Flávia Camargo, ISA / Envolverde
A liberação de árvores transgênicas requer maior precaução tendo em vista que as árvores têm ciclos bem mais longos de vida e a sua interação com o meio ambiente é bem mais complexa do que a interação de plantas anuais, como a soja e o milho. A liberação do eucalipto transgênico exige uma preocupação ainda maior, uma vez que boa parte da produção de mel brasileira é oriunda do pólen dos eucaliptos.
O eucalipto transgênico foi desenvolvido pela empresa FuturaGene, uma subsidiária da Suzano Papel e Celulose, a segunda maior produtora de celulose de eucalipto do mundo. De acordo com a empresa, o eucalipto transgênico pode elevar a produtividade do volume de madeira em até 20% em relação ao eucalipto convencional.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável pela autorização do uso de transgênicos no Brasil, realizou, em setembro, uma audiência pública sobre o eucalipto transgênico. Com o objetivo de acelerar o processo de liberação de seu produto, a audiência pública foi solicitada pela própria empresa. Essa audiência contou com a presença maciça de funcionários da empresa e foi um espaço insuficiente para um debate mais aprofundado com a sociedade civil. Vários questionamentos levantados pela sociedade civil e por gestores públicos não foram devidamente respondidos.
Além disso, sob as mais diversas justificativas, outras análises obrigatórias deixaram de ser realizadas e estudos relevantes mais específicos, como a análise dos impactos da plantação de eucalipto transgênico sobre a disponibilidade da água, também não foram feitos da forma adequada. Parte dos estudos de campo ainda está em andamento. Mesmo sem a realização das devidas análises de impacto e risco e sem obtenção de resultados das pesquisas que ainda estão em curso, a empresa apressou-se em solicitar a audiência pública para acelerar a liberação do eucalipto transgênico.
Qual seria a atitude esperada da CTNBio diante da “estratégia” da empresa de alegar falta de recursos financeiros e de tempo, entre outras justificativas, para não realizar a devida avaliação de impacto e de risco? O esperado seria determinar a realização dos estudos e paralisar os procedimentos para a liberação até que as devidas avaliações estivessem concluídas ou aceitar essas justificativas e dar andamento ao processo?
É importante recordar uma decisão política que facilitou a aprovação dos transgênicos no Brasil. Em 2007, o então presidente Lula sancionou uma lei que reduziu o número de votos necessários à liberação de transgênicos, que passou de dois terços dos membros da comissão à maioria simples. Como a CTNBio tem 27 membros, o número de votos necessários à aprovação caiu de 18 para 14. Essa diferença de quatro votos foi essencial para “destravar” a liberação dos transgênicos. Mais de 90% das plantas transgênicas permitidas hoje no país foram liberadas após essa mudança.
Postura irresponsável
A postura do Estado brasileiro frente aos transgênicos não tem sido de responsabilidade. Além dos riscos de sua liberação sem os estudos adequados, hoje o consumidor brasileiro não têm sequer seu direito à informação respeitado, para que possa escolher consumir ou não transgênico, pois nem a rotulagem tem sido cumprida. A liberação da primeira árvore transgênica no mundo não pode ser mais um exemplo da omissão do Estado brasileiro frente aos riscos e impactos que os transgênicos podem oferecer.
Caso o eucalipto transgênico seja liberado sem as pesquisas necessárias, não é apenas a saúde humana e ambiental que poderá ser prejudicada. Aspectos socioeconômicos também poderão ser afetados. O Brasil é o segundo maior exportador de mel orgânico do mundo. Essa atividade poderá ser prejudicada, uma vez que as normas de orgânicos não permitem transgênicos e haverá riscos de as áreas de produção orgânica de mel serem afetadas pelo pólen de eucaliptos transgênicos. Além disso, ao aprovar a liberação do eucalipto transgênico, o Brasil estará caminhando na contramão do mercado internacional, tendo em vista que a certificação Forest Stewardship Council (FSC) não admite que produtos oriundos de árvores transgênicas sejam certificados.
* Publicado originalmente no site Instituto Sociambiental.
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