Nosso entendimento da crise venezuelana é prejudicado pela qualidade da mediação informacional disponível. De um lado, temos o reducionismo sensacionalista das agências e dos grandes veículos. De outro, um microcosmo subjetivo de testemunhos e opiniões selecionados segundo critérios de variadas conveniências.
Quem usa sentidos diversos de “golpe” e “democracia” ao tratar de Brasil e Venezuela fala sobre qualquer coisa, menos de golpe e democracia. Fala muitoNinguém sabe direito o que se passa na Venezuela. Nem a tal “mídia progressista” estrangeira, a julgar por suas fontes. De qualquer forma, não precisamos de intérpretes para notar que a narrativa da ditadura ilegítima e consensualmente odiada é tão frágil e questionável quanto a narrativa do levante imperialista contra os heróis bolivarianos.
Falto de base empírica, o debate sobre o assunto virou um mosaico de respostas a polêmicas da atualidade brasileira, projetadas para o universo vizinho. Na esfera antipetista, a vilanização caricatural de Nicolás Maduro tem óbvias referências locais. Também o repúdio intempestivo à Assembleia Constituinte, um fantasma que ronda o reformismo hipócrita da direita verde-amarela.
Mas nem tudo prima pela coerência nesse jogo de projeções. Boa parte dos argumentos negativos usados contra Maduro poderia servir para a desqualificação de Michel Temer, da Lava Jato, do impeachment e até dos governos estaduais tucanos. Ideias que no Brasil seriam estigmatizadas como “petralhas” ganham status civilizado ao tratar da Venezuela.
Segundo os democratas conterrâneos, ditadores abocanham o poder manipulando normas constitucionais. Enviam polícias e mascarados para reprimir manifestantes. Compram apoio da mídia com publicidade estatal. Destroem adversários através de arbítrios judiciais. Aparelham as cortes e aliciam magistrados. Subornam congressistas.
Soa familiar?
Sintomaticamente, a maioria dos ataques apaixonados à ditadura venezuelana vem de pessoas que jamais qualificam o impeachment brasileiro como golpe parlamentar. São intolerantes com “bandidos de estimação”, fãs de juízes e procuradores ativistas, inimigos de acordos de governabilidade, incrédulos quanto ao sistema representativo no país.
Sim, os contextos (sempre) são diferentes, mas aqui o álibi perspectivista vale pouco. Não interessa o conflito de posicionamentos. A questão é baseá-los em conceitos volúveis, que se transmutam ao sabor das conclusões desejadas: a identidade do réu definindo a essência criminosa do ato. O exemplo jurídico, tão atual e assustador, mostra a força deletéria da esquizofrenia “pós-verdadeira”.
, certamente, de si mesmo. Essa revelação involuntária, se não ajuda a compreender a crise alheia, fornece pistas interessantes sobre as nossas próprias vicissitudes.
http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2017/08/como-e-o-brasil-da-sua-venezuela.html
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