domingo, 31 de maio de 2015

Corrupção e impunidade



O PIG – Partido da Imprensa Golpista — há alguns anos tenta convencer a população brasileira, com relativo sucesso, que a corrupção é coisa recente, quase uma “invenção” do PT. Até podem admitir que ela existia marginalmente, em estado de letargia. Mas o “monstro” despertou e cresceu nos governos petistas, tornando-se prática corrente Há dez anos batem diuturnamente, rádio, jornal e tevê nos episódios do “Mensalão” e do “Petrolão”, da operação Lava Jato. Para isso criaram dois “heróis nacionais”: os justiceiros Joaquim Barbosa e Sérgio Moro, do Paraná. Falsos heróis, como já se viu (o Barbosão”) e logo se verá (Moro).

A corrupção existe em todas as sociedades desde suas origens. No Brasil ela campeou solta desde o início do período colonial, império e república.

No Brasil Colônia suas formas correntes eram a sonegação fiscal e o contrabando, que perpassaram os ciclos do pau brasil, da cana de açúcar e do ouro. D. João VI aportou no Rio em 1808, fugindo da invasão napoleônica e nomeou o barão Francisco Maria Targini seu Tesoureiro Mor. Em pouco mais de uma década o Tesoureiro Mor de ilícito em ilícito, construiu uma imensa fortuna. Contrariou interesses também poderosos que pediram sua cabeça a D. João VI. Não lograram êxito: Targini mostrou que era um verdadeiro “amigo do rei”: contando com a proteção do conde D’Arcos, não foi punido e ainda lhe foi concedido o título de visconde. Voltou para Portugal com a família real na posse de uma considerável fortuna. Este episódio é sintetizado numa famosa quadrinha: “quem furta pouco é ladrão; quem furta muito é barão; quem mais furta e mais esconde, passa de barão a visconde”. Maria Targini foi o nosso primeiro “intocável” ilustre. Como se sabe, nos dois séculos seguintes surgiram muitos outros.

Nos primeiro e segundo reinados há registros de descumprimento ostensivo das leis anti-escravatura por membros do primeiro escalão do próprio governo. O primeiro ministro de D. Pedro II, marquês de Olinda e o ministro da Justiça Paulino de Souza faziam “vistas grossas” ao tráfico de escravos proibido pela lei Eusébio de Queiroz, sancionada em 1850. Garantiam, assim, mão de obra que movimentava suas propriedades e da “coronelada” dona de grandes latifúndios.

Depois de 1989, na velha República “café com leite” imperaram os absurdos subsídios aos detentores do poder, os “barões do café”. Com ampliação do direito ao voto, campeou, também a corrupção eleitoral aberta sendo prática comum o voto comprado e a “cabresto”. A oligarquia se perpetuava no poder.

No período 1930 a 1945, a primeira fase da era Vargas, surgiu uma outra personagem que se tornaria um mito precursor da corrupção paulista. Ademar de Barros, nomeado interventor por Vargas após a derrota de São Paulo na revolta “constitucionalista” de 1932 começou aí sua longa e bem sucedida carreira política. Elegeu-se prefeito e governador de São Paulo e, paralelamente, foi acumulando uma considerável fortuna. Como à época — anos quarenta e cinquenta — a remessa ilegal de dinheiro para o exterior através de contas CC5 não existia, Ademar guardava os preciosos dólares acumulados — dezenas de milhões —, em grandes cofres instalados em “bunkers” espalhados por todo estado. Um dos seus slogans de campanha ficou famoso: “rouba mais faz”. Um segundo “intocável” ilustre, que mais tarde seria substituído por um terceiro “intocável”, um mestre dos desvios e ilícitos, Paulo Malluf.

No governo JK — 1956/1961 — que alguns denominam de “anos dourados” houve denúncias de superfaturamento e desvios na construção de Brasília: o excesso de gastos com utilização de recursos do sistema previdenciário deu origem a um longo período de espiral inflacionária.

Os vinte e um anos da ditadura militar (1964/1985), apesar da censura à imprensa, foram marcados por inúmeros escândalos de corrupção. Grandes obras superfaturadas foram denunciadas: ponte Rio-Niterói, Transamazônica, Ferrovia do Aço, dentre muitas outras. Na área previdenciária os desvios da Capemi e na área financeira os escândalos do Grupo Delfin e da Coroa-Brastel. Aqueles que hoje protestam pedindo a volta da ditadura militar ou são velhos de má memória ou jovens que não viveram o período. É claro que isso não os exime da responsabilidade: antes de pedir uma absurda “volta ao passado” deveriam consultar os registros históricos e jornalísticos do período.

O primeiro presidente eleito depois da ditadura, Fernando Collor, foi deposto por denúncias de corrupção e prática de ilícitos. PC Farias seu “operador de mal feitos” foi morto numa operação de “queima de arquivos”. Em compensação deixou um discípulo, Eduardo Cunha que prosperou e até se tornou presidente da Câmara Federal. Adquiriu o status de “intocável.

O governo FHC foi, muito provavelmente, “campeão” da corrupção na história brasileira. Nos seus oito anos entre 1995 e 2002 foram vendidos a preço de banana centenas de bilhões do patrimônio público em operações descritas no livro “A Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro. Surgiu no período outro poderoso intocável: Daniel Dantas, salvo duas vezes da prisão por liminares de Gilmar Mendes. Houve também a maciça remessa ilegal de dólares para o exterior através de contas CC5 num montante, fala-se, superior a 250 bilhões de dólares. Dentre os 91 indiciados na CPI do Banestado estava o nome de Gustavo Franco um dos presidentes do Banco Central do governo FHC. Como sempre, ninguém foi condenado ou preso. Segundo apurações da operação Lava Jato o início dos desvios da Petrobras datam de 1997, terceiro ano do primeiro governo FHC.

Por fim, nos governos Lula/Dilma (2003/2015) tivemos o episódio do “mensalão”, ao que tudo indica uma repetição de prática já ocorrida no governo FHC para conseguir os votos suficientes para aprovar a emenda da reeleição. Só que a grande mídia deu ao episódio uma dimensão muito maior do que ele realmente merecia: os tradicionais “mal feitos” que o Executivo faz para conseguir os votos necessários no Congresso. O velho “toma lá da cá”. O ataque ao PT e a uma de suas maiores figuras, o ex-ministro José Dirceu, foi impiedoso: depois de muito tentar o PIG, comandado pela Globo, conseguiu seu velho objetivo: ferir mortalmente o PT. Não que os desvios de rota, os acordos e as práticas da velha política não tivessem, como efetivamente tiveram, contaminado boa parte do partido. Mas paulatina transformação do PT, que aos poucos foi perdendo o norte e se “domesticando”, não foi o suficiente para a oligarquia, que tem um objetivo central: varrer o PT do cenário político brasileiro, reduzindo ou eliminando seu potencial eleitoral.

Três outros episódios vieram ao conhecimento público nos últimos anos: os desvios na Petrobras originaram a operação Lava Jato, que ganhou excepcional destaque na grande mídia. Objetivos: atingir o PT e desvalorizar a Petrobras com vistas a uma futura privatização. Outros dois escândalos, de proporções ainda maiores, tiveram pouca — quase nula — divulgação na grande mídia. A operação Zelotes esta investigando a sonegação de 19 bilhões de reais envolvendo grandes empresas, dentre elas a Gerdau. Corrupção da grossa de poderosos empresários, não interessa ao PIG divulgar. Idêntico tratamento teve um segundo escândalo, o do HSBC. Foi descoberta a existência de mais de oito mil contas de brasileiros que sonegaram impostos e “lavaram” centenas de bilhões de dólares enviados ilegalmente para o exterior A turma da “pesada” — donos de redes nacionais de rádio tevê, de grandes jornais, empresários, banqueiros, a velha oligarquia cabocla — impede a divulgação na grande mídia e determina marcha “a passos de cágado” na apuração dos ilícitos.

Paulo Muzell é economista.
No Sul21, via http://www.contextolivre.com.br/2015/05/corrupcao-e-impunidade.html

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