Era 1973. Tinha 13 anos quando assisti, pela primeira vez, a novela da Globo O Bem Amado. Trazia no elenco monstros sagrados como inesquecível Paulo Gracindo, talvez o maior ator brasileiro que vi atuar. Passava tarde da noite e eu, numa época em que jovens tinham regras, desafiava a família para assistir, mesmo tendo que acordar cedo no dia seguinte.
Era um tempo em que uma trama muito mais leve do que a da atual novela das oito tinha que ir ao ar às 22 horas por conta da rígida classificação da ditadura militar. Contudo, a inteligência do dramaturgo Dias Gomes conseguiu burlar a inteligência curta da censura veiculando uma trama que era uma analogia ao regime opressor durante seu período mais violento.
Era a época do “milagre econômico”, em que o Brasil crescia como cresceu no ano passado, só que em bases totalmente diferentes porque hoje cresce com as próprias pernas e, naquele tempo, crescia ao custo de um endividamento externo criminoso, que jogou o Brasil em uma espiral inflacionária virulenta e duradoura e em uma dívida externa “impagável”.
O ditador de plantão era o psicopata Emílio Garrastazu Médici, o mais violento dos generais-presidentes. Tinha altíssima popularidade e a novela lhe foi uma sátira. Foi levada ao ar em um momento em que a mídia golpista, que pedira e sustentara a ditadura em seus primórdios, já começava a descobrir que ninguém ganha com ditaduras além dos próprios ditadores.
O Bem Amado é uma trama divertida e inteligente. Um governante corrupto se elege graças a um povo estúpido e desinformado com promessas bizarras como a de construir um cemitério – obviamente que superfaturado – para que a pequena cidade nordestina de Sucupira não precisasse mais enterrar os seus mortos na cidade vizinha.
A Globo ressuscita O Bem Amado de afogadilho, em míseros quatro capítulos, poucos dias depois de Lula deixar a Presidência, com a escandalosamente óbvia intenção de fazer analogia entre dois governantes – um fictício e outro real – populares e – na visão doentia da emissora – igualmente corruptos, pretendendo mostrar que corruptos também podem ser populares.
Pouco importa que Odorico Paraguaçu, o “bem amado” governante de Sucupira, não tenha tirado um quarto de seu povo da miséria ou auferido, para a sua cidade, o respeito do resto do mundo. A Globo espera que ninguém se lembre disso. Certa da “burrice” dos brasileiros, acha que farão “conexão” imediata entre Lula, popularidade, populismo e corrupção.
Assista, abaixo, ao trailer do filme O Bem Amado, transformado às pressas em “microssérie” pela Globo.
blog da cidadania
Nenhum comentário:
Postar um comentário