Em alguns momentos um simples pedaço de informação age como um catalizador para diversas conexões e dali nasce uma hipótese. Quem não se fascina pela dúvida merece mesmo a ignorância que ronda a certeza. Foi o que aconteceu comigo ao terminar de ler o interessante artigo “Os dedos sujos de óleo” de Luciano Martins Costa publicado pelo Observatório da Imprensa que defende a tese de que o turbilhão de informações sobre a crise da Petrobras tem mais o objetivo de confundir do que esclarecer. O autor fecha o texto com a seguinte frase “o bombardeio constante e diário de notícias sobre a corrupção esconde outros aspectos desse jogo.”
Sabemos que o jogo do petróleo é dominado por grupos de poder que possuem força a qual não é possível contabilizar só pelos seus balanços contábeis, mas também pela influência política e militar que desempenham. Penso que isto é claro para todos, mas quais seriam os outros as aspectos que estariam ocultos no jogo envolvendo a crise da Petrobras?
Seria uma ingenuidade avaliar este escândalo que atormenta o país desconsiderando o pré-sal. Por mais que o leitor discuta se a corrupção nas empresas do governo foi maior ou menor na gestão PT (não é minha intenção discutir isso aqui) é possível identificar um sensato consenso de que a corrupção sempre fez parte do cotidiano destas empresas, bem como nas outras instituições do Estado. No entanto, a descoberta do pré-sal é uma exclusividade histórica de tamanhas proporções que pode tornar o Brasil um dos maiores produtores e exportadores deste recurso do mundo. Se o leitor esqueceu o tamanho disso por causa do ruído da imprensa, vale a pena ver novamente. Procurem em qualquer fonte de informação: a reserva é colossal e não pode ser subestimada.
Não importa se você é tucano, petista, liberal, socialista, moderado, social democrata, coxinha, reaça, petralha, comuna, playboy, hipster, pagodeiro ou qualquer outra coisa, precisamos concordar que: quem ganhar esta briga que se prolifera histericamente na mídia tradicional vai levar este bolo todo para si ou para dividir com o seu clube. E você acha mesmo que este embate somente envolve atores políticos brasileiros? Vale a pena repensar, pois a globalização não se traduz em nações dando as mãos e comercializando produtos e serviços harmonicamente com uma musiquinha feliz ao fundo. Capitalismo é algo que tem no centro de sua lógica a competição. O ato competir também contempla o conflito, seja ele direto ou por meio da estratégia de inflamar e coletar espólios do conflito dos outros.
Não é a minha intenção elaborar teorias da conspiração para colocar minhocas da cabeça das pessoas, mas sim ampliar o debate. Por isso não citarei blogueiros aqui, mas fontes de notícias da mídia tradicional. O que não garante a verdade absoluta, pelo contrário se não fosse pelo trabalho do Glenn Greenwald como blogueiro talvez nunca saberíamos do caso Snowden e acredito que a maioria dos blogueiros são mais honestos do que as corporações da mídia, pois estes geralmente declaram e defendem o seu lado. Já a mídia tradicional age de maneira “obliqua e dissimulada”, tendo lado mas não coragem de lidar com as consequências de declará-lo abertamente. Entretanto, ao citar os que escolheram o seu lado da disputa em seus textos corro o risco de ser taxado como aquele que pinçou suas idéias de fontes convenientes a opinião que expressa. Nada me livrará totalmente de ser acusado disso mas, de qualquer maneira as minhas fontes estão aí. Acesse-as, some às suas e forme a sua opinião também.
Voltando ao tema, penso que a ascensão do Estado Islâmico (ou ISIS) é de determinante impacto na crise da Petrobras. No entanto para chegar a este ponto temos que voltar um pouco no tempo.
A mentira de destruição em massa
No dia 20 de Março de 2003 os Estados Unidos iniciou mais uma guerra contra o Iraque, também chamada como “Operação Liberdade do Iraque” a qual foi iniciada pelo presidente americano George W. Bush e pelo primeiro ministro britânico Tony Blair sob a alegação de que o Iraque estaria desenvolvendo armas de destruição em massa. O que se constatou como uma grande mentira como é possível ver aqui, aqui e por incrível que pareça até aqui.
Qualquer um com um pouco de conhecimento de geopolítica pode deduzir que aquela região tão castigada por regimes autoritários, conflitos e ocupações ao longo de sua história possui grandes reservas de petróleo e localização estratégica para sua distribuição. É tão claro que esse sempre foi o objetivo da guerra que nem preciso me estender muito sobre esse assunto.
Obama e a retirada
Sustentar diversas frentes de conflito é algo que consome muitos recursos, mas que depende antes de tudo de apoio popular. Barack Obama sentou a primeira vez na cadeira de presidente dos Estados Unidos em 2009 já com a missão — formalizada em sua campanha presidencial — de retirar os soldados do Iraque e do Afeganistão. Movimentar uma retirada da maior força militar do planeta não é uma tarefa fácil, ainda mais querendo manter o controle do principal recurso natural do local. É necessário neutralizar grupos rivais, instaurar um poder local que mantenha a ordem e que se consiga controlar à distância. Obama só conseguiu tirar seus soldados do Iraque em 2011 e é claro que o governo local não conseguiu segurar a bucha.
Quem me dera se eu estivesse falando da ISIS Valverde
O Estado Islamico, também chamado de ISIL — “Islamic State of Iraq and the Levant” ou “ISIS — ”Islamic State in Iraq and Syria” é um grupo armado cujas raízes remontam o ano 2000 em que o jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, ex-Al Qaeda juntou forças rebeldes para derrotar quaisquer grupos de poder que não seguissem a charia (lei muçulmana). De lá pra cá, o grupo atropelou rivais na mesma porporção de arrebanhou adeptos, aproveitou da fraca estrutura de poder deixada pelos americanos no Iraque e da instabilidade na Síria de Bashar al-Assad para tomar o controle de boa parte do território destes dois países e de suas bases de produção de petróleo.
Se esses caras conseguirem fazer tudo que prometem, serão uma espécie de novo império persa. E quando falamos de fundamentalismo religioso é possível esperar que eles usem qualquer coisa que tiverem acesso, seja armamento convencional ou coisas mais pesadas.
Uma boa fonte para entender o que é o Estado Islâmico e sua trajetória pode ser acessada aqui e aqui.
Em junho de 2014 o Estado Islâmico estabeleceu um califado. Ou seja, um regime de governo vitalício com transferência hereditária de poder o qual havia sido extinto na queda do Império Otomano. O Califa, além de líder político, possui uma ligação sagrada com o Profeta Maomé semelhante a que o Papa possui com São Pedro.
Após tomar o controle do petróleo da região sem ser um Estado reconhecido por outras nações, o Estado Islâmico estabeleceu um mercado negro para escoar sua produção, pois é lógico que eles não iriam deixar isso tudo aí parado. De acordo com matéria do Guardian, o óleo do califado já abastece a Turquia, a Jordânia e o Irã. Sabe-se lá para onde este petróleo vai quando chega nestes lugares. Um relatório da ONU divulgado pelo New York Times diz que o negócio já está gerando receitas de US$ 846.000,00 a US$1.645.000,00 por dia. Isto desestabilizou toda a indústria petrolífera.
Arábia Saudita, Irã e Russia: Uma briga paralela
Em meio a toda essa bagunça, temos que somar a Arábia Saudita (maior produtor de petróleo do mundo e grande aliado dos Estados Unidos), o Irã (tradicional rival da Arábia Saudita) e a Rússia (tradicional rival dos Estados Unidos).
Conforme noticiou a Reuters a Arábia Saudita recentemente assumiu um comportamento inverso ao da crise do petróleo de 73 e está mantendo o preço do barril em torno de US$ 65,00 quando geralmente este oscila perto dos cem dólares.
De acordo com a análise publicada, isso teria dois resultados: o primeiro enfraquecer o Irã por conta de seu apoio ao regime de Bashar al-Assad e por tabela fragilizar ainda mais a economia Russa a qual passa por uma crise no preço de sua moeda. Os dois países dependem dos cem dólares por barril para movimentar a sua economia.
A estratégia também atenderia aos anseios dos Estados Unidos e de seus aliados europeus, machucados pela ação de Vladimir Putin contra a Ucrânia a qual, sabemos, teve o intuito de controlar os gasodutos que abastecem a Europa, cujo maior dependente é a Alemanha.
E a Petrobras?
Com esse cenário nada estável, corporações dos Estados Unidos e diversas outras forças da indústria de energia precisam esticar os seus tentáculos para lugares nos quais haja uma perspectiva de boa produção e que tenham uma conjuntura política mais amena. Acredite, a nossa situação é mais amena que a do Iraque, Russia, Venezuela e outros países produtores de petróleo.
O pré-sal é, em minha opinião, algo como um daqueles bolos de centenas de metros que são feitos em comemoração ao aniversário de uma cidade. Milhares de pessoas, em uma situação de difícil controle ficam esperando o sinal para tirar uma lasca do bolo proporcional à sua envergadura.
Todo mérito aos que conduzem a operação Lava a Jato, não minimizo a importância deste caso, bem como desejo (como todos) a punição dos culpados. No entanto, existem interesses maiores em meio a esta história, sobretudo no que se refere a sua cobertura pela mídia tradicional.
Sinceramente acredito que o histerismo da mídia tradicional sobre o caso, às vezes baseando-se em informações parciais ou falsas, possui duas vertentes: A primeira é a de que a imprensa, sobretudo a mídia impressa, vive um período de crise com fechamento de redações inteiras devido à perda da fidelidade do leitor, pois este possui hoje diversas outras formas e fontes de informação. Mais do que nunca é necessário ser bombástico, chamar a atenção e assim garantir a rentabilidade, pois o que é importante para o anunciante é o destaque.
A segunda é que a mídia tradicional escolheu o seu lado na disputa. É ingênuo aquele que pensa que a mídia tradicional está do lado da verdade, imparcialidade e justiça, ou que opera para “o bem de todos e felicidade geral da nação” (desconfio que nem o autor dessa frase acreditava que estava fazendo isso quando a pronunciou). Veja esta entrevista com o dono da Abril e tire as suas conclusões.
A mídia tradicional é formada por corporações, assim como qualquer outra empresa privada é orientada pelo lucro e para atingir este objetivo se aliará a qualquer instituição seja ela governamental ou privada. Corporações não são boazinhas, elas podem operar manipulando os seus contatos diretamente ou criando um caminho de migalhas de pão que é percorrido por jornalistas ávidos em se destacar em meio ao ruído.
Outros “jornalistas” apressados nem checam as suas fontes e apelam para qualquer coisa, como no caso engraçadíssimo em que Rachel Sheherazade acreditou em um post humorístico e o usou como base para defender o deputado federal Jair Bolsonaro.
Em meio à tensão dos dedos acusatórios partindo e apontando para todos os lados, somados a interesses duvidosos nas cenas dos próximos capítulos estão você e eu.
É nesses momentos que devemos repensar as nossas convicções e tentar ampliar o foco da observação. Penso que a crise da Petrobras deixou de ser um problema doméstico para fazer parte do contexto geopolítico global dominado por atores muito mais poderosos que as empreiteiras corruptas de sempre.
Os atores deste jogo já escolheram o seu lado há tempos e temos que buscar a clareza em analisar as notícias para não deixar que eles escolham o nosso lado também.
De Carlos Cabral no site Medium.com
http://www.ligiadeslandes.com.br/18/02/2015/a-relacao-entre-o-estado-islamico-e-a-crise-da-petrobras/
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