Jornalismo: "serviço" ou arena para disputa política?
Uma visão moralista salta aos olhos, desde o título da obra: Bucci analisa a imprensa não pelo que ela é de fato, mas pelo que gostaria que ela fosse.
A imprensa “deve” ser livre, diz o autor. E os jornalistas “devem” recusar qualquer vínculo com instituições, causas ou interesses comerciais que possa acarretar “a captura do modo como vêem, relatam e se relacionam com os fatos e as idéias que estão encarregados de cobrir”.
Existem jornalistas “livres” de amarras ideológicas, culturais, religiosas?
Transparece, assim, uma visão idealizada da imprensa. Como se o jornalismo fosse uma “nobre” função, exercida “acima” do bem e do mal: um “serviço” prestado à sociedade.
Bucci compara jornais com hospitais e escolas: “é um direito para o cidadão”(falta, então, combinar com os donos da imprensa). O autor afasta-se, assim, das concepções que - sob inspiração de Gramsci, sobretudo - veem o jornalismo como mais uma arena em que se travam as disputas políticas, se consolidam projetos de sociedade, se constroem hegemonia e poder.
Mas dizer apenas isso é simplificar a obra do experiente jornalista – que dirigiu a Radiobrás, e hoje é professor da ECA-USP. No livro, Bucci mostra uma capacidade cada vez mais rara nas redações (e na universidade): ao falar sobre a mídia, é capaz de transitar pela psicanálise, pelas teorias da comunicação e até pela dramaturgia.
O terceiro capítulo - em que retoma “Beijo no Asfalto” (peça de Nelson Rodrigues) - é leitura saborosa: como o jornalismo sensacionalista se transforma em matéria-prima para teatro de primeira linha? “Nelson Rodrigues faz teatro como quem faz manchetes que sangram, e sangrando redimem o leitor por um dia mais”, escreve, em prosa elegante.
Em outro capítulo, reconstitui a narrativa midiática do ataque às torres gêmeas em NY, e mostra como o atentado “marcou o ingresso da lógica do terror na lógica do espetáculo”. É o mote para sofisticada reflexão sobre a “civilização da imagem”. Bucci costura conceitos de Regis Debray, Lacan e Guy Debord, e descreve esse mundo em que “só no olhar é possível o contato com a verdade”.
Cada capítulo pode ser lido de forma independente. Tão “independente” como Bucci gostaria que a imprensa fosse. Mas não é.
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