Pouquíssimas vezes consigo fixar a minha atenção nos canais da TV aberta no Brasil. E sempre me irritou na TV por assinatura ter que pagar por um monte de canais que eu não tenho o menor interesse em assistir. Além disso, há uma certa perversidade nos pacotes montados pelas operadoras – ou seria operadora desde que Sky, DirecTV e Net são tudo a mesma coisa? O Canal Brasil, por exemplo, não consta dos pacotes mais baratos e exatamente por isso nem sempre tive a oportunidade de assisti-lo. Nos últimos meses, graças a uma “promoção” da operadora de TV a cabo aqui em Teresina, voltei a ter acesso ao referido canal.
Retomar a experiência de espectador do Canal Brasil desperta em mim uma inquietação: por que um canal de TV como este está exilado nas operadoras de TV por assinatura? Por que um canal que trata 24 horas de arte, cultura, cinema, teatro e literatura brasileira continua sendo servido como um biscoito fino para a classe média refestelada em seus confortáveis sofás? Por que supõem que o povo não teria interesse em se ver na telinha mágica da TV? Por que acham que o Brasil não quer ver o Brasil?
Não entendo porque um canal como este não está acessível em todos os cantos do país. Enquanto Globo, Bandeirantes, Record, SBT e Rede TV entopem suas programações de lixo importado e nacional, o Canal Brasil, se exibido fosse em rede nacional gratuita prestaria enorme serviço a esta nação pelo simples fato de mostrar a todos nós o que somos capazes de produzir no cinema brasileiro. Seria um enorme estímulo ao resgate de nossa auto-estima, sem contar o efeito multiplicador de fomentar o desejo de se produzir mais e mais cinema sobre a nossa cultura e a nossa realidade.
E tem mais, não é só cinema que o canal exibe. Há algum tempo me parece que eles deram uma guinada – meu bolso de professor não me permitiu acompanhar sempre este canal – e abriram espaço para produtoras variadas veicularem seus programas no canal. O resultado tem sido extraordinário, pois por conta disso é possível ver, por exemplo, um programa chamado Espelho, em que o ator negro Lázaro Ramos entrevista o cantor e compositor negro Seu Jorge. Andando pelas ruas do centro do Rio, Seu Jorge conta a Lázaro sua história de vida, do irmão assassinado na periferia do Gogó da Ema, do período em que viveu como sem-teto, vagando pelas ruas até descobrir o teatro, a música e o cinema, superando seus próprios complexos de brasileiro negro, pobre e discriminado.
O canal também abre espaço para a produção cinematográfica da América Latina, para a música – como o genial Zoombido de Paulinho Moska -, para o originalíssimo e cativante Swing de Domingos de Oliveira e Priscila Rosembaum, e tantos outros criativos programas nacionais sem sensacionalismo barato, sem apelação. Por que nada disso é servido ao povão no mesmo horário nobre em que a estupidez e a desinformação campeiam na famigerada TV aberta.
Nenhuma emissora aberta cobriu, por exemplo, o Festival de Cinema do Rio, o FestRio. Pois no Canal Brasil foi possível assistir um jornal inteiro de meia hora sobre o festival, os filmes exibidos, as premiações, seus diretores e tudo mais. Eles falam a nossa língua fazendo cinema brasileiro, mas poucos tiveram a oportunidade de se informar sobre isto. Afinal, o Jornal Nacional é feito pensando no padrão Homer Simpson de telespectador, não num brasileiro normal como você, eu e tantos outros.
Em contato com Paulo Mendonça, diretor do Canal Brasil, tomei conhecimento do seu empenho em negociações junto às operadoras de TV por assinatura no sentido de migrar o canal para os pacotes básicos e, portanto, mais acessíveis. Contudo, até agora tais negociações não frutificaram em resultados concretos.
Segundo Mendonça, “O conceito corporativo de pacote de filmes nos atrela aos grupos de canais (HBO e Telecines) dos estúdios americanos, numa relação que tem se mostrado perversa para a visibilidade e alcance do Canal Brasil”.
Também não têm tido sucesso as negociações junto às empresas de telecomunicações (Embratel, Telefônica, Oi) que começarão a operar no setor de TV por assinatura. Estas sequer demonstraram interesse em carregar em qualquer de seus pacotes um canal como o Canal Brasil. Fica patenteado desta forma um notório desinteresse pela cultura brasileira, permeado de grotesca insensibilidade.
Já passamos da hora de rever esse sistema de concessões públicas dos canais de televisão. Essa renovação praticamente automática das concessões não abre espaço para a sociedade discutir e questionar o que quer ver na tela da sua TV. Não viveremos numa democracia enquanto não existir essa liberdade de escolha. É obra da nossa geração jogar no lixo esse sistema de concessões públicas que de público nada tem, já que a sociedade não pode discutir o desserviço que a Globo e demais empresas vêm prestando à cultura e à educação deste país.
Eu quero assistir a uma programação como a do Canal Brasil sem ter que pagar – e pagar caro – por um pacote de TV por assinatura que me disponibiliza um monte de lixo televisivo. Não podemos continuar tratando um canal que exibe a cultura brasileira como um privilégio de alguns poucos assinantes num país de milhões de habitantes. Se a TV tem compromisso constitucional com a educação e a cultura nacional, ninguém cumpre melhor esse papel do que este canal. O Brasil tem direito ao Canal Brasil!
(*) Denilson Botelho é professor de história e autor de A pátria que quisera ter era um mito.
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