Clima de ódio
Por Paul Krugman
Quando você ouviu as terríveis notícias sobre o ataque no Arizona, ficou completamente surpreso? Ou de alguma maneira esperava que uma atrocidade como essa viesse a acontecer?
Inclua-me na segunda categoria. Desde os estágios finais da campanha eleitoral de 2008, eu tinha uma sensação estranha na boca do estômago. Lembrei da escalada do ódio político posterior à eleição de Bill Clinton em 1992 - uma escalada que culminou com o atentado a bomba realizado em Oklahoma City. E era perceptível, observando o público dos comícios de John McCain e Sarah Palin, que aquilo estava a ponto de se repetir. O Departamento de Segurança Interna chegou à mesma conclusão em abril de 2009, em um relatório interno no qual alertava que o extremismo de direita estava em alta, com potencial crescente de violência.
Os conservadores denunciaram o relatório. Mas houve, de fato, uma crescente onda de ameaças e vandalismo dirigidos a detentores de cargos eletivos, entre os quais o juiz John Roll, assassinado no sábado, e a deputada Gabrielle Giffords. Era inevitável que chegasse o momento em que essas ameaças seriam concretizadas. E foram.
É verdade que o atirador do Arizona parece ser mentalmente perturbado. Mas isso não significa que seu ato possa ou deva ser tratado como evento isolado, completamente dissociado do clima prevalecente no país.
No segundo trimestre de 2010, o site politico.com reportou uma disparada nas ameaças contra congressistas, que àquela altura já tinham crescido em 300%. Algumas das pessoas responsáveis pelas ameaças tinham um histórico de doença mental - mas algo no estado atual dos Estados Unidos vem fazendo com que muito mais pessoas perturbadas permitam que suas doenças se expressem por meio de ameaças de violência política, ou da execução dessas ameaças.
E não há muita questão quanto ao que mudou. Como disse Clarence Dupnik, o xerife encarregado de investigar o atentado no Arizona, é a "retórica agressiva que ouvimos a cada dia das pessoas no rádio e de algumas pessoas na TV". A vasta maioria daqueles que ouvem essa retórica tóxica não chega a cometer atos reais de violência, mas é inevitável que alguns excedam os limites.
É importante que tenhamos claramente em mente a natureza de nossa doença. Não é a falta generalizada de "civilidade", termo tão querido dos sabichões que desejam que as discordâncias políticas fundamentais desapareçam em um passe de mágica. Polidez pode ser virtude, mas existe grande diferença entre maus modos e apelos, implícitos ou explícitos, à violência; insultos e incitação à violência são coisas diferentes.
O ponto é que existe espaço, em uma democracia, para que as pessoas ridicularizem aqueles que delas discordam; mas não existe espaço para retórica de eliminação, para sugestões de que as pessoas do outro lado do debate deveriam ser removidas desse debate por quaisquer que sejam os meios necessários.
E é a saturação de nosso discurso político - e especialmente a de nossas ondas de rádio - com retórica de eliminação que serve de base à alta na violência.
De onde vem essa retórica tóxica? Não vamos fingir um falso equilíbrio: ela vem, esmagadoramente, da direita. É difícil imaginar um legislador democrata que inste seus eleitores a estarem "armados e perigosos" sem que sofra ostracismo político; mas a deputada Michelle Bachmann, que fez esse apelo, é uma estrela em ascensão no Partido Republicano.
E existe um imenso contraste na mídia. Ouçam Rachel Maddow ou Keith Olbermann e ouvirão muitas declarações cáusticas e zombarias contra os republicanos. Mas não ouvirão piadas sobre atirar em funcionários do governo ou decapitar um jornalista do "Washington Post". Já se assistirem aos programas de Glenn Beck ou Bill O'Reilly, ouvirão esse tipo de coisa.
É claro que figuras como Beck ou O'Reilly estão respondendo à demanda popular. Cidadãos de outras democracias talvez se espantem diante da psiquê norte-americana, diante da maneira pela qual esforços de presidentes moderadamente progressistas para expandir o sistema de saúde são recebidos com protestos quanto a tirania e retórica sobre a necessidade de resistência armada. Ainda assim, é isso que acontece sempre que há um democrata na Casa Branca, e existe um mercado para aqueles que se disponham a alimentar essa ira.
Mas mesmo que ódio seja aquilo que muitos desejam ouvir, isso não serve de desculpa aos que atendem a esse desejo. As pessoas decentes deveriam excluí-los de seu convívio.
Infelizmente, não é isso que vem acontecendo. Os promotores do ódio vem sendo tratados com respeito e até deferência pelas lideranças republicanas. Como disse David Frum, antigo redator de discursos presidenciais de George W. Bush, "os republicanos originalmente acreditavam que a Fox trabalhava para nós; agora descobrimos que nós é que trabalhamos para a Fox".
Será que o massacre no Arizona vai tornar nosso discurso menos tóxico? Depende dos líderes republicanos. Será que eles aceitarão a realidade do que está acontecendo nos Estados Unidos e se posicionarão contra a retórica de eliminação? Ou tentarão desconsiderar o massacre como ação de um indivíduo descontrolado e seguir adiante como se nada houvesse acontecido?
Se o que houve no Arizona provocar um exame de consciência, as coisas podem mudar. Caso não o faça, a atrocidade do sábado será só o começo.
Paul Krugman, 57 anos, é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).
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