Por Alexandre Figueiredo
Deixemos o politicamente correto de lado. O processo de mediocrização ou mesmo de idiotização cultural que culminou na década de 1990 tornou-se ainda mais hegemônico quando ganhou a blindagem intelectual já nos anos 2000.
Os alertas de Mauro Dias sobre o "massacre cultural sem precedentes", da supremacia da imbecilização, da degradação sócio-cultural, lá pelos idos de 1999, deram em algo pior do que se imagina, pois a degradação ultrapassou os limites do grande público popularesco.
Afinal, a degradação chegou aos níveis das elites acadêmicas, ativistas, jornalísticas e artísticas, que passaram a defender a bregalização, que é esse processo de imbecilização sócio-cultural feito no Brasil, numa campanha bastante engenhosa, de argumentos confusos, contraditórios mas suficientemente apelativos para seduzir a opinião pública e criar um aparente consenso.
Ninguém com visibilidade suficiente para encarar um Hermano Vianna ou um Paulo César Araújo veio para replicar a argumentação dele e de uma multidão de intelectuais, artistas, jornalistas, acadêmicos e outros que defendam a bregalização do país de que "romper o preconceito" é aceitar qualquer coisa sob o rótulo de "popular", mesmo que seja uma aceitação pré-concebida.
Mesmo que seja uma aceitação nada verificada, do tipo "não comi e A-DO-REI", prevaleceu sempre essa visão de que "perder o preconceito" seria aceitar tudo de tudo, ver cabelo em ovo, se contentar com os piores defeitos e dizer, para si mesmo, "faz parte".
Não houve alguém com visibilidade para rebater esse mito tão largamente difundido pela grande mídia, mas também difundido pela mídia esquerdista já que os intelectuais pró-brega, em parte, foram entrar como penetras na festa progressista e tentar convencer alguns incautos de que ser brega é ser rebelde, por mais ridículas que sejam suas teses. Ridículas, mas sedutoras.
O que significava cafonice, imbecilização, mediocrização e outros defeitos que atingiram a cultura popular em tempos de ditadura militar, ou de neoliberalismo selvagem, ou de coronelismo sanguinário, até mais ou menos 1999, de repente virou sinônimo de "emancipação popular" ou de "verdadeiro folclore brasileiro".
Juntou-se, no engodo discursivo da intelectualidade, clichês misturados do discurso libertário esquerdista, do discurso das vanguardas modernistas, da retórica tropicalista e um pouco do discurso ativista. Como alguém que prepara salgados deliciosos sem higiene, manipulando massas de pastéis e coxinhas com as mãos sujas de pano de chão, os intelectuais fazem um discurso "porco", mas atraente.
Eles tentam até desvincular seu discurso do poderio midiático, o que é impossível, mas muita gente acredita. Afinal, muito do que essa intelectualidade "bacana", mesmo a dita mais progressista, é claramente defendido pelos barões da mídia e foi patrocinado até pelos latifundiários mais sanguinários, desses que mandam exterminar até padres progressistas.
Num momento ou em outro, aquele intelectual "bacaninha" tentou inventar que o breguinha tal e o funqueiro qual, ou qualquer outro ídolo tão cafona ou provocativo quanto, fazia apavorar os donos da mídia, era discriminado pelo poder midiático etc. Essas informações, às vezes inseridas até em monografias, documentários ou reportagens "sérias", são no fundo mentirosas e sem lógica.
O discurso intelectual dominante e "atraente" de hoje até colocou por debaixo do tapete o principal fator de crescimento da bregalização do país. Foi a medida, típica do clientelismo político, do então presidente da República, José Sarney, e seu ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, de distribuir concessões de rádio e TV para empresários e políticos aliados.
São dois "coronéis" regionais, famosos pela prepotência, pela corrupção, pelo culto da personalidade, que cresceram e foram beneficiados pela ditadura militar. Daí a incoerência da "cultura popular" tão defendida hoje como "verdadeira" se sua popularidade se deve justamente a essas emissoras de rádio e TV controladas por oligarquias regionais, por deputados de "fundo de quintal" e latifundiários?
Muitos desses ídolos "populares", defendidos com o mais triunfante discurso intelectual de verniz modernista-progressista, construíram sua popularidade sob o sangue derramado de agricultores, sindicalistas, seringueiros, missionários etc. Isso não é exagero nem preconceito, é fato.
É só perceber, só no caso do "forró eletrônico", que só a intelectualidade "bacana" do eixo RJ-SP acha o máximo, que as primeiras apresentações desses grupos e cantores sempre contaram com o apoio de deputados e vereadores aliados do poder coronelista da região. E isso vale até para os conhecidos Calcinha Preta, Banda Calypso e Aviões do Forró.
No meio do caminho, a intelectualidade "bacana" cai no ridículo quando os ídolos por ela defendidos mostram seu reacionarismo explícito. Zezé di Camargo e Joelma do Calypso são casos ilustrativos, mas há também os casos da revelação do direitismo de Waldick Soriano e de como MC Guimê ficou feliz sendo capa de uma Veja que "criminaliza" até tribos indígenas.
CULTURA "TRANSBRASILEIRA" OU "TRANSGÊNICA"?
A intelectualidade, em primeira instância, argumenta, implora, apela, chora, pula, esperneia, só para que todos nós aceitemos a bregalização como algo "inevitável" e "crucial" para o progresso (?!) da cultura popular brasileira. Como se lotar plateias em menos tempo fosse suficiente para qualquer aventureiro "cultural" tivesse algum valor na vida.
No entanto, se nota o quanto essa suposta cultura popular, agora tida como "transbrasileira" para justificar seus americanismos e hispanismos caricata e forçadamente assimilados, na verdade não é mais do que uma "cultura transgênica", trabalhada ou retrabalhada por espertos empresários do entretenimento.
Tudo é construído de forma tendenciosa. A mediocridade é estimulada no começo de carreira, sem escrúpulos de cometer gafes e factoides ridículos. Os ídolos "populares" primeiro mostram o que eles têm de ridículo, de piegas, de grotesco e de patético, para depois, legitimados pela intelectualidade influente, se "aprimorassem" não por vontade própria, mas pelas conveniências do momento.
É completamente constrangedor ver bregas, neo-bregas e pós-bregas que nunca se preocuparam na vida em expressar uma cultura de qualidade e, apenas duas décadas depois, tentar provar que "sabem" fazer algo decente, justamente tudo aquilo que eles se recusaram a fazer até de forma intransigente.
O que irrita muitos é esse vira-casaquismo de ídolos bregas, de sub-celebridades, de musas "calipígias" que antes não se interessavam por cultura de qualidade porque ela "era coisa de riquinho ou de doutor" e, muito tardiamente, passam a ter obsessão em fazer ou alcançar aquilo que rejeitavam com certo radicalismo.
Por que, por exemplo, Leandro Lehart não quis fazer um sambalanço decente no começo de carreira, quando ele optou, feliz da vida, pelo sambrega mais risível? Foi preciso esperar 20 anos para ele tentar fazer o que o saudoso Monsueto fez, e com muito mais competência e criatividade, no começo da carreira?
Por que Valesca Popozuda só tardiamente decidiu que pretende remover em breve o silicone de seus glúteos, se muito recentemente ela aumentou o volume desse silicone nestas partes corporais? Qual vai ser a próxima armação da funqueira, posar de "bonequinha de luxo" em uma sessão fotográfica arrumada por um esperto estilista de moda? Completamente ridículo e patético!!
E Michael Sullivan, o "Rei do Jabá" de projeções fribovinas (Joesley Batista que o diga), que destruiu a MPB e quis domesticar vários artistas, agora vem com o descaramento de querer resgatar a sofisticação da MPB autêntica que ele mesmo quis destruir e corromper há 25 anos atrás?
E quando vamos ter que aturar canastrões como Alexandre Pires, Daniel e Chitãozinho & Xororó se aventurando em tendenciosas covers de MPB sucessivamente gravadas para plantarem notícias na mídia e depois desaparecerem sob as gavetas das inutilidades do tempo?
E quando vamos ter que aturar intelectuais e ativistas engraçadinhos empurrando coisas constrangedoras em eventos culturais sérios, sob o pretexto da "provocatividade" que só empurra uma visão acadêmico-elitista de "cultura popular" para a aceitação pré-concebida mas "sem preconceitos" da sociedade "esclarecida"?
A idiotização cultural do brega-popularesco mostra, com esses exemplos, o quanto temos de vira-casaquismo, de gente que primeiro promove e estimula o ridículo, fazendo sucesso desempenhando papéis patéticos e constrangedores, para depois promoverem "melhorias" que no fundo tais pessoas não são capazes de fazer.
A intelectualidade apenas fez piorar as coisas, esvaziando os debates culturais através de uma "positivação" de algo que é claramente constrangedor, e que transforma as classes populares em caricaturas e estereótipos de si mesmas, num processo que acaba travando sua luta pela qualidade de vida.
No, http://mingaudeaco.blogspot.com.br/2014/05/por-que-idiotizacao-cultural-ganhou.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário