Já que a máquina do tempo existe apenas na imaginação de alguns escritores e roteiristas de cinema, voltar ao passado, mesmo recente, é um exercício que exige um tanto de esforço, tão rápidas e profundas foram as mudanças ocorridas no mundo e no Brasil nessas ultimas décadas.
Mas vamos lá, vamos fazer como os pintores impressionistas, tentar montar um cenário se não real em seus detalhes, ao menos próximo dele, aproveitando o que a memória guardou de mais relevante.
A primeira - e desagradável - lembrança do Brasil pós-ditadura é a de estar quase pronto para ir embora do trabalho, na redação da falecida revista Afinal, que ficava na rua Maria Antônia, em São Paulo, quando um telefonema bagunçou tudo: o governo acabara de editar um plano econômico e a sucursal de Brasília não sabia bem o que era aquilo.
Foi uma correria. Naquele tempo, 1986, a internet não existia, as notícias chegavam a nós por telex, mas o que fazer se, na outra ponta, a de quem cabia transmitir os dados, a desinformação era geral - e os minutos para fechar uma nova edição se esgotavam?
Lembro que para mim foi dada a tarefa de "escuta", ou seja, anotar tudo que o radinho de pilha cheio de estática destacasse sobre esse tal "pacote" que virava a economia do país de cabeça para baixo.
Por um desses milagres a que os jornalistas estão acostumados, a revista foi às bancas com capa e matéria principal sobre o primeiro de mais de uma dezena de planos econômicos que, nos anos vindouros, marcaram os governos de Sarney, Collor, Itamar e FHC.
Na verdade, perdi a conta de quantos pacotes ajudei a editar nos anos em que trabalhei, depois dessa experiência em revista, no caderno de economia do Estadão - todos eles definitivos, cada qual prometendo exterminar a inflação, colocar as contas públicas nos eixos, equilibrar a taxa de câmbio, organizar e reerguer a economia brasileira, enfim.
Esses ambiciosos e inócuos planos econômicos sumiram na poeira dos anos, hoje quase ninguém mais se lembra deles.
Ficaram na memória tão somente fragmentos dos disparates cometidos: a caça aos bois no pasto e o sórdido sumiço de bens no comércio no governo Sarney; o criminoso confisco da poupança no governo Collor; a mentirosa paridade cambial de FHC.
Há mais de uma década a economia brasileira sobrevive sem tais pacotaços. Houve, verdade seja dita, a edição de muitas medidas que permitiram ao Brasil sobreviver, sem maiores danos, à tremenda crise mundial iniciada em 2008 e sem data para acabar.
Neste ano a economia patina, dá sinais de fraqueza em certos setores e o governo Dilma pode até mesmo ter errado na prescrição do remédio para a cura dos males.
Mesmo assim, é um alívio saber que a era das mágicas e bruxarias foi superada pelo advento de um pragmatismo que visa, antes de mais nada, criar condições para que a economia troque o voo de galinha das últimas décadas pelo de aves mais bem dotadas para vencer os ares.
É uma pena que a máquina do tempo só exista em nossa imaginação.
Se fosse real serviria como inestimável experiência para todos os que hoje maldizem a vida num país que, longe de ser o ideal, servia, há menos de três décadas, como campo de testes para as mais esdrúxulas teorias, sociais e econômicas, tal o estado agônico em que se encontrava.
http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2015/08/uma-viagem-no-tempo.html
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