por Maria Inês Nassif, no Valor.
A pesquisa Datafolha do último fim de semana, que já registra o empate técnico entre o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), candidato a presidente em 2002 e agora, e a ministra Dilma Rousseff (PT), nunca antes candidata, não é o resultado de uma estratégia equivocada de Serra – que no ano passado era o favorito à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, mas de uma total ausência de estratégia.
Serra considerou seu favoritismo nas pesquisas como um fato dado, sem possibilidade de reversão. Errou. Contra, aliás, a opinião de uma boa parte dos seus aliados, de que deveria entrar em campo na disputa sucessória – oficialmente – ainda no final do ano passado, quando as pesquisas já apontavam uma subida sustentada de Dilma nas pesquisas.
O fato de Serra poder errar solitariamente como candidato não de um, mas de dois partidos – PSDB e DEM estão juntos nessa desde a eleição do próprio Serra para a prefeitura de São Paulo, em 2004 -, é um sério indicativo das limitações partidárias de sua candidatura. O PSDB é um partido de quadros, mas os quadros são cada vez mais escassos e não são substituídos por novas lideranças, nem por uma ligação mais orgânica com setores da sociedade dos quais é representante.
A tendência, em partidos de coesão frouxa, é que a unidade aconteça apenas em ocasiões eleitorais em que haja uma inegável chance de um líder do partido arrebatar o poder pelo voto. Serra era esse líder no ano passado. A contradição desse tipo de aglomeração partidária é que uma perspectiva clara de poder consegue comprometer o partido por inteiro, mas o espaço para decisões coletivas em relação a uma candidatura é sempre restrito. O candidato tem uma espécie de poder presidencialista sobre sua campanha e o exerce como se fosse o síndico do partido: toma as decisões por delegação. Se é bem sucedido, obtém apoios e mantém uma certa coesão em torno de seu nome. Quando decresce nas intenções de voto, todavia, corre o risco de ser o síndico de uma massa inorgânica e ficar isolado na disputa. O governador de São Paulo se arrisca ao isolamento, antes mesmo de resolver assumir oficialmente a sua candidatura, se não conseguir reverter as pesquisas.
Essa não é uma situação inusitada no PSDB. Nas eleições de 1989, as primeiras diretas para presidente depois de um período de ditadura, o partido praticamente obrigou o então senador Mário Covas a se candidatar a presidente, como uma missão para tornar o recém-criado PSDB conhecido do eleitor. Como não deslanchou, Covas terminou as eleições praticamente sozinho. Em compensação, munido de sua delegação presidencialista, conseguiu passar por cima das resistências dos demais líderes tucanos e apoiou o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, no segundo turno eleitoral, contra as pretensões de Fernando Collor de Mello, do PRN, partido de ocasião que o elegeu presidente.
Nas eleições de 2002, o candidato José Serra atropelou o outro pretendente do PSDB à Presidência – o senador Tasso Jereissati (CE), hoje uma possibilidade para compor a chapa de Serra como vice – e saiu candidato à sucessão do tucano Fernando Henrique Cardoso. Quando ficou claro que sua candidatura não deslanchava, um movimento no interior do partido ganhou o próprio mercado financeiro, que começou a especular em torno de sua substituição como candidato. O país sofreu um “efeito Serra” na economia antes mesmo de se intensificar o “efeito Lula” que levou o dólar às alturas, frente ao real.
Especulou-se ativamente com a derrota do candidato tucano antes mesmo de se iniciar oficialmente o processo eleitoral. Serra não foi substituído, mas sua candidatura não decolou. Foi derrotado pelo PT de Luiz Inácio Lula da Silva depois de percorrer o caminho que Geraldo Alckmin faria também nas eleições seguintes, as de 2006: teve nas mãos uma “delegação presidencialista” na campanha eleitoral, com enorme autonomia em relação ao partido na definição de estratégias política e, nas vésperas da derrota, amargou o isolamento. Quando se configura a derrota, ocorre, via de regra, o descolamento das eleições estaduais do partido em relação ao candidato presidencial. Os candidatos nos Estados preservam seus redutos, a despeito dos interesses da candidatura presidencial.
Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, as condições para a vitória se localizaram fora do partido: o Plano Real, engendrado por um núcleo tucano de economistas e posteriormente com paternidade assumida pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso; e a continuidade de um governo que havia estabilizado a economia. O projeto de poder foi solidificado porque ganhou organicidade quando coincidiu com o de um setor da sociedade que emergia, na esteira de uma proposta liberal de organização econômica assumida pelo plano lançado no governo Itamar Franco e aprofundado nos dois governos de FHC. Nas duas eleições seguintes, que levaram e reconduziram Lula ao poder, os interesses dos grupos sociais que estabeleceram relações orgânicas com o PSDB e seu aliado, o DEM, foram definidos mais por oposição ao projeto político do PT do que propriamente por relações umbilicais com os dois partidos. A organicidade foi estabelecida de fora para dentro.
O problema da falta de coesão interna é que o partido consegue se manter como representante ideológico de setores sociais só quando se configura como a antítese de projetos de poder dos setores que a eles se opõem. Assim, precisa ter candidatos altamente competitivos porque, dividido, tem fracas possibilidades de construir candidaturas e lideranças novas. E, nos intervalos eleitorais, tem que suprir a ausência de organicidade por um discurso agressivo, quase ofensivo, que o possa manter como a antítese do poder vigente, aquele que polariza com um outro projeto de poder.
A dificuldade de formulação de programas alternativos a um que está no poder decorre das limitações de um partido com elos internos frouxos. Por “delegação presidencialista” ao candidato nacional, a proposta doutrinária acaba se originando na campanha do postulante à Presidência, não é uma formulação partidária. Assim, a doutrina acaba servindo muito pouco à coesão interna e à elaboração orgânica de um programa como representante dos interesses de determinados grupos sociais. Daí, volta a prevalecer o bate-boca como instrumento de campanha, em substituição ao debate programático.
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