O governo Lula profissionalizou a Polícia Federal, mas não fez o mesmo com a política
Mais do que questões partidárias, a motivação maior da Operação Lava Jato é a revanche de duas operações anteriores que foram sacrificadas pelo jogo político: a Satiagraha e a Castelo de Areia. E é um exemplo eloquente dos erros de Lula e do PT em relação à Polícia Federal.
No primeiro governo Lula, o Ministro Márcio Thomas Bastos mudou a face da PF e do combate ao crime organizado no país. O reaparelhamento da PF, a criação da Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), o preparo de procuradores e policiais federais para, junto com técnicos da Receita e do Banco Central, entender os becos intrincados do sistema financeiro, tudo isso fez parte de um processo que mudou o patamar de competência tanto da PF quanto do MPF.
Tinha-se, agora, pela primeira vez no país um sistema de combate ao crime organizado e, ao lado, um modelo político ancestral trafegando na zona cinzenta da legalidade, cujos exemplos anteriores foram as revelações trazidas pelas CPIs do Banestado e dos Precatórios.
Estimulados, os agentes e procuradores saíram a campo para enfrentar o maior desafio criminal brasileiro: desbastar a zona cinzenta onde circulavam recursos do narcotráfico, de doleiros, de corrupção pública e privada, de esquentamento de dinheiro, das jogadas financeiras, e por onde passavam as intrincadas relações entre política e negócios que estavam na base da governabilidade do país.
Quando calhava de delegados e procuradores encontrarem um juiz justiceiro de primeira instância, colocava-se em xeque todo o sistema de blindagem historicamente praticado no país.
Duas das mais expressivas operações - a Satiagraha e a Castelos de Areia - pegavam o coração da máquina tucana.
A primeira centrava fogo em Daniel Dantas, do Banco Opportunity, principal beneficiário do processo de privatização, sócio da filha de José Serra, administrador dos fundos do Instituto Fernando Henrique Cardoso, pessoalmente favorecido por ele, quando presidente da República, em episódios que se tornaram públicos - como seu jantar no Palácio do Alvorada, cuja sobremesa foi a cabeça de dirigentes de fundos de pensão que se opunham a ele.
A segunda, a Castelo de Areia, pegava na veia os acordos de empreiteiras com os governos José Serra e Geraldo Alckmin. Quem leu o inquérito garantia haver provas robustas, inclusive, dos acertos para tirar das costas dos presidentes de empreiteiras a responsabilidade criminal pelas mortes no acidente com o Metrô.
Satiagraha foi abortada pela ação conjunta do Ministro Gilmar Mendes - defendendo o seu grupo político - e do próprio Lula, afastando Paulo Lacerda da Abin e os policiais que conduziam a operação, depois dos factoides plantados pela Veja e por Gilmar. E também devido às investidas da operação sobre José Dirceu.
Foi a primeira chaga aberta nas relações da PF com o PT e Lula.
No caso da Castelo de Areia, a alegação foi de que a investigação começou a partir de uma denúncia anônima. Especialistas que analisaram o inquérito, do lado das empreiteiras, admitem que não havia erro processual. O inquérito era formalmente perfeito. Terminou no STJ de forma estranha, negociado pelo ex-Ministro Márcio Thomas Bastos, na condição de advogado da Camargo Correia.
Foi assim que o PT, através de seus Ministros e criminalistas, livrou o PSDB dos seus dois maiores pepinos, mas ficou com uma conta alta espetada nas costas.
A revanche veio no pacto da Lava Jato, entre PF, MPF e o sucessor de Fausto De Sanctis: Sérgio Moro - que teve papel central não apenas na Lava Jato mas na AP 470, do mensalão, como assessor da Ministra Rosa Weber.
A rebelião da primeira instância
A anulação da Satiagraha e da Castelo de Areia nos tribunais superiores produziu intensa revolta entre juízes de primeira instância, MPF e PF.
Tome-se o caso da Satiagraha.
A lei diz que decisão de juiz de primeira instância precisa passar primeiro pela segunda e terceira instância até chegar ao STF (Supremo Tribunal Federal). No controvertido episódio da concessão de dois habeas corpus, Gilmar Mendes atropelou a lei e as próprias decisões do juiz Fausto De Sanctis e mandou soltar os detidos.
Houve abusos, sim. O show midiático com a TV Globo, a prisão do ex-prefeito Celso Pitta, já doente terminal e outros. Mas também foi divulgada uma conversa de Dantas afirmando que o desafio seria passar pela primeira instância, pois nas instâncias superiores havia "facilidades".
Conseguiu não apenas os dois HCs de Gilmar, como sua participação em dos factoides criados para a revista Veja e, depois, trancar a ação no STJ (Superior Tribunal de Justiça), de onde até hoje não saiu.
Todo o desgaste da Satiagraha e da Castelo de Areia, perante a opinião pública transformou-se em blindagem para a Lava Jato. Com o agravante de, no Ministério da Justiça, encontrar-se o mais inodoro Ministro da história da República.
Se os alvos fossem tucanos e o Ministro relator do STF Gilmar Mendes, não haveria problemas. Gilmar atropelaria a lei e concederia os HCs. E o Ministro Cardozo agiria valentemente em nome do “republicanismo”.
Agora, tem-se na relatoria do STF um Ministro técnico, formalista, sem vinculações partidárias. No Ministério da Justiça, um Ministro anódino, incapaz de conter os abusos “em nome do republicanismo”. Na Procuradoria Geral da República, um procurador geral empenhado com a sua reeleição tendo como principal opositor um colega que critica sua "leniência" (!!!) na Lava Jato. Finalmente, uma imprensa que ajudou a liquidar com a Satiagraha pelas mesmas razões que, hoje em dia, defende a Lava Jato.
Como é um jogo de poder, procuradores, delegados, Moro não se pejam em montar alianças com grupos de midia claramente engajados no jogo de interesses políticos e comerciais, alguns deles em aliança com o crime organizado.
O jogo poderia ter se equilibrado um pouco se o PGR aplicasse a lei e atuasse contra vazamentos de inquéritos sigilosos ou pelo menos aceitasse a denúncia contra Aécio Neves. Seria uma maneira de mostrar isenção e impedir a exploração política do episódio.
Mas hoje em dia a corporação MPF é fundamentalmente anti-PT. A ponto de fechar os olhos quando um ex-PGR, Antonio Fernandes dos Santos, livrou Dantas do mensalão e, logo depois, aposentado, ganhou um mega-contrato da Brasil Telecom, quando ainda controlada pelo banqueiro.
Enfim, o PT colhe o que plantou. E o PSDB planta o que não colheu.
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