Saúde em Ubatuba: tragédias evitáveis
Entenda como o recente sofrimento do Prof. Maurício, de Caio Giraud de suas famílias e tantos outros poderiam ser evitados por uma gestão mais eficaz do sistema de saúde pública municipal.
Maurício Moromizato
A saúde pública é uma área complexa e de grande impacto na qualidade de vida e na morte das pessoas. Há tempos que as atitudes, fatos ocorridos e resultados (ou falta de) vêm mostrando que a atual administração municipal faz uma gestão amadora e que beira a irresponsabilidade. Tanto na Santa Casa como no resto do município. Hoje, domingo, li mais um relato desse porte no Jornal “a Cidade”, sobre o falecimento do jovem Caio Giraud, atendido no Posto de Saúde da Maranduba, em 07 de Fevereiro. (O coração de Ubatuba quer bater de verdade, pág. 02).
No dia 13 de fevereiro o Prof. Maurício faleceu. Diagnóstico final: aneurisma intracraniano com hemorragia cerebral subaracnóide. A prefeitura não poderia evitar que o paciente tivesse este aneurisma, porém poderia sim ter evitado o “trágico” e sofrido processo assistencial pelo qual passou o Prof. Maurício. O relato detalhado do processo assistencial já foi descrito pela Sra. Zelma Landi, mãe do Prof. Maurício no dia 18/02/2010 sob o título “O soro da virose ou da vergonha” (disponível nos meios virtuais).
Não podemos afirmar que se o sistema de saúde pública de Ubatuba fosse eficiente e estruturado, o falecimento do Professor Maurício e do jovem Caio seriam evitados. Os fatos mostram porém, que a forma trágica de seu desenlace e muito sofrimento (do paciente e de seus familiares) poderiam sim ser evitados, pois foram consequências da desestruturação do sistema municipal de saúde e da falta de compromisso com a qualidade dos serviços de saúde prestados à população, como comprovam o corajoso relato de dona Zelma, mãe do professor e de Daniela, irmã de Caio.
Por responsabilidade, procurei a opinião de uma especialista no assunto Saúde Pública. Em nossa conversa, concordamos que a falta de compromisso com a qualidade dos serviços prestados fica evidente nos relatos descritivos citados, do sistema de triagem implantado no hospital e no Posto de Saúde e da postura dos diversos profissionais que assistiram os pacientes. Esta falta de compromisso também se evidencia pela carência de profissionais especialistas. As falhas não foram individuais dos profissionais de saúde em ação, nem podem ser generalizadas a todos os trabalhadores da saúde (os relatos fazem justiça aos bons profissionais). Essas falhas devem ser interpretadas como o reflexo, no atendimento, da irresponsabilidade da gestão municipal da saúde pública.
Como quem critica deve mostrar alternativas, seguem algumas soluções possíveis:
Profissionalizar a área de gestão de pessoas (com ferramentas como gestão por resultados, avaliações qualitativas, gestão compartilhada de coletivos)
Aplicar de maneira correta os conceitos da Política Nacional de Humanização (PNH) para organizar as “portas de entrada” do sistema, isto é, para organizar a priorização no atendimento à demanda espontânea dos pacientes que chegam aos locais onde é prestada assistência de saúde pública.
Implantação de um “sistema de regulação”. Um sistema de regulação é, resumidamente, a organização geral dos serviços de saúde desde a contratualização adequada dos prestadores de serviços, passando pela disponibilidade de unidades móveis (ambulâncias) adequadas, até a correta programação e pactuação de serviços de referência nas complexidades que não estão disponíveis no município (UTI, por exemplo).
Controle social efetivo pela comunidade, com exigência para que o Conselho Municipal de Saúde atue de forma independente do executivo municipal e faça seu papel constitucional, bem como que se reinstale um conselho gestor na Santa Casa e nas Unidades de Saúde do Município.
O falecimento do Prof. Maurício é uma perda enorme para a comunidade ubatubense e a cidade sentiu... Isto ficou evidente pelo número de jovens, alunos do Prof. Maurício, presentes no funeral. No caso do jovem Caio, o relato aponta para a mesma intensidade de sofrimento. A perda imensa nos causa tristeza e faz parte da vida. Porém, o sofrimento evitável pelo qual este grande professor Maurício e o jovem Caio e suas famílias passaram nos causam outro sentimento: indignação.
Por isso, honrar a força do Prof. Maurício, do jovem Caio e suas famílias, para que eles não tenham sofrido em vão, passa por lutar para que:
1 - Os prestadores de serviço de saúde sejam contratados adequadamente pela Prefeitura...
...para que todo ser humano que chegue à Santa Casa da cidade ou a qualquer Posto de Saúde Municipal na situação em que chegaram os pacientes mencionados tenha o atendimento adequado, feito por profissionais competentes e compromissados, garantindo qualidade de atendimento e melhores resultados.
2 - Sejam disponibilizadas unidades móveis adequadas às necessidades da população...
...para que todos que apresentem quadros graves como os citados tenham o devido transporte, com a urgência necessária. E que, obviamente, este atendimento seja gratuito. Isso implica investimentos possíveis de serem feitos em aquisições de novos veículos e na manutenção adequada dos mesmos.
3 - Correta programação e pactuação de serviços de referência nas complexidades que não estão disponíveis no município...
...para que os próximos pacientes que precisem de uma UTI e não há nenhuma disponível na cidade, possam ter a garantia que o sistema de saúde pública do município encaminhará com rapidez o paciente para um outro local específico, já acordado previamente para receber os pacientes de Ubatuba (através da Programação Pactuada e Integrada/SUS); e assim os pacientes não precisam depender de que seus familiares consigam, através de suas relações de amizade pessoal, vagas em serviços de alta complexidade em outra cidade, uma preocupação que consumiu a família do Prof. Maurício nos seus últimos dias de vida.
O sofrimento dos pacientes poderia sim ser evitado se os responsáveis pelo governo municipal tratassem a saúde de forma profissional e competente. Cabia a eles evitar este sofrimento e não o fizeram. Cabe a nós fazer com que este sofrimento não seja em vão. Se nós, cidadãos de Ubatuba, conseguirmos nos organizar para cobrarmos dos administradores que eles façam o seu trabalho, mudaremos este estado lastimável da saúde em Ubatuba e, enfim, honraremos a passagem do Prof. Maurício e do Caio. Se fizermos isto, transformaremos estas tragédias evitáveis na última grande lição destes estimados cidadãos.
Maurício Moromizato
Cirurgião Dentista e Ex-Presidente do Conselho Municipal de Saúde
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