Gilberto Freyre, nosso antropólogo maior, era otimista quanto ao Brasil. Em vez de procurar os nossos males, destacava os nossos paradoxos, que sutilmente chamava de equilíbrio de antagonismos: “Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, como já salientamos às primeiras páginas deste ensaio, um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A economia agraria e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. 0 pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo”. Não é bonito?
Lima Barreto conheceu o “lado b” desses antagonismos. Talvez por isso fosse mais pessimista: “Abriu a porta; nada viu. Ia procurar nos cantos, quando sentiu uma ferroada no peito do pé. Quase gritou. Abaixou a vela para ver melhor e deu com uma enorme saúva agarrada com toda fúria à sua pele magra. Descobriu a origem da bulha. Eram formigas que, por um buraco no assoalho, lhe tinham invadido a despensa e carregavam as suas reservas de milho e feijão, cujos recipientes tinham sido deixados abertos por inadvertência. O chão estava negro, e, carregadas com os grãos, elas, em pelotões cerrados, mergulhavam no solo em busca da sua cidade subterrânea”. Policarpo Quaresma não viveu na senzala, mas tampouco na casa grande.
Assim, Gilberto Freyre e Lima Barreto são complementares e antagônicos.
Quais são hoje os nossos antagonismos equilibrados: o corrupto e corruptor. O juiz com auxílio-moradia e o morador de rua com direito de ir e vir. O banqueiro que não paga juros e o usuário de cartão de créditos que se tornou inadimplente. O jogador de futebol que, ganhando um milhão por mês, reclama do salário atrasado e o trabalhador que, ganhando mil reais por mês, gasta tudo adiantado. O político em campanha e o mesmo político depois de eleito. O representante do povo e o povo que não se vê representado. A economia da especulação financeira com alta taxa de retorno e a do trabalho mal pago que não cobre a volta para casa.
O agronegócio e a agricultura familiar. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o capitalista e o descapitalizado.
Nem as formigas nos tiram o ânimo. Estamos em fevereiro. Entre Gilberto Freire e Lima Barreto, antagonismos equilibrados, ficamos com Sérgio Buarque de Holanda: “Entre nós, o domínio europeu foi, em geral, brando e mole, menos obediente a regras e dispositivos do que à lei da natureza. A vida aqui parece ter sido incomparavelmente mais suave, mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais, e morais”. Gostamos dessa parte. Achamos que nos representa. Além do mais, Sérgio é pai de Chico Buarque.
Que síntese melhor de uma nação?
Só a feita por Paulo Roberto Costa, que botou PT, PMDB, PSDB e PP no mesmo saco.
Todos continuarão colhendo sem plantar.
http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=6949
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