A guerra no Brasil: panorama geral e possíveis soluções
“Se a Policia é braço armado do governo contra os pobres, o crime é braço armado da favela contra os nobres !!”. Essa frase define bem a situação de nosso país. Foi publicada por uma página que apóia o Primeiro Comando da Capital, a maior facção criminosa do país na atualidade. A página, que se chama “Nois não falha em missão 1533 pcc”, conta com mais de 5 mil seguidores e mostra claramente o pensamento criminoso que existe em certas favelas. Para esse ponto de vista, a Polícia é inimigo número 1. Algumas publicações mostram policiais baleados ou mortos, imagens vistas com alegria pelos usuários da página. Outras mostram abusos de autoridade da PM, o que gera uma profunda indignação nos seguidores.
Por outro lado, as páginas de apoio à Polícia comemoram outras mortes: a de bandidos. Considerando tudo isso, a situação fica clara com essas publicações: o clima é de guerra declarada entre policiais e criminosos. E nesse panorama, a sociedade aparece como fonte de financiamento, principalmente através do tráfico de drogas. Mas ela também tem uma participação nessa guerra. O mesmo descaso que a sociedade tem com os moradores de favelas, os criminosos tem com as classes mais altas. Não da para eximir a culpa das classes mais favorecidas. Apoiando medidas autoritárias (bandido bom é bandido morto) do Governo, ela incentiva o mal que volta contra ela mesma através de crimes. E ao marginalizar, estereotipar e ignorar os problemas das favelas, a sociedade aperta o gatilho junto com criminosos e policiais. É possível fingir que as “pessoas de bem” não tem participação nessa batalha diária e oculta, mas é mais proveitoso abrir os olhos e tentar entender a responsabilidade de cada coletivo nessa guerra que acaba com tantas vidas em nosso país.
Isso porque quanto mais a Polícia reprime com o aval das classes favorecidas, mais o crime responde com roubos e assassinatos. Vale a pena relembrar a frase vinda das favelas: “Se a Policia é braço armado do governo contra os pobres, o crime é braço armado da favela contra os nobres !!”. Ou seja, se o Governo (que, querendo ou não, representa a sociedade) põe policiais para atacar os pobres, os mesmos reacionam e contra-atacam aqueles que os atacam: a Polícia e a sociedade. Essa guerra não existe desde 1500. O “sistema” a criou e a mantém viva. Mas, hoje, já não interessa quem atacou primeiro, pois vale o olho por olho, dente por dente: se você mata um dos meus eu quero sua morte, se você marginaliza e faz pouco caso do coletivo que faço parte, eu não me importo com você. Esse pensamento existe em todas as esferas, não adianta negar.
A imprensa que vê com bons olhos a repressão da Polícia e a parcela da sociedade que aplaude os Capitães Nascimento da vida real também participam dessa guerra, pois não exigem explicações e aceitam práticas ditatoriais da Polícia. É por tudo isso que reprimir não é a solução. É exatamente por isso que ocupar as favelas com material militar (digna de grandes guerras do Oriente Médio), só piora a situação. E é por isso que dizer “bandido bom é bandido morto” significa buscar uma solução imediatista e completamente superficial (inclusive porque, da mesma forma que a sociedade fala isso, os criminosos respondem e dizem que “playboy bom é playboy morto”, de acordo com as crenças deles e com seu modo de ver o mundo). São necessárias medidas pacíficas. Motivar a guerra como fazemos agora só causará mais guerra. Os resultados já são devastadores, mas, caso nada seja feito, a tendência é piorar.
Aumentar o efetivo de policiais ou colocar UPPs em favelas é a mesma coisa que tratar um câncer com aspirina. Antes de qualquer coisa, é necessário investir no salário e no preparo de policiais. A PM não tem o preparo necessário para o século XXI. Os baixos salários motivam a corrupção e o uso da violência sem justificativa clara só gera ira nas favelas. Essa falta de justificativa surge principalmente em casos de “resistência seguida de morte”, que não são investigados por Tribunais Militares. Ou seja, uma brecha na legislação permite que policiais matem (ou executem) alguém, aleguem “resistência seguida de morte” e fiquem impunes de crimes que deveriam ser considerados gravíssimos em um Estado de Direito. Além disso, esse ódio de bandidos a policiais não aparece exclusivamente em páginas do PCC. Diversos policiais comemoram mortes de bandidos em suas redes sociais, o que demonstra a falta de orientação e de preparo na corporação. A Polícia, mais do que proteger e servir, também participa da guerra. E na guerra não existem limites, por isso vemos barbaridades como o corpo de Claudia sendo arrastado por uma viatura ou jovens presos em postes depois de serem espancados.
Nesse sentido, a Copa do Mundo será uma oportunidade de crescer. Quando a PM entre em contato com policiais da Europa e dos Estados Unidos, haverá um choque de valores imenso. Será hora de questionar práticas criminosas que aqui são aceitas. E será hora de observar outras condutas policiais que nos mostrarão a forma correta de preparar policiais. Serão necessários alguns puxões de orelha em nossas corporações, mas a crítica construtiva é a única forma de apontar pontos a melhorar. A sociedade tem que exigir mudanças nessa hora. Caso contrário perderemos uma grande oportunidade de melhora.
Outra medida útil seria eliminar a fonte de financiamento das facções. Pouco a pouco a sociedade vai percebendo que a guerra às drogas falhou. Financia facções criminosas; gera corrupção na Polícia, que recebe suborno para não acabar com as “bocas de fumo”; criminaliza o usuário (que, se for viciado, é uma pessoa doente) e gera uma disputa de interesses nas favelas que originam conflitos incontroláveis. É hora de atuar e resolver esse modelo ultrapassado revendo leis e buscando trazer ao Estado uma renda que, hoje, vai diretamente aos traficantes de drogas e de armas: a venda da maconha. Essa medida supõe tirar a maior fonte de renda dos criminosos, o que já é um bom avanço para limitar a compra de armas que são posteriormente usadas na guerra.
E, claro, é preciso exigir dos governos medidas humanitárias. Desde o final do século XIX as favelas são marginalizadas e ignoradas pelos mais favorecidos. Isso contribui para a situação atual em que os marginalizados odeiam os que marginalizam. Enquanto existir esse descaso, enquanto a sociedade apoiar medidas autoritárias e enquanto exigirmos a morte daqueles que nos afetam negativamente, estaremos contribuindo com essa guerra sanguinária e cruel. É preciso abrir os olhos. É preciso exigir mudanças e melhoras para todos os coletivos que participam dessa guerra. É preciso entender nossa responsabilidade e mudar pensamentos que ajudaram a criar a situação atual. Reclamar não ajuda. É preciso atuar.
Por Rafael Bruza, blog, http://1outroponto.blogspot.com.br/2014/04/a-guerra-no-brasil-panorama-geral-e.html
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