Henrique Eduardo Alves preside sessão ao lado da comunista Jandira Feghali (à esquerda) em ano e mandato sem reforma |
Eduardo Maretti, RBA
No discurso de posse na quinta-feira (1°), a presidenta Dilma Rousseff voltou a falar na reforma política e aludiu à competência do Parlamento, mas mencionou a importância da participação popular no processo, embora com menos ênfase do que esperado pelos defensores de uma reestruturação profunda do sistema político eleitoral. "A reforma política é responsabilidade constitucional desta Casa, mas deve mobilizar toda a sociedade", afirmou.
Logo após o pronunciamento da chefe do Executivo, o presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, (PMDB-AL), também falou do tema, mas em outra direção: diferentemente das propostas do PT, que é a favor do plebiscito, ele defendeu outra solução: "Por sua complexidade e por se tratar de uma prerrogativa do Legislativo, é recomendável que o Congresso faça a reforma, e a submetamos a um referendo popular”.
Ontem (2), o líder do PT na Câmara, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, disse à RBA que o partido continua na defesa do plebiscito e da constituinte exclusiva. “Espero que se faça prevalecer o que deliberou o partido, que é a nossa meta independentemente do que deseja um personagem ou outro”, declarou.
Em seu discurso de posse em 2011, Dilma também comentou a necessidade da reforma política, mas igualmente mencionou o tema em um curto parágrafo, em tom vago, e sem falar em mobilização: “Na política, é tarefa indeclinável e urgente uma reforma com mudanças na legislação para fazer avançar nossa jovem democracia, fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições”.
Considerada fundamental para iniciar um processo de transformações estruturais no país – incluindo o combate à chamada “corrupção sistêmica” e a democratização das eleições –, a reforma política é objeto de propostas de emendas constitucionais e debates acalorados há pelo menos duas décadas, desde o primeiro mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Dilma Rousseff tomou posse para o quarto mandato consecutivo do PT sem que se possa prever se os discursos da presidenta e de lideranças em Brasília sobre a urgência da “mãe de todas as reformas” ultrapassará ou não o status da retórica.
O relatório chegou a ser colocado na pauta da Câmara pelo presidente da casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), mas, em 9 de abril de 2013, por falta de acordo entre os líderes partidários, o texto, que chegou “à porta do plenário”, segundo expressão de Fontana, foi engavetado.
Em seguida, as manifestações de junho de 2013 balançaram o país. Como reação a elas, Dilma propôs cinco pactos à sociedade, sobre responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte público e educação.
As propostas de plebiscito popular e constituinte exclusiva feitas por Dilma nesse contexto não evoluíram no Congresso. Um ano depois, em junho de 2014, Vicentinho disse à RBA que, para ele, Dilma fez sua parte, mas o parlamento não.
"A presidenta Dilma fez um pedido para que tivesse um plebiscito no país. Trabalhamos por ele, mas lamentavelmente o presidente da Câmara e seu partido querem um referendo", disse Vicentinho. “O referendo é para dizer sim ou não a propostas que o Congresso fizer, e o plebiscito é perguntar ao povo o que ele considera prioritário. Não depende da presidenta, depende do Parlamento", acrescentou.
Reforma 'cosmética'
Após o fracasso da proposta de Fontana, um grupo de trabalho foi formado na Câmara para discutir a reforma, mas a comissão já começou tumultuada: o deputado petista Cândido Vaccarezza (PT-SP), considerado muito próximo do PMDB, foi nomeado presidente do colegiado, por Henrique Alves, à revelia da vontade dos líderes petistas. Mesmo com esse mal-estar, o grupo apresentou a proposta de emenda constitucional (PEC) 352/2013, considerada “cosmética” e rasa por movimentos sociais e criticada severamente, nos bastidores, por lideranças do PT, incluindo o presidente nacional da legenda, Rui Falcão, que publicamente defende uma reforma política estrutural, feita por uma Assembleia Constituinte exclusiva. O financiamento público de campanha é um dos principais pontos defendidos por Falcão e líderes petistas, para tornar as eleições mais transparentes e livres da influência do capital empresarial.
Mas todos, diretamente ou nas entrelinhas, apontam para as dificuldades políticas que uma proposta de reforma profunda enfrentará. Em entrevista coletiva concedida no dia seguinte à reeleição de Dilma, em 27 de outubro, Falcão expressou seu realismo: "Só vamos obter a reforma política com mobilizações. Só pelo Congresso Nacional, seja com essa legislatura, seja com a futura (a partir de 2015), é praticamente impossível", disse.
Na mesma linha, em entrevista publicada na edição de outubro da Revista do Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que “a reforma política passa a ser a mais importante neste momento: porque é impossível você lidar com um Congresso com 32 partidos. E não são partidos ideológicos. São agrupamentos de interesses que não produzem uma coisa boa”, analisou. Ele defendeu que uma reforma política tenha de ter cláusula de barreira para impedir a formação de partidos fisiológicos e “valorizar a questão partidária”.
Lula manifestou posição radical sobre o financiamento privado de campanhas. “Na minha opinião, nós deveríamos transformar o financiamento privado de campanhas em crime inafiançável. Porque o financiamento público é uma coisa muito mais digna.”
Embora, na prática, a “mãe de todas as reformas” esbarre em conflitos de interesse intermináveis, pelo menos no discurso sua urgência parece consensual entre as grandes lideranças. Tanto que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, é outro que, em aparições públicas, tem defendido propostas em alguns casos semelhantes à de Lula. “Temos 32 partidos, e vai ter mais. Tem que ter cláusula de barreira, fidelidade partidária”, defendeu, em discurso a empresários e políticos no Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi), em março deste ano.
Na ocasião, Alckmin argumentou que as reformas constitucionais têm de ser executadas no primeiro ano de mandato, momento em que o presidente eleito tem legitimidade e apoio. “É quando os eleitos estão machucados pela campanha, mas têm o respaldo de milhões de pessoas (que os elegeram)”. Ele também disse que, com o sistema atual, “a política faliu”.
Seja como for, no mandato presidencial que se encerrou na quarta-feira (31), nem mesmo a reforma superficial proposta pela PEC do grupo comandado por Vaccarezza prosperou no Congresso. A PEC 352 apenas acaba com a reeleição para o Executivo, propõe que uma reforma política aprovada pela Câmara passe por referendo popular e torna o voto facultativo. As doações de campanha, na prática, ficam como estão, já a proposição prevê que caberia ao partido definir se quer financiamento público, privado ou misto.
Questões como financiamento público de campanha, plebiscito popular e Assembleia Constituinte exclusiva ficaram longe da PEC 352.
Segundo mandato
Quatro anos depois de tomar posse para seu primeiro mandato, no discurso logo após ser reeleita, em 26 de outubro de 2014, Dilma foi mais explícita do que em 2011 e mesmo do que na posse. "Entre as reformas, a primeira e mais importante deve ser a reforma política”, declarou, com a mesma ênfase que Rui Falcão tem usado ao longo do ano. “Deflagrar essa reforma, que é de responsabilidade do Congresso, deve mobilizar a sociedade por meio de um plebiscito, de uma consulta popular. Somente com um plebiscito nós vamos encontrar a força e a legitimidade para levar adiante este tema", disse no fim de outubro.
No discurso proferido em sua diplomação, dia 18 deste mês, ela voltou a mencionar o tema, propondo um pacto nacional: “Chegou a hora de firmarmos um grande pacto nacional contra a corrupção, envolvendo todos os setores da sociedade e todas as esferas de governo. Esse pacto vai desaguar na grande reforma política que o Brasil precisa promover a partir do próximo ano”.
Mas a mesma falta de acordo (leia-se interesse) dos líderes, que enterrou o relatório de Henrique Fontana em abril do ano passado, ameaça qualquer tentativa de mudar o sistema político brasileiro estruturalmente.
O deputado Eduardo Cunha, líder do PMDB do Rio de Janeiro na Câmara, uma das principais “pedras no sapato” de Dilma no Congresso durante o primeiro mandato da petista, já avisou que, se for eleito presidente da casa, vai colocar em votação a reforma política da PEC 352, do grupo comandado por Vaccarezza, que não se elegeu em outubro.
Cunha é um dos três candidatos a presidir a Câmara. Os outros são Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Júlio Delgado (PSB-MG).
Financiamento privado e STF
Enquanto o Legislativo não se mexe, instituições e entidades da sociedade civil tentam encurtar o caminho. Está atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 4.650, movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em que esta pede a declaração de inconstitucionalidade da doação privada a campanhas e políticos. Em tese, a decisão já está tomada. A maioria do tribunal (seis votos a um) votou a favor da tese da OAB. Um dos que votaram pela inconstitucionalidade do capital privado, o ministro Ricardo Lewandowski justificou sua posição: “A vontade das pessoas jurídicas não pode concorrer com a dos eleitores, e muito menos sobrepor-se a ela”.
O problema é que o julgamento foi suspenso, em 2 de abril passado, por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, que, como se diz no jargão jurídico, se sentou em cima do processo e, depois de nove meses, até hoje não deu explicações sobre o “trancamento”.
Os gastos totais das eleições de 2002 no Brasil, para presidente da República, governadores, deputados e senadores foram de R$ 827 milhões. Em 2010, os valores chegaram a R$ 4,9 bilhões. Este ano, de acordo com o TSE, o valor foi igualmente espantoso, de R$ 5,1 bilhões.
A principal deturpação decorrente do financiamento privado é que as empresas investem nos candidatos que, posteriormente, eleitos, têm de retribuir o investimento, geralmente com obras. É este um dos principais focos legislativos de corrupção do país, segundo os defensores do financiamento público de campanhas.
Em seu voto no julgamento da ADI 4.650, o ministro Luís Roberto Barroso foi além do “juridiquês” e expressou sua visão sobre a importância da reforma política, sem poupar a omissão do Parlamento. “É hora de o poder Legislativo se reinventar”, disse. “O que é preciso é fazer com que a política tenha credibilidade. É preciso uma reforma verdadeira que reconstitua sua empatia com a sociedade, e cabe a ele (Congresso) fazer isso.”
Plebiscito popular
Seja pela omissão do Congresso, seja pela vontade de Gilmar Mendes, a reforma política ou mesmo mudanças relevantes em pontos específicos da legislação, como no caso do financiamento privado, continuam difíceis a curto prazo.
Principalmente pela composição do Parlamento, que está longe de ser representativa da sociedade. Enquanto, nas eleições de 2014, foram eleitos 462 homens e 51 mulheres (11%), o gênero feminino compõe 53% da população do país. Os negros são 51% dos brasileiros, segundo o Censo do IBGE de 2010. Mas, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, dos 513 deputados eleitos em outubro, 79,9% se declararam brancos, 15,7% disseram ser pardos e 4,29%, negros.
Por isso, centenas de entidades da sociedade civil promoveram, entre 1° e 7 de setembro, o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político. Dos 7.754.436 de votos apurados, 97,05% votaram no “sim” e 2,57% disseram “não”. Brancos e nulos não chegaram a 0,5%.
O documento com os quase 8 milhões de votos foi entregue a Dilma em 13 de outubro. “Não podemos achar que o Congresso Nacional se autorreforma. Eu acho que nenhuma instância se autorreforma sem a manifestação popular”, opinou a presidenta à data. Na cerimônia estavam presentes representantes de MST, CUT, PT, Psol, PCdoB, Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf) e Movimento Juntos!, entre outras entidades."
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