terça-feira, 29 de abril de 2014

A judicialização do país


Richard Jakubaszko, em seu blog 
A Justiça era cega, e anda estupefata



Causam insegurança e espanto as ações do Ministério Público, que parece atuar em nome de ambientalistas e de causas ideológicas.

A atuação do Ministério Público Federal (MPF), por mais incrível que possa parecer, ao invés de trazer segurança jurídica aos cidadãos brasileiros, provoca insegurança de toda ordem, especialmente no segmento do agronegócio.

Por serem insólitas e radicais essas interferências, que extrapolam as funções do MPF, deduzimos que pretendem proibir o plantio direto no Brasil. Ou, pior ainda, desconhecem totalmente o que seja fazer agricultura em um país tropical.

Os leitores devem ter tomado conhecimento que, em abril último, o MP no Distrito Federal pediu a interdição de 9 ingredientes ativos (que são usados em 180 marcas de produtos), apontados como “suspeitos de causar danos à saúde humana e ao meio ambiente”. São os seguintes produtos: 2,4 D, paration metílico, lactofem, forato, carbofuran, abamectina, tiram, paraquat e glifosato. O ato do procurador também requer a suspensão do processo que envolve a liberação de sementes tolerantes a esses produtos. Os pedidos de suspensão têm como base as reavaliações de registros de 14 ingredientes que estão em exame pela Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, desde 2008. O caso foi parar na Justiça por causa da morosidade da Anvisa em reavaliar estes agroquímicos. A lei, todavia, determina prazo de 120 dias para que a agência informe os resultados, trabalho que até o mês passado não se concluiu.

Ainda em abril a Justiça Federal manteve o registro do ingrediente ativo 2,4 D, mas adiou a decisão em relação aos demais produtos. A decisão do juiz Jamil Rosa, titular da 14ª Vara Federal, autorizou ainda a suspensão dos processos que envolvem a liberação de sementes OGMs tolerantes a estes produtos pela CTNBio, Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, até que se conclua a reavaliação toxicológica da molécula pela Anvisa.

No texto em favor do herbicida 2,4D, o juiz argumenta que “não se pode excluir do mercado um produto de largo uso na agricultura e reconhecidamente eficaz no combate às ervas daninhas, sendo responsável, inclusive, pelos atuais ganhos produtivos na agricultura”. O juiz afirma ainda ser “temerária a suspensão dos registros deferidos pelos órgãos e entidades competentes na área de agrotóxicos sem os estudos técnicos conclusivos, e que está sendo empreendido pela agência especializada, a título de reavaliação”.

Conforme Neri Geller, ministro da Agricultura, a decisão do juiz da 14ª Vara Federal reconhece o cuidado do governo federal na análise e aprovação de defensivos agrícolas. “Não se pode simplesmente proibir o uso de um produto já analisado pelo governo e por dezenas de outros países, e que não é proibido em nenhuma nação. A agricultura brasileira não pode ser prejudicada com a proibição do uso de ingredientes largamente testados”, enfatizou.

O Mapa, Ministério da Agricultura, encaminhou notas técnicas à justiça em defesa dos produtos que se pretende proibir. De acordo com a defesa do Mapa, o autor da ação contra o 2,4 D confundiu esse produto com o agente “laranja” (2,45 T), que nunca teve registro para uso no Brasil.

Diz a nota técnica que “o 2,4 D já está em uso no Brasil desde a década de 60 e foi avaliado pelo Mapa, Anvisa e Ibama, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, nos termos da Lei 7.802/1989. O 2,4 D é usado nas culturas da soja, cana-de-açúcar, milho, trigo, café e pastagens, e é fundamental na prática do plantio direto”.

De outro lado, a CNA, Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, oficiou à Justiça demonstrando os potenciais prejuízos que a agricultura teria com a proibição do glifosato, do 2,4-D e de outros agroquímicos. A CNA se diz “preocupada com os prejuízos ao produtor rural e ao consumidor, ao reduzir a produtividade das lavouras e incentivar a inflação dos alimentos”.

A CNA cita como exemplo o glifosato e o 2,4-D: “Estes são os dois herbicidas mais utilizados no Brasil”. Ambos são estratégicos para diferentes tipos de manejos, principalmente no sistema de plantio direto.

É bom lembrar que produtos como Endosulfan e Metamidophós, também eram estratégicos. Foram proibidos pela Anvisa, após longa e polêmica revisão técnica. Diante das dificuldades, o Mapa decretou “Estado de Emergência” para importar substitutos do Endosulfan, por exemplo.. Mas alguns MPs estaduais entraram em cena e proibiram o uso. A importação da Abamectina, para controle da Helicoverpa armigera, foi outra emergência que alguns MPs estaduais também proibiram. E assim a agricultura vai se judicializando...

Relembrando 
A Constituição Federal de 1988, vigente até os dias de hoje, denominada “Constituição Cidadã” pelo então deputado federal Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Constituinte, estabeleceu a criação do Ministério Público Federal. As funções do MP “incluem a fiscalização da aplicação das leis, a defesa do patrimônio público e o zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na Constituição”. E mais: o MP tem autonomia na estrutura do Estado: não pode ser extinto ou ter atribuições repassadas a outra instituição. Seus membros (procuradores e promotores) têm liberdade para atuar segundo suas convicções, com base na lei. São as chamadas autonomia institucional e independência funcional do MP, asseguradas pela Constituição.

Tem alguma coisa muito errada...
Em bom português, apesar de os poderes executivo, judiciário e legislativo serem independentes, conforme a Carta Magna, o MPF entende que não se deve debater e tampouco legislar, quando as questões não estão a contento de seus procuradores.
Nos últimos anos, e cada vez de forma mais intensa, o MP interfere na vida pública e nas atividades públicas e privadas. Por exemplo: em decisão judicial, suspendeu, em abril/2014, a revisão do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, um dos principais projetos de gestão da prefeitura paulistana. Com isso, barrou as audiências públicas realizadas para debater as características do Plano Diretor na Câmara Municipal. Ou seja, interferiu em processos de decisão do legislativo municipal.

Em 2012, durante o intenso debate nacional, que ocorria em todos os níveis da sociedade, sobre o Código Florestal, a mídia informava que “o Ministério Público poderia contestar na Justiça o novo texto do Código Florestal”. De acordo com o subprocurador-geral, “caso os temas mais sensíveis não sejam atendidos”, existe o “risco” de o Ministério Público entrar com ações. (grifos nossos)

Pois o Ministério Público (MP) resolveu atacar de poder judiciário, e julga, ele próprio, se um projeto de lei ainda em discussão no Senado, que ainda seria votado, e depois deveria voltar à Câmara dos Deputados, e aí iria à sanção (ou veto) presidencial, pois o Ministério Público já andava pré-julgando as coisas e desejava legislar...

O Ministério Público extrapolava funções, e ainda fazia ameaças ao Poder Legislativo, e chantageava, na base do “muda essa lei aí ou nóis vai complicar ôceis!” (grifos nossos)

O Ministério Público Federal acreditava que o relatório do Código Florestal lido em 22/11/2011 no Senado, ainda precisava de ajustes. De acordo com o subprocurador-geral Mário Gisi, caso os temas mais sensíveis não sejam atendidos, existe o risco de o Ministério Público entrar com ações para cobrar a preservação do meio ambiente por via judicial.

Um grande jornal noticiou na época: “O projeto da Câmara dos Deputados saiu com inúmeras imperfeições e no Senado já teve uma melhora, mas, todavia, vemos como insuficiente para atender àquele delineamento que a Constituição estabelece em relação ao meio ambiente”, disse Gisi, ao comentar o parecer da Comissão de Meio Ambiente do Senado. Para o subprocurador-geral Mário Gisi, a “abertura para debate no Senado tem sido melhor que na Câmara”. Nova interferência do MP nos debates e decisões do legislativo, o que seria uma flagrante inconstitucionalidade.

Mais ações desastrosas do MPF
O TRF, Tribunal Regional Federal da 1ª Região ordenou em 17 de dezembro 2013, a suspensão das obras da usina de Belo Monte, em Vitória do Xingu, no Pará. A suspensão foi a segunda em dois meses. Os juízes atenderam pedido de procuradores do MP do Pará, que declararam “descumprimentos de exigências na licença ambiental”. Conforme os procuradores, “as obras terão que permanecer paralisadas até que os responsáveis pela construção atendam as exigências técnicas feitas pelo Ibama”.

Nos últimos anos, até outubro 2013, o MPF apresentou 20 processos pedindo a paralisação de obras por denúncias de que os construtores cometeram irregularidades. A construção de Belo Monte gera a oposição de ambientalistas, que consideram que os impactos sobre as comunidades da região, como índios e ribeirinhos, serão irreversíveis.

As ações do MPF nos indicam questões para reflexão: qual é o custo disso aos cofres públicos? Quem arca com esse gigantesco prejuízo? A Justiça não avalia os interesses políticos e ideológicos dessas manobras? Se demorar a decisão de retomada das obras, o que é rotina, quantos funcionários serão demitidos? Depois, quando sair nova ordem permitindo as obras, a empreiteira torna a recontratar funcionários, treinar, realocar, elevando os custos do empreendimento, custos que serão pagos pelo governo, ou seja, nós, os contribuintes.

Um desastre a ação de procuradores que se consideram ambientalistas. Podiam multar a(s) empreiteira(s), pela falta do papel burocrático, mas não é democrática a exigência, a insana suspensão das obras. Ou a justiça se faz de forma desinteressada, equilibrada e justa, ou não pode ser chamada de Justiça.

Mais do mesmo
Em setembro 2013 o Tribunal Regional Federal da Primeira Região determinou a suspensão da construção da hidrelétrica de Teles Pires. Alegava-se agressão à natureza e aos povos indígenas. Mas essa decisão deveria ter sido tomada antes que fossem investidos os quatro bilhões de reais gastos até agora. Ou não? Para que serviram, afinal, os estudos de impacto ambiental realizados, que permitiram a realização das obras? O que o consórcio vai fazer? Demitir os 6.000 trabalhadores que contratou, treinou, instalou no meio da selva? Quando a obra terminar, com o dobro de tempo esperado e duas ou três vezes o custo original aprovado, muita gente colocará a culpa na corrupção e no “desgoverno”.

Sobre a mais nova ação do MP do DF, que pretende proibir os agroquímicos que ainda não foram reavaliados pela Anvisa, os agricultores e as indústrias aguardam agora a decisão, que deve sair a qualquer momento, sobre os demais produtos. Até o fechamento desta edição da Agro DBO nada havia se decidido. O Juiz titular entrou em gozo de férias.


Publicado originalmente na revista Agro DBO, maio/2014 (www.agrodbo.com.br ). Permitida a reprodução desde que citadas as fontes

 PS. Na última sexta-feira (25/4/14) o juiz da 14ª Vara de Brasília indeferiu o pedido de liminar solicitado pela procuradoria. Na revista Agro DBO (maio/2014), que sai amanhã de gráfica, não houve tempo de informar, mas coloco aqui no blog. De toda forma, o espantoso não é a decisão do juiz, mas a solicitação do MP.

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