RAFAEL EGÍDIO LEAL E SILVA*
Para que o leitor não se engane com relação a este texto, não trataremos a questão da ética como comumente é tratada: uma série de conselhos (de moral religiosa ou vitoriana), sobre como o sujeito deveria se comportar em determinada situação. Não consideraremos, neste contexto, a deontologia, ou seja, como o eleitor “deveria ser” no contexto democrático brasileiro. Tomaremos por ética o seu sentido mais radical, o ethos grego, que significava casa, morada. Como a casa era a unidade básica da sociedade escravocrata antiga, onde habitava a família (do latim famulus, servo ou escravo) era, portanto onde se cultivavam os “costumes”. Tomaremos o termo “ética” como uma síntese social de comportamentos, a fim de compreendermos o eleitor brasileiro e sua vivência democrática.
E claro que somos motivados pela necessidade de compreender o ódio verificado nos dois últimos pleitos, os quais, diante do resultado final, houve (e há) manifestações extremadas de aversão, segregacionistas, racistas e até mesmo grupos que pedem abertamente a implantação e intervenção do fascismo no governo brasileiro. O que chama a atenção é o fato da completa passividade do eleitor durante os mandatos, para se transformar em um ser completamente ativo conforme se aproximam os dias das eleições. O espaço de tempo entre o primeiro e o segundo turno é uma panela de pressão de ódio, que foi abundantemente destilado nos dias que se seguiram ao resultado final. Como explicar tal contradição?
Temos então a necessidade de um olhar mais acurado sobre este fenômeno: quem são os grupos que se digladiam tão ferozmente? Observemos que são pessoas que constituem a mesma faixa de classe social: a classe média. É justamente o eleitor das classes sociais medianas e urbanas (tanto em termos de ganho, nível de escolaridade e ocupação) que se transforma no portador doodium eleitoral. Tanto as classes ricas (falamos das verdadeiramente ricas, e não a classe média que acredita ser rica) quanto as classes pobres, por terem projetos políticos mais claros e objetivos e também manobras políticas mais efetivas do que as ineficientes manifestações e mobilizações virtuais da classe média, ficam em silêncio com o resultado da eleição: para essas classes, política se faz com pressão política durante o mandato, e para atender aos seus interesses mais imediatos.
Claro que esta situação acontece também pelas opções históricas da forma e conteúdo da política. Optamos por uma democracia cujo voto é obrigatório. Optamos pelo esvaziamento político e ideológico capitaneado pelos partidos. Optamos por eleger os candidatos pela força da imagem, e não pela força das ideias. A vivência democrática brasileira, mais que tardia, é vazia de sentido e repleta de imagens e de imaginação.
Diante de tal panorama, onde podemos fundamentar o comportamento do eleitor brasileiro? Onde reside sua ética? Por um lado, temos a precariedade das instituições democráticas, e por outro, temos o futebol como esporte e atividade social estruturante da sociedade no século XX. O brasileiro pode não ter se acostumado à vivência política, mas está plenamente assimilado à vida futebolística. Desta forma, seu padrão de conduta não é a do cidadão, mas do torcedor: aquele que grita, chora, ri, faz barulho, briga se for necessário. Mas quando chega em casa abre uma cerveja e se afunda no sofá.
Nossa política não tem cidadãos, mas sim torcedores. O problema é que esses “torcedores” infantilmente expressam simpatias por ideologias que já provaram ser destrutivas à humanidade, o que pode corroborar a implantação de tais regimes no futuro. Um sério debate se faz necessário, e urgente.
Do: https://espacoacademico.wordpress.com/2014/11/29/a-etica-do-eleitor-brasileiro/* RAFAEL EGÍDIO LEAL E SILVA é Professor de Sociologia do IFPR, Campus Umuarama; Mestre em Psicologia (UEM).
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