segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Podemos, mas queremos?


A revolta europeia é um alerta para quem diz falar em nome do povo, mas caminha no sentido oposto

Os números, como sempre, são conflitantes. Segundo a polícia, foram 100 mil pessoas. Os organizadores da manifestação contaram 300 mil. O jornal "El País", valendo-se de critérios próprios de medição, calculou em mais de 153 mil o número de presentes ao ato do Podemos em Madri no sábado (31). A capital espanhola tem cerca de 3,3 milhões de habitantes.

A gigantesca manifestação contra as políticas de austeridade na Europa foi vitaminada pela vitória estrondosa do partido Syriza na Grécia. Assim como este, o Podemos reúne um pouco de tudo: ex-militantes de partidos tradicionais, manifestantes indignados, jovens desiludidos, desempregados e muita gente que podia nem estar aí, mas insiste em pensar no futuro.

Segundo a repórter Luisa Belchior Moskovics, desta Folha, os "manifestantes eram sobretudo adultos e idosos". Uma aposentada de 66 anos, Ascensión Fernández, contou à jornalista: "Ainda temos nossa aposentadoria, mas isso não está mais garantido a nossos filhos, e por isso viemos. Não queremos mais ser empregados da Merkel". [Angela Merkel, chanceler alemã e símbolo da política de arrocho, para os outros, claro, que devasta a Europa.]

Parece longe, do outro lado do oceano. Falso. O fenômeno tem tudo a ver com o Brasil. Tanto o Syriza como o Podemos surgiram da insatisfação de povos cansados do jogo político tradicional, da coreografia repetitiva de eleições para presidente de Câmara, da subserviência de legendas autoproclamadas populares, mas que na prática curvam-se aos status quo da plutocracia e da ciranda financeira.

Guardadas certas proporções, o momento histórico e diferenças sociais, foi mais ou menos um movimento parecido que criou o PT brasileiro. O PT, hoje no poder, nasceu do encontro de militantes de origens variadas, de católicos a ultraesquerdistas, passando por uma maioria revoltada com "o que está aí".

Detalhe essencial: a origem não confere um selo de qualidade vitalícia ao rebento. Exemplos não faltam. Desde a traição dos velhos partidos social-democratas ao papel destruidor exercido pelo stalinismo quanto à esperança de um mundo solidário, mais justo e menos desigual.

Nada disso trava a história. De tempos em tempos, o cenário é sacudido pela ação da esmagadora maioria insatisfeita com o poder do 1% sobre o restante. De uma ou de outra forma, é isso que está por trás de eventos como a queda do Muro de Berlim, a Primavera Árabe e a resistência dos povos europeus ao plano de terra arrasada proposto pela troika.

A questão é o futuro. Uma vez no poder, a expressão política destes movimentos esbarra em carências doutrinárias, indefinição programática e rendição ao dinheiro fácil e a benesses do poder. O PT, no Brasil, sofre este risco. A proliferação de movimentos sociais descolados do partido é impressionante. Grupos de sem-teto, articulações culturais fora do eixo e até sem eixo, mídias alternativas --há uma efervescência correndo por fora e que de repente explode como em junho de 2013.

Syriza, Podemos e outros tantos são exemplos de vida pulsante pelo mundo. A incógnita, mais uma vez, é como essa ebulição será orientada. Curvar-se ao manual da austeridade, ajuste fiscal e metas de superavit é o caminho mais fácil para a desmoralização. Veja-se o fiasco dos partidos de "esquerda" tradicional em todas as eleições europeias. Lev Davidovitch Bronstein escreveu que a crise da humanidade é a crise da direção revolucionária. Diante dos fatos, impossível não lhe dar razão.

via http://caviaresquerda.blogspot.com.br/2015/02/podemos-mas-queremos.html

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