Cesar Monatti, GGN
'A grande comoção provocada pela chacina deste início de ano na Europa deve, no mínimo, gerar reflexões profundas, que evitem a consagração e a disseminação de visões simplistas a respeito de fenômenos sociais de grande complexidade e alcance.
São inadmissíveis quaisquer argumentações que apontem a culpabilização das vítimas do atentado de Paris por seus próprios homicídios, bem como aquelas de outras tantas situações de violência frequentes no mundo contemporâneo, tais como o estupro.
Não há justificativas para tais atos que devolvem a humanidade aos tempos da barbárie, às condições de pré-consciência da alteridade como elemento constituinte do conceito de civilização.
Um dos possíveis questionamentos que se erguem neste momento é qual o limite de atuação do humorismo no mundo do século XXI. A pretensão de que qualquer forma particular do pensamento humano, incluindo as poderosas ciência e religião, possa dar conta individualmente dos dilemas humanos atuais é intelectualmente ingênua e muito perigosa.
Quando essa expectativa se amplia para uma forma peculiar do pensamento criativo de arte, tal como a literatura ou o humorismo, a indicada pretensão se torna ainda mais débil e arriscada.
Artistas em geral - cartunistas e escritores, por exemplo - são seres humanos como todos os outros, embora a força do papel social de cada uma dessas categorias profissionais induza a uma supervalorização de suas habilidades específicas. Dessa forma, é preciso admitir-se que é a política a construção do intelecto humano que reúne as diversificadas vertentes de pensamento detentoras da potência transformadora da realidade.
O humor como expressão estética e discursiva pode ser parte da política, mas será, sempre, apenas parte.
Pretender que ele possa enfrentar de forma auto-suficiente a postura tresloucada de extremistas, num ambiente virtualmente incontrolável de manifestações e virulência irracional minoritária é assumir riscos incomensuráveis que, no caso da tragédia em evidência, foi antecipada numa charge política, há três anos, como suicídio, por um colega de mister dos quatro assassinados mais reconhecidos profissionalmente entre os doze mortos.
O humor é necessário, mas insuficiente para deter a demência que projeta no outro as razões do drama existencial que deveria unificar na compaixão todos os seres humanos.
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