A Casa Branca decide encarar a 'imprensa'
Michael Scherer, revista Time
Não houve um momento determinado, quando a equipe de comunicação da Casa Branca decidiu que os grandes órgãos da mídia não estavam dando conta do recado, nem faziam jornalismo. De fato, houve vários momentos.
Para o secretário de Imprensa, Robert Gibbs, o dia da virada aconteceu no início de setembro, quando o New York Times publicou, como matéria de primeira página, o "crescimento nas pesquisas, de pais e mães preocupados com o conteúdo do discurso de Obama para crianças e adolescentes" – antes mesmo de o jornal (e os 'pais e mães'!) conhecerem o teor benigno do discurso. "Chega um momento que... Chega! Páre aí! Mas... que negócio é esse?" – disse Gibbs. "Essa coisa está transformada em circo de três picadeiros!"
Para o diretor de comunicações da Câmara de Deputados, Dan Pfeiffer, foram os ataques mais hiperbólicos, esse ano, contra o plano de Obama para a reforma da assistência à saúde, sempre noticiados como se houvesse alguma "controvérsia", que acionaram um alarme em sua cabeça. "Quando se debate se se trata ou não de assassinar velhinhas e criancinhas doentes" – diz ele –. "não se aplicam as regras normais do jornalismo: é preciso ser a favor de não assassinar ninguém. É preciso ter lado e a opinião do 'outro lado' absolutamente não interessa."
Para a chefe de Pfeiffer, Anita Dunn, o momento do "aha!" aconteceu quando o Washington Post publicou uma segunda coluna assinada pelo mesmo político Republicano, 'denunciando' que haveria "32 czares" indicados por Obama e já trabalhando na administração pública. Nove deles foram nomes aprovados pelo Senado, quer dizer, em nenhum caso seriam 'czares'. "O que de fato me surpreendeu e ainda surpreende até hoje, é que o Washington Post nunca questionou essa opinião de seu colunista. É inacreditável... mas aconteceu."
Todas as críticas, diárias, repetidas, as justas e também as injustas, e as delirantes, todas, estão pesando sobre a Casa Branca, objeto de ataques incansáveis. Então, a Casa Branca pensou em uma nova estratégia: em vez de facilitar a vida dos jornalistas, oferecendo-lhes fatos que os jornais e jornalistas usam em seguida como se fossem 'prova' do que escreveriam contra Obama mesmo sem qualquer verificação ou sem qualquer prova, a Casa Branca decidiu entrar no jogo e criticar mordazmente o jornalismo de futricas, os políticos e os veículos que vivem de publicar bobagens, ou mentiras, ou invenções completamente nascidas das cabeças dos 'jornalistas', como, por exemplo, a ideia de que o plano de Obama para reforma da assistência à saúde dos norte-americanos incluiria "clínicas sexuais" a serem implantadas nas escolas. Obama, descansado e relaxado depois dos feriados em Martha's Vineyard, riu da ideia dos 'jornalistas' e disse aos auxiliares que "Ok. Vamos chamar os caras p'ra conversar lá fora."
A estratégia de não fazer prisioneiros surpreendeu alguns 'jornalistas', considerando a cobertura amplamente favorável ao candidato Obama e considerando, também, a tendência do presidente de trabalhar em temperaturas retóricas menos exaltadas que o padrão de Washington e de não dar atenção às hipérboles partidarizadas. Nada disso. O Blog da Casa Branca, agora, não perde vez para falar mal dos críticos do governo. Um dos postados mais recentes levava o título de "A rede Fox mente" e sugeria que a rede estaria militando contra os interesses dos EUA, ao ridicularizar os esforços de Obama para que Chicago fosse escolhida para as Olimpíadas 2016.
Nenhum funcionário da Casa Branca ofereceu 'fatos' explicativos ou pediu desculpas. "A melhor analogia é o beisebol" – disse Gibbs. "O único modo de arrancar os caras de uma base, é mandar uma bola rápida. Aí, eles se mexem."
A generala dessa guerra é Anita Dunn, 51, veterana estrategista de campanhas eleitorais, que chegou em maio à Casa Branca. Dunn é um dos grandes nomes das campanhas dos Democratas desde o final dos anos 80 e, nesses meses, foi ela quem montou a nova estratégia de respostas rápidas. Na Casa Branca, converteu-se em leitora aplicada de todos os jornais mais conservadores e crítica ferocíssima da rede Fox News, comandando o movimento para impedir que funcionários do governo (inclusive Obama) deem entrevistas ou façam declarações àquela rede.
"Trata-se de opinião partidarizada, travestida de noticiário e de jornalismo" – diz Dunn. "Eles ainda estão com bons números de audiência, mas estamos nos movimentando e não vamos perder essa."
O diretor de jornalismo da Fox, Michael Clemente, reagiu; disse que as críticas pela Casa Branca misturam os jornalistas da rede e colunistas não-jornalistas, como Glenn Beck [âncora de um dos programas de debates da Fox. Para saber quem é, ver O Público, de Portugal, em http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1401620]. Para Clemente, Beck seria como "um colunista não-jornalista, dos que escrevem nos jornais"."
Dunn — mãe de um adolescente de 13 anos, que planejou o cronograma do novo emprego na Casa Branca, de modo a poder passar mais tempo com o filho – é uma raridade feminina, no círculo mais íntimo de auxiliares de Obama, só de rapazes. Mas o impacto que ela teve na Casa Branca é indiscutível. Desde sua chegada, a operação das comunicações foi reformulada, firmemente re-focada, com forte ênfase no planejamento de um novo ciclo de noticiário e estrito controle sobre os contatos entre sua equipe e os jornalistas dos grandes jornais. Nas reuniões internas diárias da equipe, é ela quem decide quem 'ouvirá resposta rápida', quando e como; é ela também quem decide onde, quando, como e para quem é caso de justificativas, admitir erros ou pedir desculpas.
É mulher de instintos ferozes, que rapidamente vêm à tona. "Aqui na Casa Branca, (...) temos de ser mais agressivos, em vez de sempre dar explicações, bater em retirada ou só nos defender" – diz ela. A imprensa vive de falar. Não há silêncio, na imprensa. Por isso, a imprensa sempre pode usar qualquer mínima coisa e converter em notícia, mesmo que, para isso, os fatos sejam distorcidos. Não precisamos aceitar isso. Por quê?"
Em outras palavras: depois de oito meses de governo Obama, acabaram-se os dias de harmonia 'suprapartidária' ou 'despolitizada', e ilusão de que a imprensa naturalmente ofereceria "dois lados" das notícias. Agora somos "NÓS" contra "ELES". E o governo Obama está jogando para ganhar.
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