Existirá uma causa única dos problemas que afetam nosso sistema político, tornando-o disfuncional e provocando a insatisfação da sociedade? Será que todos derivam de uma só origem?
Qualquer pessoa sabe que não. E que são muitas as razões que os provocam.
Há, no entanto, algumas mais importantes, às quais deveríamos prestar atenção maior. Especialmente em momentos como o atual, quando parece possível enfrentá-las, como parte da reforma política em curso.
Uma das principais fontes de nossos problemas é o número de partidos políticos que possuem representação no Congresso Nacional. Seja à luz da experiência internacional, seja pelo que podemos ver no dia a dia do sistema político, temos partidos demais.....
As consequências disso são óbvias e afetaram nossos governos desde a redemocratização, quando se acelerou a tendência à proliferação partidária, iniciada na transição do autoritarismo.
De Sarney em diante, não houve um presidente que não tenha vivido a dificuldade de governar com um Congresso fracionado, em que as negociações para alcançar maiorias sempre foram complicadas e caras.
Foi assim com Fernando Henrique e com Lula. Está sendo assim com Dilma. Nos últimos anos, o problema só se agravou e não seria menor se as oposições tivessem vencido em 2010. Com os 108 deputados que PSDB, DEM e PPS elegeram, Serra só governaria se conseguisse “atrair” muitos dos mesmos grupos de que Dilma precisa.
Nosso multipartidarismo caótico recebeu, até agora, menos destaque do que deveria nas discussões sobre a reforma. Na Câmara - não por acaso o lugar em que ele mais se manifesta -, foi quase ignorado. Sequer consta do anteprojeto do deputado Henrique Fontana (PT-RS), relator da Comissão Especial.
No Senado, a comissão de notáveis, que funcionou no primeiro semestre, o debateu. Para reduzi-lo, foi elaborado um projeto de lei, que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou em agosto, em decisão terminativa, o que quer dizer que não terá de passar pelo Plenário e que será encaminhado diretamente à Câmara.
O que se discute é o estabelecimento de uma cláusula de desempenho para que os partidos políticos possam ter funcionamento parlamentar. Secundariamente, que lhes assegure maior participação no fundo partidário e mais acesso aos meios de comunicação.
Alguns a chamam “cláusula de barreira”, o que sublinha que sua intenção é limitar o número de partidos representados nos diversos níveis do Legislativo.
Mundo afora, a existência desse tipo de provisão é normal, particularmente nos países que adotam algum tipo de representação proporcional. Em muitos, são justificados como recurso para evitar que minorias culturais ou étnicas dificultem a formação de sentimentos nacionais. Em outros, foram adotados para melhorar as condições de governabilidade.
Já estivemos perto de tê-lo. Foi quando, no primeiro ano do governo FHC, através da Lei 9.096, se fez a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos aos partidos. Nela, se estabeleceu que, para ter direito ao funcionamento parlamentar, o partido teria que receber, no mínimo, 5% do total de votos válidos na eleição para a Câmara, em, pelo menos, um terço dos estados, com não menos que 2% dos votos em cada um.
O que se buscava era um pequeno número de grandes partidos, todos nacionais. Quem sabe, era o presidente Fernando Henrique, do alto de seu mandato recém conquistado, se lembrando do senador que havia sido, líder do governo Sarney no Congresso, testemunha privilegiada do “é dando que se recebe”.
Se a lei estivesse em vigor, teríamos, hoje, oito partidos no Congresso. Nove, com o PSD. Temos 23 porque assim entendeu o Supremo Tribunal Federal, em um dos momentos de máxima intervenção do Judiciário em nossa vida política.
Em 2006, considerou inconstitucional a Lei 9.096, afirmando que ela provocaria um “massacre das minorias”, nas palavras do ministro-relator. Como se o modelo que a Corte ali consagrou protegesse alguma coisa que merecia viver.
Ter 23 partidos com representação parlamentar não é prova de que somos um país democrático. Antes, é evidência de nossa dificuldade em resolver os problemas institucionais que vamos criando.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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