primeiro Mundo é diferente, ainda que a situação econômica deste, atualmente, seja sinônimo de incompetência e de irresponsabilidade. Mas não podemos nos esquecer de que, antes de mergulhar na utopia neoliberal, os países industrializados, com exceção dos Estados Unidos, produziram o Estado do Bem Estar Social, o dito Welfare State.
Uma filha está estudando inglês na Austrália e trabalhando para pagar seus estudos. Ganha mais do que um engenheiro no Brasil trabalhando como baby-sitter (babá) e housekeeper (empregada doméstica que trabalha por hora). A tia do noivo de minha Gabriela é housekeeper no Texas e ganha mais do que muito executivo de multinacional.
Sempre digo que o Primeiro Mundo atingiu esse estágio de bem-estar social (menor nos EUA, que copiamos, e maior na Europa, que fazemos questão de não copiar) porque esses povos aprenderam a manter os políticos sob rédea curta exigindo deles programas claros, que são debatidos à exaustão nas campanhas eleitorais.
Direita e esquerda têm propostas bem definidas até nos EUA. Barack Obama propôs e começa a implantar um sistema de saúde pública que os republicanos não queriam dar. Na Europa, direita e esquerda se enfrentam com propostas de “realismo” político e econômico, de um lado, e de aumento do Welfare State de outro.
No Brasil, os currículos partidários dos representantes da direita e da esquerda são muito claros. O PT pode dizer que em seu governo o país cresceu e se desenvolveu, que as camadas mais humildes da população melhoraram muito de vida e que no governo do PSDB sofremos com quebradeiras, estagnação, desemprego e até inflação.
São Paulo, com seu caos social e urbano, ou o Rio Grande do Sul, com seus escândalos e visível piora no padrão de vida de um Estado que, até então, tinha a melhor qualidade de vida do país, em uma sociedade atenta estes fatos constituir-se-iam – ou constituir-se-ão? – em uma barreira intransponível para um candidato a presidente do PSDB.
Já no caso do governo Lula, sua obra social e econômica é conhecida no mundo inteiro. Obra que se contrapõe ao governo FHC, que começou e terminou com recessão, inflação e desemprego, entre outros problemas trágicos.
Em 2002, o país desafiou o discurso do medo, então dito por Regina Duarte, e, pela primeira vez, elegeu um presidente da República de origem popular. Em 2006, em meio à maior campanha difamatória da história recente, votou contra a mídia e o PSDB.
Apesar do discurso da mídia e do próprio PSDB de que o que foi feito de bom por este governo não foi mais do que continuar fazendo o que fazia o governo anterior e de que o que continua ruim pertence só ao presente, os arquivos dos jornais estão coalhados de divergências dos partidos quanto à política econômica e ao social, e mostram quanto foi feito à revelia da mentalidade tucana nos últimos sete anos e tanto.
Neste ano, o Brasil fará a mais importante das suas entrevistas de emprego. O maior contingente de eleitores da história contratará um funcionário público – ou uma funcionária – para conduzir o magnífico processo desenvolvimentista que ora vivemos, e o instrumento para definir essa contratação (o currículo) favorece o PT.
Está se desenhando, pois, a escolha política que será imposta à sociedade neste ano, entre um Estado forte e um mercado libertino. De um lado, o PSDB oferecerá o “livre mercado” e bradará sobre “o fim do socialismo”, e, de outro, o PT mostrará no que foi que o neoliberalismo deu e o que o Estado pode fazer quando está a serviço da maioria.
Creiam-me, esse será o mote da eleição presidencial deste ano. A direita pode não gostar, mas, depois de tanto tempo, Karl Marx e Adam Smith, dentro das circunstâncias contemporâneas, voltarão a se enfrentar no Brasil. Agora, como nunca, pela Presidência da República, por mais que Adam mostre que lutará mascarado.
Finalmente, quero poupar trabalho aos que virão dar exemplos de que o governo Lula seria tão neoliberal quanto o PSDB. É a ideologia Heloísa Helena, que diz que resolveria todos os problemas sociais brasileiros com uma canetada no primeiro dia de um seu eventual governo – acreditem, ela chegou ao ponto de dizer isso de verdade, ouvi num programa de rádio uma vez.
Há anos que digo que há um processo em curso no Brasil. Um processo lento, no qual foi preciso aceitar imposições do mercado que, se não fossem aceitas, levariam a investidas do capital transnacional que nos quebrariam. Tivemos que jogar o jogo, até aqui, dentro das regras dos países ricos.
Dilma Rousseff e o PT significam mais Estado e menos libertinagem do “mercado”; Serra e o PSDB, pode-se mensurar o que representam olhando-se o que fizeram no governo do Brasil e em São Paulo.
Alguém consegue dizer alguma obra social de relevo do governo paulista? A principal obra do governo Serra, nos últimos tempos, foi a lei de alcagüetagem dos fumantes, e de um governo Yeda Crusius, contenção de gastos e afasia do Estado – a corrupção é outro assunto. Já nos governos Lula e Marta Suplicy, por exemplo, há um Bolsa Família ou os CEUs e o bilhete único.
Durante a crise econômica, cujo auge foi entre o fim de 2008 e meados de 2009, ficou claro quem é quem (Karl ou Adam) na política brasileira. Enquanto Lula pôs o Estado para funcionar, Serra e Kassab fizeram-no se retrair, parar de gastar, o que está rendendo muita dor de cabeça aos paulistas, como se está vendo.
Aliás, o embate entre Estado e mercado já começou. Os tucanos se posicionaram abertamente contra o protagonismo do primeiro e a favor da supremacia do segundo, em consonância com o que fizeram durante a década de 1990, o que mostra que eles não mudaram. Sobretudo por continuarem chamando programas sociais de “esmolas”.
Os tucanos querem que as multinacionais estrangeiras do petróleo abocanhem o pré-sal, querem redirecionar os negócios externos para os países ricos e acalentam, em privado, inclinações privatizantes, ainda que hesitem em sair do armário. A eleição de Serra seria uma farra do mercado, uma nuvem de gafanhotos que, mais uma vez, roubaria o país.
No Brasil contemporâneo, Karl é nosso melhor amigo e Adam, uma ameaça. E são eles que disputarão a Presidência da República, queiram a direita e a ultra-esquerda ou não.
Escrito por Eduardo Guimarães do blog cidadania.com
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