Essa é, sem sombra de dúvidas, a temática mais em voga na política nacional:corrupção. Aliás, não é de hoje que a mídia trata do tema com uma certa persistência, sem, no entanto, apontar claramente os caminhos possíveis para amenizar esse problema. Talvez porque seja conveniente tratar a corrupção superficialmente, como forma de jogar uma cortina de fumaça em nossas visões, para que não enxerguemos outras questões mais profundas e dramáticas da sociedade brasileira, como a desigualdade social, ou asonegação de impostos dos ricos, como alegamos aqui em “Corrupção como distração de problemas maiores”.
Além disso, a mídia nacional, bem como a própria Justiça, têm o hábito estranho de tratar casos de grande corrupção política no Brasil com pesos diferentes, dependendo se o político ou o partido em questão são de sua predileção ou não. Só isso pode explicar o fato de alguns governos, como o tucano, ter estado envolvido em dezenas de casos escandalosos desde 1994, pelo menos, e ainda assim contar com o beneplácito desses órgãos – privilégio que o PT, por exemplo, nem de longe, desfruta.
Mas a questão mais complexa diz respeito à ideia, que circula em forma de crítica acusatória a todos nós na internet, de que a corrupção está enraizada no nosso dia a dia, nas pequenas coisas, nos pequenos gestos, o que acaba funcionando como justificativa para amenizar a grande corrupção política, ao alegar que nossos políticos seriam apenas o reflexo de nossa própria sociedade corrupta por natureza.
Mas, no meu modo de entender, isso é bastante equivocado.
Primeiro, porque a pequena corrupção do dia a dia é uma característica inerente a muitas sociedades pelo mundo afora, tanto na população quanto na política, sejam elas avançadas ou em processo de desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Ou seja, nem de longe é uma característica exclusivamente brasileira. Não existe uma única sociedade em que não seja costume tentar se safar de alguma punição ou tirar alguma vantagem com propina. Porque a corrupção é irmã gêmea do próprio capitalismo. O que há de diferente em outros países é o rigor da legislação proporcional ao tamanho da corrupçãopara dar conta dos casos descobertos, e a questão cultural da vergonha que a descoberta do crime causa no corrupto. E nisso, é verdade, estamos um pouco defasados. Somo um país em que dois presidentes de casas legislativas (Renan Calheiros no Senado e Eduardo Cunha na Câmara) são constantemente acusados dos mais diversos crimes graves, e não de furar fila no banco ou ter TV a cabo pirata. Continuam exercendo seus cargos sem o menor pudor (e sem a menor punição). A impunidade contra a grande corrupção, geralmente praticada por ricos (não contra pobres, basta olhar o perfil dos detentos nas cadeias) é a nossa maior fonte de problemas.
Não é possível comparar o pequeno delito de um cidadão que aceita pagar 10 Reais do “cafezinho do guarda” para não ter seu carro rebocado – ou o próprio guarda que aceita o suborno – com o tipo de grande corrupção praticado nas altas esferas do poder nacional. Os governantes envolvidos na direção do país tem alta responsabilidade e obrigação de ter uma conduta exemplar, ser cobrados de acordo com tal dever. Desviar milhões de uma área como a saúde ou a educação pra fazer caixa de campanha, ou aceitar propina de corporações capitalistas para reduzir as exigências de fiscalização em tal produto que pode fazer mal à população, têm consequências desastrosas a longo prazo, afetando, às vezes, a vida de milhões de pessoas. Exige um grau de conhecimento complexo do crime, e não tem nada a ver com o cidadão comum que quer apenas se safar de um inconveniente. Não é possível alegar que a corrupção do dia a dia, lamentável mas inofensiva, esteja na base desses grandes crimes contra o bem comum. Ambas são de naturezas bem distintas.
Portanto, se a corrupção é um problema que realmente está no seio da nossa sociedade capitalista – como está em todas as outras –, isso não justifica de modo algum que a classe política pratique tais atos na esfera governamental, com danos muito maiores, para enriquecer às custas do cargo que ocupa.
Uma mudança de mentalidade tem que prevalecer no país. Primeiro, colocar o assunto na escala correta, de caráter grave, mas abaixo de outras questões mais decisivas, como as que mencionamos antes (desigualdade social, sonegação de impostos, falta de educação escolar de qualidade, etc.). E depois, que a grande corrupção política cause vergonha nacional em certos deputados, senadores e governantes, o que talvez seja um bom começo. O outro passo é acabar com a desgraça da impunidade para ricos e políticos (e políticos ricos). E assim vamos nos equiparar às outras nações em que a corrupção existe, mas é administrável com punições exemplares de acordo com a gravidade do caso.
do: http://panoramicasocial.blogspot.com.br/2011/10/corrupcao-nossa-de-cada-dia.html
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