quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Noves fora. A história não se esgota com o a perda das laranjas?
Entre 5 e 7 mil pés de laranja. A precisão da mídia ficou por conta apenas da imagem que, tantas vezes repetida, parecia buscar a permanência eterna. O trator visto assim do alto - salve Paulinho da Viola - mais parecia um brinquedo passando por cima de enfeites perfeitamente enfileirados e espaçados.
A ação de militantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra que ocupavam fazenda arrendada pela Cutrale visava chamar atenção para um impasse judicial que discute a titularidade daquelas terras com o INCRA. O feitiço virou contra o feiticeiro e o foco acabou se concentrando no ato de vandalismo do MST.
Tomemos a pior hipótese, mesmo sabendo que a mídia não é de facilitar as coisas para o MST. Foram sacrificadas sete mil laranjeiras em plena produção e prontas para a colheita. Conta pra cá, pra lá, produtividade, espaçamento, número e peso de caixas por pé médios, conclusão: cerca de dois milhões de frutos podem ter sido destruídos.
Sem dúvida um crime que recebeu a condenação quase geral da sociedade e levou o movimento a ganhar uma CPI que os aparelhos ruralistas tentavam, sem êxito, obter.
Espanta-me pensar em tantas alternativas de protesto sem que fosse necessário agredir a natureza e que, certamente, trariam repercussão maior e positiva. Por exemplo: convidarem-se para a inauguração do Club A do transfigurado apresentador Amaury Jr.
Mas, então, noves fora, a história se esgota com a perda das laranjas, as imagens tristes e a CPI? Nada disso. O fato merece discussão mais ampla.
Comecemos pela Cutrale, empresa emblemática do cartel que existe no setor e há muito tempo responsável por milhões de laranjas perdidas em razão dos preços que paga pelo produto e que não cobrem os custos dos produtores, dos contratos com cláusulas leoninas, e das constantes mudanças de regras nas épocas de colheita.
A partir dos anos 1990, a citricultura nacional passou a ser prejudicada por um cartel que faz da destruição do pomar pelo MST doce veneno. O complexo citricultor é um dos mais cartelizados do País, mas nem por isso dá CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico), cadeia, ou CPI.
A indústria se concentra em quatro empresas (Citrovita, Cutrale, Fischer e Louis Dreyfus) que, em parceria com grandes engarrafadoras (Coca, Pepsi, etc.), controlam o processo desde a produção da fruta até o suco nos supermercados.
Em menos de quinze anos, mais de 20 mil citricultores abandonaram a cultura em São Paulo. Alguns se mudaram para o complexo sucroalcooleiro, um pouco mais brando. Hoje, a indústria da laranja já produz 50% do produto que processa.
Claro que ouviremos da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação, incensada no último artigo do ex-ministro Roberto Rodrigues, na Folha, como excepcional defensora da agropecuária nacional, que a balança comercial, patatipatatá.
Não acreditem. Não é de hoje que o Brasil é líder na produção e exportação de laranja. Com uma vantagem. Antes do cartel isso se espalhava com força por um universo de pequenos e médios produtores altamente capacitados que residiam em municípios citricultores gerando emprego e renda. A industrialização podia ser feita através de cooperativas, como a FRUTESP, e os preços eram negociados entre o campo e a indústria com mediação do governo, balizados pelo mercado internacional. Nada disso existe mais.
Exercer o poder econômico dessa forma também é ato de vandalismo. Com repercussões muito maiores.
Não esperem que isso dê em CPI. E se desse, todos sabemos como terminaria.
Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.
Fale com Rui Daher: rui_daher@terra.com.br
enviado por Rui Alves Grilo
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