Orlando Brito / Divulgação
CartaCapital: Como entender o fenômeno Marina Silva?
Claudio Gonçalves Couto: Em toda eleição, a dinâmica dominante é o enfrentamento entre governo e oposição. Há 20 anos, o PT e o PSDB polarizam no plano nacional. A inesperada entrada de Marina na disputa deste ano embaralhou as referências políticas do eleitorado. Ela entrou na campanha após a morte de Eduardo Campos. Uma parcela do eleitorado pode ter se emocionado com a tragédia, mas não acho que a comoção seja o principal fator para explicar sua meteórica ascensão. Na verdade, os eleitores passaram a dar mais atenção ao processo e, naquele momento, ela estava em evidência.
CC: Por que ela despencou tão rapidamente?
CGC: Marina não transmitiu a imagem de possuir convicção clara do que pretendia fazer caso fosse eleita. Recuou no plano de governo em relação à população LGBT. Os economistas ligados à campanha apresentavam um discurso ambivalente. A própria Marina tropeçava nas palavras, uma hora falava em autonomia do Banco Central, na outra em independência. Outro ponto: ela se apresenta como representante de uma nova política. Por que então subiu no palanque de Jorge Bornhausen em Santa Catarina? Poucos nomes são tão associados à velha política como o dele.
CC: E a ascensão de Aécio na reta final?
CGC: Lembra-se das eleições de 2006? Naquela disputa, Geraldo Alckmin teve menos votos no segundo turno do que no primeiro. O que houve? Lula recuperou os votos que já eram dele, momentaneamente deslocados para Alckmin por conta do caso dos aloprados petistas. O Aécio recuperou um eleitorado tradicionalmente do PSDB, mas que migrou temporariamente para Marina. Há uma fatia dos eleitores de Eduardo Campos que apostaram em um primeiro momento na Marina e, depois de ver suas fragilidades, optaram por ficar com Dilma mesmo.
CC: Dilma e Aécio disputam qual tipo de eleitor?
CGC: As pesquisas indicam que Dilma sempre teve folgada liderança entre os eleitores mais pobres, com renda de zero a dois salários mínimos. Entre aqueles com renda superior a dez salários mínimos, Aécio sempre manteve a dianteira. O que está em disputa são os votos das classes B e C.
CC: O que muda na estratégia do PT e do PSDB?
CGC: O PT deve manter a estratégia de destacar os avanços sociais, a valorização do salário mínimo, o elevado nível de emprego. Na disputa com Aécio, os petistas deverão explorar as comparações com o governo FHC. No caso do PSDB, o cenário é mais complicado. No segundo turno, o eleitorado costuma se dividir entre direita e esquerda. Para vencer, é preciso ir atrás do voto do eleitor mediano, caminhar para o centro.
CC: Aécio teria mais dificuldade para lidar com isso?
CGC: Desde a eleição de Lula, o PT rumou para o centro. Para governar, precisou moderar o discurso, ceder em muitos pontos para manter a base unida. Nos últimos anos, vários partidos tradicionalmente de direita tornaram-se siglas fisiológicas. O PMDB sempre teve esse perfil, mas o PP de Maluf, não. Maluf sempre foi um representante dileto da direita. Não mais. Em São Paulo, ele abraça tanto o prefeito petista Fernando Haddad quanto o governador tucano Geraldo Alckmin. Com isso, a direita programática ficou órfã de legítimos representantes. Para onde esse eleitorado foi? Para o PSDB. E os tucanos apostaram no endurecimento do discurso de direita para fazer oposição ao PT.
CC: Trata-se de um erro de estratégia?
CGC: Totalmente. O PSDB passou a focar mais no antipetista do que no eleitor mediano. Para vencer, precisa fugir dessa lógica. Até porque o eleitor antipetista já é dele, corre para o PSDB por força gravitacional. Aécio precisa sensibilizar quem não é necessariamente contra o PT. Resta a dúvida se eles vão conseguir abandonar esse discurso. O PSDB incorporou o antipetismo de forma muito clara.
CC: Após essa derrota, qual será o futuro de Marina?
CGC: Marina e seu grupo devem sair do PSB, pois ainda têm a perspectiva de criar a Rede Sustentabilidade. A forma como essa saída se dará depende de como a derrota será digerida. Para quem estava tão à frente nas pesquisas, o resultado é muito frustrante. É como o 7 a 1 da Copa.
CC: E o PSB, como sai da disputa?
CGC: O partido ficará em frangalhos. Marina teve um efeito desorganizador geral na política brasileira. Primeiro, ela embaralhou essa dicotomia entre o PT e o PSDB. E também desorganizou o PSB. Aquelas lideranças que a criticaram em plena campanha demostram um partido bastante fracionado.
CC: Em seu último ato de campanha, Marina caminhou pelo Rio de Janeiro praticamente só, sem nenhuma liderança do PSB.
CGC: Ela sempre encontrou resistências na legenda. Mas o racha não é apenas entre o PSB e o grupo de Marina. Houve traumas nas relações entre as lideranças do próprio partido. Na verdade, o partido sofreu um baque com a morte de Eduardo Campos. Podia não vencer agora, mas talvez voltasse com mais força em 2018. Agora, com essa derrota, nas circunstâncias como ela ocorreu, o partido fica fragilizado. De certa forma, isso lembra a trajetória do PDT após a morte de Leonel Brizola. O PSB corre sério risco de se tornar ainda mais caudatário do PT do que já foi no passado.
http://www.cartacapital.com.br/revista/820/201cso-o-antipetismo-nao-elege-aecio201d-5761.html
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