Alguns poucos exemplos de como funcionam as coisas num jornalão. Juro que não foram inventados, porque fui testemunha de cada um deles.
1) Em plena campanha eleitoral, em 1989, o diretor de redação do Estadão dá uma tremenda bronca no editor de política, na frente de todos os que participam da reunião das 17 horas, na qual eram "vendidas" as matérias que poderiam dar chamada de primeira página: "Estamos fazendo uma cobertura muito favorável ao Lula. Vamos acabar com isso." Nem é preciso dizer que o Estadão nunca havia feito matéria nenhuma favorável a Lula, mas sim que procurava realizar uma cobertura a mais imparcial possível. O recado do então diretor de redação, hoje difamador profissional de Lula, Dilma e petistas em geral, a soldo da editora Abril, foi claríssimo: meu candidato é Collor - e ponto final, pois aqui quem manda sou eu.
2) A preferência por Collor se deu apenas no segundo turno. No primeiro, o Estadão torcia declaradamente pelo atual ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos. Uma das manchetes do jornal naquele período mostra bem como ele era querido pela casa: "Afif cresce e chega aos 9%." Não passou disso.
3) Na campanha eleitoral para o governo de São Paulo, em 1986, o empresário Antonio Ermírio de Moraes resolveu se candidatar e recebeu apoio praticamente unânime de seus colegas e da tradicional família paulista. O Estadão odiava os outros candidatos com chances de vitória, Maluf e Quércia. Antonio Ermírio, que a princípio parecia o favorito, foi minguando nas pesquisas de intenção de voto e poucos dias antes da eleição Quércia já estava bem à sua frente. Foi nesse momento que o Estadão saiu com uma manchete primorosa: "Indecisos podem dar vitória a Ermírio". Não deram, nem poderiam dar, já que para que isso ocorresse, todos eles teriam de votar no empresário.
4) O velho Estadão tinha lá suas idiossincrasias. Uma delas era não publicar o nome de seus inimigos. Adhemar de Barros era "A. de Barros". Brizola era "o caudilho". E Quércia, apenas "governador". Certo dia, em plena labuta na redação da primeira página, fui sorteado para fazer uma chamada de uma matéria sobre Quércia. Até aí, tudo bem. O problema foi o título da dita cuja, que teria de ser em 3 linhas até 6 toques, em uma coluna, se me lembro. Como o nome de Quércia era vetado e as palavras governador ou governo não cabiam de jeito nenhum, joguei o pepino para o chefe, que resolveu facilmente a questão: mandou mudar a diagramação.
5) Certo dia, na ausência do editor do caderno de economia, atendi a um telefonema do dr. Julio Neto, cuja secretária me pediu que fosse à sua sala. Fui. Lá, muito educadamente, ele, que nunca havia me visto antes, meio sem jeito solicitou que dessemos uma nota sobre um amigo seu, o ex-deputado federal Roberto Cardoso Alves, se não me engano. "Peça para alguém ligar para ele. Não precisa dar destaque." Claro que ligamos. E demos destaque.
6) O dr. Julio Neto, como o seu jornal, também tinha as suas idiossincrasias. No primeiro sábado que trabalhei quando era redator da primeira página, meu chefe me avisou: " O dr. Julio telefona todo fim de tarde para perguntar sobre o que vai sair na capa da edição de domingo. Mas isso é só um pretexto para ver como está o tempo na capital - é que ele vai para a sua fazenda em Louveira e quer saber, quando volta para São Paulo, se está chovendo ou não." Dito e feito. Num sábado, por volta das 5 da tarde, ele ligou. Atendi. Informei que o meu chefe não estava. Ele perguntou quem eu era. Respondi. Ele quis saber do "cardápio" da primeira página. Fui explicando, uma por uma, as notícias. Quando acabei, ele fez a pergunta de praxe: "E o tempo aí, como está?" Ele ouviu a minha resposta com muito mais atenção do que até aquele momento.
7) O programa editorial que usávamos tinha um corretor ortográfico. Mas ele mais atrapalhava do que ajudava. O pessoal do fechamento pouco o usava. Numa segunda-feira, logo que cheguei à redação vieram me perguntar se fora eu que tinha editado uma determinada matéria. "Foi", disse. "Por quê?", perguntei. "É que ela saiu inteiramente sem sentido. Até o nome do entrevistado mudou completamente e querem saber o que aconteceu." Esse "querem saber" significava que a alta chefia recebera altas reclamações. O mistério não demorou para ser resolvido: o repórter que fez a matéria resolveu dar uma última olhada no texto depois de ele ter sido editado, na madrugada de sábado - não o enviamos à gráfica imediatamente porque ele sairia na edição de domingo. Chamávamos esse duplo fechamento de "pescoção", pois engatávamos, num só estirão, o jornal de sábado e quase todo o de domingo. O repórter, que não conhecia o maldito corretor, ao apertar por engano uma tecla fez com que ele substituísse todas as palavras desconhecidas pelo software por outras semelhantes. Assim, "Malcon", o nome do entrevistado, virou "Mala" - ou algo parecido. Lição aprendida, o corretor foi devidamente aposentado, sem nenhuma honra.
1) Em plena campanha eleitoral, em 1989, o diretor de redação do Estadão dá uma tremenda bronca no editor de política, na frente de todos os que participam da reunião das 17 horas, na qual eram "vendidas" as matérias que poderiam dar chamada de primeira página: "Estamos fazendo uma cobertura muito favorável ao Lula. Vamos acabar com isso." Nem é preciso dizer que o Estadão nunca havia feito matéria nenhuma favorável a Lula, mas sim que procurava realizar uma cobertura a mais imparcial possível. O recado do então diretor de redação, hoje difamador profissional de Lula, Dilma e petistas em geral, a soldo da editora Abril, foi claríssimo: meu candidato é Collor - e ponto final, pois aqui quem manda sou eu.
2) A preferência por Collor se deu apenas no segundo turno. No primeiro, o Estadão torcia declaradamente pelo atual ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos. Uma das manchetes do jornal naquele período mostra bem como ele era querido pela casa: "Afif cresce e chega aos 9%." Não passou disso.
3) Na campanha eleitoral para o governo de São Paulo, em 1986, o empresário Antonio Ermírio de Moraes resolveu se candidatar e recebeu apoio praticamente unânime de seus colegas e da tradicional família paulista. O Estadão odiava os outros candidatos com chances de vitória, Maluf e Quércia. Antonio Ermírio, que a princípio parecia o favorito, foi minguando nas pesquisas de intenção de voto e poucos dias antes da eleição Quércia já estava bem à sua frente. Foi nesse momento que o Estadão saiu com uma manchete primorosa: "Indecisos podem dar vitória a Ermírio". Não deram, nem poderiam dar, já que para que isso ocorresse, todos eles teriam de votar no empresário.
4) O velho Estadão tinha lá suas idiossincrasias. Uma delas era não publicar o nome de seus inimigos. Adhemar de Barros era "A. de Barros". Brizola era "o caudilho". E Quércia, apenas "governador". Certo dia, em plena labuta na redação da primeira página, fui sorteado para fazer uma chamada de uma matéria sobre Quércia. Até aí, tudo bem. O problema foi o título da dita cuja, que teria de ser em 3 linhas até 6 toques, em uma coluna, se me lembro. Como o nome de Quércia era vetado e as palavras governador ou governo não cabiam de jeito nenhum, joguei o pepino para o chefe, que resolveu facilmente a questão: mandou mudar a diagramação.
5) Certo dia, na ausência do editor do caderno de economia, atendi a um telefonema do dr. Julio Neto, cuja secretária me pediu que fosse à sua sala. Fui. Lá, muito educadamente, ele, que nunca havia me visto antes, meio sem jeito solicitou que dessemos uma nota sobre um amigo seu, o ex-deputado federal Roberto Cardoso Alves, se não me engano. "Peça para alguém ligar para ele. Não precisa dar destaque." Claro que ligamos. E demos destaque.
6) O dr. Julio Neto, como o seu jornal, também tinha as suas idiossincrasias. No primeiro sábado que trabalhei quando era redator da primeira página, meu chefe me avisou: " O dr. Julio telefona todo fim de tarde para perguntar sobre o que vai sair na capa da edição de domingo. Mas isso é só um pretexto para ver como está o tempo na capital - é que ele vai para a sua fazenda em Louveira e quer saber, quando volta para São Paulo, se está chovendo ou não." Dito e feito. Num sábado, por volta das 5 da tarde, ele ligou. Atendi. Informei que o meu chefe não estava. Ele perguntou quem eu era. Respondi. Ele quis saber do "cardápio" da primeira página. Fui explicando, uma por uma, as notícias. Quando acabei, ele fez a pergunta de praxe: "E o tempo aí, como está?" Ele ouviu a minha resposta com muito mais atenção do que até aquele momento.
7) O programa editorial que usávamos tinha um corretor ortográfico. Mas ele mais atrapalhava do que ajudava. O pessoal do fechamento pouco o usava. Numa segunda-feira, logo que cheguei à redação vieram me perguntar se fora eu que tinha editado uma determinada matéria. "Foi", disse. "Por quê?", perguntei. "É que ela saiu inteiramente sem sentido. Até o nome do entrevistado mudou completamente e querem saber o que aconteceu." Esse "querem saber" significava que a alta chefia recebera altas reclamações. O mistério não demorou para ser resolvido: o repórter que fez a matéria resolveu dar uma última olhada no texto depois de ele ter sido editado, na madrugada de sábado - não o enviamos à gráfica imediatamente porque ele sairia na edição de domingo. Chamávamos esse duplo fechamento de "pescoção", pois engatávamos, num só estirão, o jornal de sábado e quase todo o de domingo. O repórter, que não conhecia o maldito corretor, ao apertar por engano uma tecla fez com que ele substituísse todas as palavras desconhecidas pelo software por outras semelhantes. Assim, "Malcon", o nome do entrevistado, virou "Mala" - ou algo parecido. Lição aprendida, o corretor foi devidamente aposentado, sem nenhuma honra.
http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2015/01/como-se-faz-um-jornalao.html
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