"Estamos vivendo um momento político inusitado no país. Pela primeira vez um presidente da república resolve contrapor-se ao cultural, histór
ico e promíscuo jogo de chantagens e interesses mesquinhos que caracterizam o famoso toma lá dá cá nas relações entre o Executivo e o Legislativo, como também nas relações entre o Executivo e os lobbies corporativos. Nossa presidente está comprando um conflito temerário, mesmo que vença pontualmente estará para sempre na alça de mira do que há de pior na política brasileira. Um passo à frente na cultura política brasileira somente será viável se a presidente tiver o apoio expressivo da sociedade brasileira. Não lhe faltar nessa hora é nossa obrigação. Importante perceber que essa não é uma luta política partidária, é uma luta para superar velhos costumes políticos responsáveis em grande parte por nosso atraso econômico e social."
Álvaro Rodrigues dos Santos* - 23/03/2012 - blog Ecodebate
Se há uma característica marcante da sociedade brasileira nos tempos atuais essa característica é a despolitização. Pode-se até dizer que a sociedade brasileira está perigosamente despolitizada. No vácuo da Política prevalecem o individualismo e os oportunismos de toda sorte. Algo como a prevalência máxima do binômio vantagens/chantagens.
No que toca à mídia e à opinião pública, saiu a Política, ou seja exercício da ação política pela defesa de princípios e teses, e entrou o simplório “direito” a se indignar. Indignar-se contra a promiscuidade que prevalece nos jogos de poder. A indignação é moeda corrente em todos os cantos, e vendida aos cântaros por todas as mídias, oposições da vida e redes sociais. O diabo é que só a indignação é muito pouco, além de temerária. Todas as propostas de quebra das regras democráticas ao longo da história beberam fartamente dessas águas simplórias e pretensamente justiceiras.
Parece até ser paradoxal, em que pese o bom momento econômico por que passa o país, o maior acesso da população ao emprego e a bens de consumo, ainda fica composto um clima favorável a uma quebra democrática que se auto-intitule “moralizadora”.
Um dos fenômenos mais perversos do profundo grau de despolitização da sociedade está hoje na maneira despudoradamente pragmática, poderia dizer “kassabiana”, com que se relacionam os mais diversos agrupamentos políticos locais e nacionais.
Houve já o tempo em que governar significou abrir estradas, ou eleger prioridades. Hoje é outro o desafio, e inexorável: “governar é administrar chantagens”.
Dentro da onipresente cultura da chantagem, chantageadores não faltam: partidos da base, partidos de oposição, governadores, prefeitos, vereadores, deputados, senadores, minorias várias, órgãos sindicais de trabalhadores, associações empresariais e patronais, bancada ruralista, bancada das empreiteiras, bancada dos banqueiros, mídias de todos os quilates, legislativos vários, Judiciário, Forças Armadas das Três Armas, bancada nordestina, bancada do centro-oeste, bancada do sul, bancada do sudeste, bancada do norte, Esquerda, Direita, Centro, igrejas várias, pessoal do álcool, pessoal dos grãos, pessoal da pecuária, pessoal da mineração, dos sem isso e sem aquilo, professores e estudantes, aliados eleitorais eventuais, Universidades e mundo acadêmico, mundo das artes, aposentados, etc., etc.
As exigências sobre os poderes executivos envolvem vantagens de todos os tipos: cobiçados postos de governo, cargos e funções remuneradas, regalias corporativas, regalias legais, regalias fiscais, desobrigações e desonerações camaradas, empregos para correligionários, liberação de verbas, liberação de emendas ao orçamento, aumentos de dotações orçamentárias para isso ou aquilo, atendimento de reivindicações de lobbies setoriais, suporte eleitoral, direcionamento de verbas públicas de investimento ou publicidade, sancionar ou reprovar projetos, e por aí vamos.
As ameaças em caso de não atendimento dos pleitos somente não são passadas em cartório, mas são escancaradamente direcionadas a infligir pesados prejuízos políticos àqueles que detêm algum poder executivo: retirada de apoio eleitoral e/ou de apoio político parlamentar por parte de partidos, igrejas ou categorias, detratação da imagem pública, não aprovação de projetos de interesse do executivo, desestabilização de administradores, imposição de derrotas jurídicas, insatisfação nos quartéis, rompimento de alianças políticas locais, regionais ou nacionais, etc., etc., etc.
E os poderes executivos, ao menos aqueles que gostariam de resistir, não encontram saída. Em nome de uma buscada governabilidade obrigam-se a ceder anéis e dedos, além de sua diuturna atenção aos chantageadores. Que energia, que tempo, que recursos e que humor sobram para serem dedicados ao plano de governo, às estratégias de desenvolvimento, àquela velha intenção de revolucionar a educação e a saúde, à decisão de profissionalizar a gestão pública, ao enfrentamento de nossas carências crônicas, ao combate à corrupção?
Considerando-se a referida despolitização da sociedade brasileira, haverá alguma possibilidade de se resistir à ditadura das chantagens dentro das regras democráticas? Um presidente que resolva afrontar a prática da chantagem terá o respaldo de uma sociedade despolitizada? Haverá alguma possibilidade do interesse coletivo impor-se aos interesses particulares de indivíduos e grupos?
* Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
* Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia;
* Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”;
* Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente; Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio
* Articulista do Portal Ecodebate
Nenhum comentário:
Postar um comentário