quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Farra dos pedágios: revisão de contratos anunciada por Alckmin resolve o problema?


O recém-empossado governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), parece estar bem disposto a tirar um “barato” com a cara dos paulistas. Nesta terça-feira, 4, reportagem do Estadão revelou que o tucano anunciou, após reunião feita com seu secretariado na tarde de segunda-feira, uma revisão nos contratos com as concessionárias de pedágios que administram rodovias no Estado de São Paulo. De acordo com o governador, essa revisão dos contratos será feita ainda em 2011. A grande piada, contudo, é que Alckmin garantiu a análise dos contratos, mas não soube precisar se as tarifas do pedágio serão aumentadas ou reduzidas.

“É imediato esse trabalho de analisar contrato por contrato, respeitando o contrato, mas verificando o equilíbrio econômico e financeiro. Nós não vamos antecipar nada, até porque o equilíbrio financeiro pode ser a favor do governo ou da concessionária. Tudo isso vai ser analisado”, declarou o governador. Ora, empreender um esforço de revisar os contratos para, depois de todo esse trabalho, deixar as tarifas como estão ou ainda por cima aumentá-las mais é uma piada de extremo mau gosto. Afinal de contas, as tarifas pornográficas de pedágio praticadas em São Paulo estão entre as mais caras do mundo.

A desculpa do governo tucano retoma aquela velha máxima de que “as melhores rodovias brasileiras estão no Estado de São Paulo e, por isso, o pedágio aqui é mais caro”. Pura balela: há cem anos, quando o governo paulista nem sonhava em construir praças de pedágios, as estradas de São Paulo já eram melhores que as demais para os padrões da época. É perfeitamente possível garantir aos paulistas excelentes rodovias a um custo bem menor do que o atualmente praticado. E para isso, é necessário que o governo do Estado vá além da simples revisão dos contratos: é preciso discutir com as concessionárias formas de baratear essas tarifas absurdas.

Outorga onerosa contribui para tarifas elevadas
Em primeiro lugar, é extremamente necessário que se faça uma revisão do modelo de concessão de rodovias, que foi iniciado em 1998 no então governo Mário Covas (PSDB). Nos contratos de concessão celebrados desde então, o governo paulista adotou o modelo de outorga onerosa, no qual ganha o direito de explorar determinada rodovia a empresa que oferece o maior valor de outorga (espécie de “compra” dos direitos para exploração da rodovia), a partir de um preço mínimo estabelecido pelo cedente (no caso, o governo do Estado). Ou seja, a concessão pela outorga onerosa é feita pensando-se na arrecadação que o governo do Estado terá e não no bolso do cidadão que utiliza a rodovia.

Além disso, nesse modelo de concessão praticado em São Paulo, o governo define a tarifa do pedágio tendo como base um valor quilométrico uniforme, definido a partir da categoria da rodovia. A tarifa em uma determinada praça será, dessa maneira, o produto da tarifa da rodovia pelo Trecho de Cobertura da Praça de Pedágio (TCP), como pode ser visto na figura abaixo. No valor da tarifa da rodovia estão incluídos os custos de operação, conservação e amortização, que são elevados, ainda, pela parcela da outorga onerosa que a concessionária paga anualmente ao governo do Estado. E isso é importante ser sublinhado: na realidade, o valor da outorga onerosa não recai totalmente sobre a concessionária, mas é dividido com o motorista também, já que seu custo é diluído na tarifa da rodovia, que compõe a definição do pedágio.

Se o governo de São Paulo optasse por outro modelo – como o praticado pelo governo federal em suas concessões rodoviárias – certamente seria possível reduzir consideravelmente o valor da tarifa do pedágio. No modelo federal, a concessão da rodovia é dada à empresa que apresentar a menor tarifa, tendo como base uma tarifa-teto estabelecida pelo cedente. A partir daí já podemos ver a primeira grande diferença: enquanto o governo tucano leva em conta o maior valor pago pela outorga onerosa (não importando que isso recaia sobre o cidadão que utiliza a rodovia), o governo federal, nos últimos oito anos, toma como base a menor tarifa oferecida, justamente para não onerar o usuário das rodovias sob concessão.

Deve-se destacar que desde 2007 as chamadas “novas concessões” do governo paulista adota um sistema misto, que se assemelha em parte ao modelo federal. Neste sistema misto, o governo fixa o valor da outorga e ao mesmo tempo estabelece uma tarifa teto, de forma que o licitante vencedor é aquele que oferece a menor tarifa. Esse sistema foi utilizado, por exemplo, para a concessão do Trecho Oeste do Rodoanel. Além disso, uma alteração importante verificada nesta segunda etapa de concessões de rodovias paulistas foi a mudança do indexador de reajuste das tarifas de pedágio. Para as primeiras rodovias sob concessão, a partir de 1998, o reajuste da tarifa era feito segundo a variação acumulada pelo IGP-M nos 12 meses até maio do ano corrente.

IGP-M é indexador da maioria dos contratosComo se sabe, por incorporar o componente de preços ao atacado e, portanto, refletir diretamente as oscilações do dólar, o IGP-M é um índice de preços mais “sensível” do que os IPCs, que refletem apenas a variação de preços no varejo. Em períodos em que o dólar apresenta grande elevação, o IGP-M tem uma variação bem maior do que a dos demais índices. Em 2003, por exemplo, o IGP-M acumulava alta de 31% nos doze meses terminados em maio daquele ano, impulsionado, sobretudo, pela alta estratosférica do dólar no segundo semestre do ano anterior. O impacto sobre a tarifa dos pedágios foi tal que o governo do Estado, na época também tendo à frente Geraldo Alckmin, teve que negociar com as concessionárias para que estas fizessem o reajuste em duas etapas.

Portanto, nos novos contratos de concessão, feitos depois de 2007, o índice de reajuste das tarifas não é mais o IGP-M e sim o IPCA, calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e que possui uma variação menor que o IGP-M, já que não incorpora em seus cálculo os reajustes no atacado. Esse, sem dúvida, foi um passo muito bom dado pelo governo de São Paulo. Contudo, deve-se lembrar que os antigos contratos de concessão, feitos nas principais rodovias do Estado, como o sistema Anhanguera/Bandeirantes, Anchieta/Imigrantes etc, ainda têm seus reajustes de tarifas atrelados à variação do IGP-M.

Ou seja: a nova regra de reajuste beneficia apenas uma pequena parcela dos usuários, já que o grosso utiliza as vias que estão sob concessão pelos contratos antigos, atrelados ao IGP-M. Portanto, seria muito interessante que o governo do Estado, neste processo de revisão dos contratos, tentasse de alguma forma rever a mudança desse indexador, o que por si só já aliviaria bem o bolso dos usuários. Para que não houvesse uma quebra de contrato, criando, assim, um ambiente de insegurança jurídica, o governo de São Paulo poderia até mesmo estudar uma contrapartida para as empresas que aceitassem a troca do IGP-M pelo IPCA, como a elevação do período de concessão, por exemplo.

De qualquer forma, é fundamental que o governo tucano em São Paulo resolva de uma vez por todas essa cobrança de tarifas pornográficas do pedágio no Estado. Paliativos, nessa altura do campeonato, de nada adiantam: é preciso que haja uma solução real que reduza as tarifas cobradas pelas concessionárias aos usuários. Afinal de contas, de nada adianta o Estado ter as melhores rodovias do Brasil se estas forem as mais caras do mundo. É preciso que haja um equilíbrio, já que o alto custo do pedágio onera o usuário e amplia também o custo logístico das empresas, o que inevitavelmente reduz a competitividade dos produtos brasileiros, atrapalhando toda a economia.
Boteko Vermelho

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