Estarrecido, o Brasil soube na segunda-feira do Carnaval de 1989 que Jesus aplica a pena de morte e não se mistura com mendigo nem favela.
O anticristo da pena capital é o investigador Celso Jesus da Cruz, da polícia de São Paulo, que espremeu 50 presos na manhã de domingo numa cela minúscula de 1,5 por 3 metros. Três horas depois, quando apareceu ali o espírito mais cristão do juiz-corregedor para abrir a porta daquele inferno, 18 presos estavam mortos por asfixia.
O Cristo alheio à miséria está encarcerado na mente estreita do cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio Salles, que apelou para a Justiça dos Homens para evitar que a imagem do Cristo Redentor abrisse a o desfile de miseráveis da Beija-Flor na iluminada passarela da Marquês da Sapucaí.
O Jesus de São Paulo e o Cristo do Rio de Janeiro são as duas faces de um mesmo e dramático flagrante da rotina de insensatez e incompreensão humanas que afundaram este país. No zelo extremado pela lei e pela fé, o agente da Ordem e o pastor de Deus usaram e abusaram da mesma dose de intolerância que acabou em morte, em São Paulo, e culminou no ridículo, no Rio.
O policial quis punir exemplarmente os amotinados de uma delegacia paulistana que acomodava 63 pessoas onde não cabem mais do que 26 — e socou 50 deles numa cela de castigo, sem uma única janela, com capacidade para apenas cinco presos. “É um castigo que jamais irão esquecer”, praguejava o Jesus da polícia, advertindo aos que duvidavam de seu sermão: “Aqui quem manda sou eu”.
No Cristo Redentor, quem manda é o cardeal Eugênio Salles, que atravessou na passarela do samba com uma liminar da Justiça proibindo o desfile de uma imagem do Filho de Deus no carro abre-alas da Beija-Flor. O genial Joãozinho Trinta idealizou um desfile de lixo e pobreza no maior espetáculo de luxo e riqueza do mundo, trazendo para o sonho do carnaval a realidade nem sempre colorida do grande drama social deste Brasil de ratos e urubus, a sétima maior economia do ocidente no enredo de José Sarney.
Foi um banho de criatividade, lirismo, bom humor e sensibilidade do carnavalesco, mas o arcebispo não se empolgou. Nesta cruzada pela salvação do homem aqui na Terra, dom Eugênio Salles está na obrigação, agora, de apelar ao Supremo Tribunal Federal para embargar o verdadeiro Cristo Redentor, lá no alto do Corcovado, com os braços escancarados sobre os três milhões de mendigos e favelados, um terço da população carioca.
O que, convenhamos, é uma imoralidade.
* Luiz Cláudio Cunha era diretor da sucursal de O Estado de S.Paulo em Brasília em 1989
No blog do Gilson Sampaio,Via SUL 21
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