O que você acharia de uma novela argentina que tivesse um personagem chamado “Brasil”? O nome do país seria dado a um homem feioso, estúpido, malandro, preguiçoso, covarde, invejoso e arrogante que tem uma vizinha virtuosa, bela, inteligente, esforçada, leal e humilde, vítima constante das armações do vizinho. O nome da heróina seria “Argentina”.
É sob esta ótica que peço que o leitor analise notícia sobre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, amplamente veiculada nos últimos dias, por ele ter proibido, em seu país, a exibição de uma produção colombiana que faz com a Venezuela o mesmo que a novela fictícia que inventei no parágrafo anterior faria com o Brasil.
Hugo Chávez determinou à rede de TV Televen que pare de transmitir a novela colombiana “Chepe Fortuna”. A Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações) avaliou que o programa “subestima a inteligência dos telespectadores” devido ao tratamento dado a duas personagens, as irmãs Colômbia (bonita, correta e cheia de virtudes) e Venezuela (feia, malandra e histérica).
Em um dos episódios, Venezuela entra em desespero ao ser informada de que perdeu seu cachorrinho de estimação, Huguito. “O que será de mim sem ele?”, pergunta, desconsolada. “Você será livre, Venezuela! Porque Huguito ultimamente andava se metendo nas casas alheias, o que te deixava mal perante os outros”, foi a resposta.
Em outro momento da série, a personagem descobre que está grávida e decide que seu filho vai se chamar Fidelito.
Segundo a Conatel, há uma “manipulação descarada no roteiro para desmoralizar a população venezuelana”.
A mesma mídia que acusa Chávez de promover censura se cala sobre o documentário da BBC de Londres “Beyond Citizen Kane”, proibido no Brasil desde a estréia, em 1993, por decisão judicial, por tratar das relações sombrias entre a Rede Globo e grupos políticos, dentre os quais os que promoveram a ditadura militar brasileira.
É discutível a decisão de Chávez de proibir uma obra artística, ainda que seja possível entender que qualquer povo fique ofendido com uma novela como a colombiana. Todavia, uma mídia que pede censura a fatos indiscutíveis sobre seu tentáculo mais poderoso não tem a menor moral para acusar o presidente da Venezuela de censor.
Veraz, minucioso, aterrorizante mesmo. “Beyond Citizen Kane” ou “Muito Além do Cidadão Kane” – em tradução livre - é um documentário britânico dirigido por Simon Hartog e exibido em 1993 pela emissora pública do Reino Unido, a BBC de Londres.
O documentário mostra as relações entre a mídia e o poder do Brasil, focando na análise da figura de Roberto Marinho, fundador da Globo. Embora o documentário tenha sido censurado pela justiça, em 2009 a Rede Record comprou os direitos de transmissão exclusiva, por 20 mil dólares, do produtor John Ellis.
A primeira exibição pública do filme no Brasil ocorreria no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), em março de 1994. Um dia antes da estréia, a Polícia Militar recebeu uma ordem judicial para apreender cartazes e a cópia do filme, ameaçando, em caso de desobediência, multar a administração do MAM-RJ. O secretário de cultura acabou sendo despedido três dias depois.
Durante os anos 1990, o filme foi mostrado em universidades e eventos sem anúncio público de partidos políticos. Em 1995, a Globo entrou com um pedido na Justiça para tentar apreender as cópias disponíveis nos arquivos da Universidade de São Paulo (USP), mas o pedido foi negado. O filme teve acesso restrito a grupos universitários e só se tornou amplamente visto a partir do ano 2000, graças à popularização da internet.
NÃO DEIXE DE ASSISTIR
Nenhum comentário:
Postar um comentário