Por Pedro Porfírio , em seu blog
Outro dia, num aniversário de um engenheiro de uma estatal, ouvi de alguns convivas da mesma estirpe uma amarga declaração de voto: "estou contra a Dilma por que quero ver o PT pelas costas".
Não foi um, nem dois. Inúmeros convidados daquela bela festa repetiam o mesmo jargão. Alguns falavam com ódio e, como já tinham consumido uns bons vinhos, pronunciavam as sentenças de morte do PT com exacerbado rancor e sede de vingança.
Como não sou petista e, ao contrário, estive quase sempre em trincheiras opostas, sem perder o respeito ao adversário jamais, me senti à vontade para recorrer à metodologia racional a fim de entender por que aquelas pessoas babavam de ódio da Dilma, do Lula, do PT e de todos os que ousavam admitir que votariam na reeleição da mineira, cuja biografia deveria merecer todos os preitos desses que hoje dizem o que lhes vêm na telha, o que não acontecia na época da ditadura insana que a torturou, como a mim, e que a tantos assassinou.
Vira e mexe, cheguei a uma conclusão provavelmente estapafúrdia: há toda uma motivação racista nesse ódio explicitado com prazer orgástico. Não o racismo sobre a cor da pele, mas um outro, muito mais abrangente e mais furioso, o ódio de classe e a obsessão pela intocabilidade da secular pirâmide social.
Entre aqueles interlocutores de acendrada rejeição a qualquer coisa que possa sugerir melhoria das condições sociais das camadas inferiores, alguns se jactavam de terem tido uma infância pobre (ou quase) e hoje estarem nas camadas superiores por esforço próprio. Ao mesmo tempo em que exibiam esse salto e se reconheciam exceções, não escondiam o desprezo pelos que dependem de qualquer socorro do Estado, como se ogoverno estivesse sacrificando suas noitadas com pesados impostos para matar a fome do lumpesinato que "não quer trabalhar".
A sensação mais viva que me ocorreu foi braba: de todos os escravagistas sociais o mais mesquinho é o quase rico que já foi quase pobre.
Pelas diatribes daqueles personagens que faziam questão de exibir roupas de marcas caras, acabei viajando até o aeroporto e me lembrei de um desabafo um professora babaca da PUC: isso aqui parece uma rodoviária.
Fui mais longe em minhas lembranças e deparei-me com o ódio midiático contra o Brizola por causa do seu projeto dos Centros Integrais de Educação Pública – os CIEPs, que, se não tivessem sido minados por gregos e troianos estariam levando às portas das faculdades milhares de jovens pobres e bem preparados, em condições de acesso sem depender de cotas.
Como a Dilma brizolista de então, fiz parte daquele sonho, como secretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura do Rio e pela proximidade com Brizola. Fiquei chocado ao saber que o todo poderoso Roberto Marinho, com quem o caudilho almoçara algumas vezes, só tinha uma exigência de momento: reduzir a duas ou três escolas a ideia do ensino integral.
O dono da Rede Globo, refletindo o pensamento das elites, não queria nem ouvir falar da inflação de meninos de escolas públicas às portas das Universidades oficiais, que eram, como ainda são, santuários privativos da burguesia dominante.
Dilma tem o dom de misturar o sangue quente do caudilho, seu primeiro mestre com quem conviveu por 20 anos, ao jogo de cintura do Lula, que vinha de uma militância patrulhada pela ditadura e emergira graças à sua sagacidade e inegável inteligência.
Pode-se dizer que a direita empedernida não contava com sua vitória em 2010. Se não o anátema de ex-guerrilheira iria fazer o sangue das elites dominantes subir à cabeça. E não contava também com seu estilo firme de governar, sua coragem de enfrentar os fantasmas assassinos, que se consideram intocáveis por tratos pretéritos.
Por isso, essa campanha de 2014 salienta diferenças mais nítidas e leva a uma exposição mais ostensiva do racismo social. Para desbancar Dilma, vale qualquer um, inclusive aquela que foi cria do PT e que só pulou fora pela vaidade ferida com a indicação da colega para o cargo que almejava, embora não tivesse o indispensável perfil de estadista.
O racismo social é mais odiento devido à determinação dos beneficiários dos programas – sejam do bolsa-família, do Prouni ou do Pronatec, sejam dos que tiveram uma valorização real do salário mínimo, de constituírem uma sólida base eleitoral de quem abriu caminhos em suas vidas.
As elites e os emergentes adjacentes fecham as caras ao se depararem nos aeroportos com mulatos e nordestinos que, ao contrário de Lula, já não precisam penduram-se nos paus-de-arara em estradas poeirentas na aventura pelo pão que lhes faltava na terra natal.
É essa síndrome racista que move os ricos e quase ricos contra a estrela vermelha estigmatizada mais pelas suas virtudes do que pelos seus deslizes.
E que sonha desesperadamente com retorno da chibata social, em que cada um "tem de reconhecer o seu lugar". E só seus filhos possam almejar o canudo de papel de uma universidade paga com o meu, o seu e o suor desses mesmos excluídos, que as elites querem trabalhando de sol a sol para comer o pão que o diabo amassou.
http://blogdoitarcio.blogspot.com.br/2014/09/rancor-das-elites-contra-dilma-e-o-pt-e.html
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