sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Que falta faz estudar, né deputada? Sobre a proposta do “auxílio-vítima”



Ela
A deputada Antônia Lúcia (PSC-AC) é autora de um projeto de emenda à Constituição (PEC 304/13) que visa a suprimir o direito ao auxilio-reclusão, previsto na Constituição de 1988.

O texto original do inciso IV,, do art. 201 é: “IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda.”

Pela proposta da deputada, passaria a ser: “salário-família para os dependentes dos segurados de baixa renda.” Exclusão, pura e simples, do auxílio-reclusão.

Não contente com apenas excluir o auxílio-reclusão, a deputada ainda tenta criar um “auxílio-vítima”:

“VI – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa vítima de crime, pelo período que for afastada da atividade que garanta seu sustento e, em caso de morte da vítima, conversão do benefício em pensão ao cônjuge ou companheiro e dependentes da vítima, na forma da lei.”

É interessante ver o argumento da deputada para defender seu projeto:

“Ainda que a família do criminoso, na maior parte dos casos, não tenha influência para que ele cometa o crime, acaba se beneficiando da prática de atos criminosos que envolvam roubo, pois a renda é revertida também em favor da família. Ademais, o fato do criminoso saber que sua família não ficará ao total desamparo se ele for recolhido à prisão, pode facilitar sua decisão em cometer um crime.

Neste sentido, entendemos que é mais justo amparar a família da vítima do que a família do criminoso.”

A nobre deputada assume, como hipótese de verdade, que as famílias sempre são beneficiárias do produto do roubo.

Primeiro erro: nem todos os presos são presos por roubo. Há os homicidas, os estupradores e mais um monte de tipos penais dos quais as famílias não se beneficiam. E mais, como propor um objeto partindo de uma “verdade” que pode não ser verdade? Que lhe garante que TODAS as famílias se beneficiam do roubo? E quem rouba para comprar drogas para si? Que beneficio a família tem com isso?

Parece, também, que a deputada não entende nada de psicologia, de comportamento humano: se alguém fosse pensar na família, antes de cometer crimes, é bem provável que não os cometa.

Por fim, o argumento mais pífio que possa existir em termos de criação de uma lei (ainda mais para se tornar constitucional): é mais justo isso do que aquilo. É mais justo o auxílio-vítima do que o auxílio-reclusão.

Diferente da nobre deputada e de seus eleitores — e de todos quantos insistem em não entender os fundamentos do auxílio-reclusão — os constituintes tinham outro sentido do que seja justiça.

O primeiro sentido a ser lembrado está lá art. 5º, XLV, da CF88: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Isso significa dizer que o Estado não pode, ao mesmo tempo que pune um cidadão faltoso, punir, também, sua família, deixando-a sem condições de sobrevivência, embora até possa tê-las, como sói acontecer com os criminosos de colarinho branco. Não se trata, assim, de um argumento do tipo “mais justo isso do que aquilo”, no qual se baseia a deputada.

Um segundo sentido pode ser entendido se entendermos o princípio fundamental que informa a Previdência Social, expresso no art. 201 e seus incisos:

“I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes…”

Não são necessários muitos neurônios (que parecem faltar à deputada e a tantos quantos… ) para extrair daí o fundamento de toda a previdência: a proteção do cidadão — e de seus dependentes — em situação de risco.

Aliás, deputada, esse é o princípio fundamental de qualquer sociedade: a proteção dos seus cidadãos. Talvez a nobre deputada não tenha entendido, mas cometer crimes não exclui a cidadania. Um criminoso paga pelos seus crimes, ao menos no Brasil, com a perda da liberdade, mas não da DIGNIDADE ou da cidadania. Tanto é assim, que a mesma constituição diz claramente que compete ao Estado a garantia da vida e da dignidade dos presos. Sugiro-lhe a atenta leitura dos incisos XLIX e L, também do artigo 5º.

Muito ainda poderia escrever, deputada, para lhe explicar os sentidos da existência de uma sociedade, ou mesmo de uma Nação, mas antes devo fazer uma sugestão: estude mais antes de fazer propostas como essa.

Por fim, quanto à criação de um auxílio-vítima, e nas condições propostas, é tão justa quanto o auxílio-reclusão, pois parte do mesmo princípio, ou seja, a sociedade socorre seus membros em situação de risco.

Mas veja: o argumento não é “isso é mais justo que aquilo” e, sim, isso é justo na mesma medida que aquilo.

Isso é o sentido da palavra justiça. Entendeu ou quer que continue desenhando?

Estude e recomende aos seus que também estudem.

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy, via http://www.contextolivre.com.br/2014/12/que-falta-faz-estudar-ne-deputada-sobre.html

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