Ana Cláudia Barros, Terra Magazine
“A principal fonte de circulação do dinheiro do crime-negócio no Rio de Janeiro não está na venda de drogas, mas no comércio de armas. A explicação é do sociólogo Dario Sousa e Silva, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Uerj. Na quinta-feira (25), durante a ocupação da Vila Cruzeiro - uma das favelas mais violentas do Rio -, pela polícia, uma imagem chamou a atenção: a fuga de centenas de criminosos carregando fuzis.
Sousa destaca que tanta reação à política das Unidades de Policía Pacificadora (UPPs), apontada pela Secretaria de Segurança fluminense como uma das justificativas para a onda de ataques, tem motivo. Segundo ele, as UPPS não se resumem apenas à ocupação territorial, "mas a uma tentativa de bloquear essa série de outras atividades ligadas ao tráfico de drogas, das quais o tráfico depende".
- Se não há a venda de drogas, que determina uma série de outras dinâmicas, e se não há confronto entre as diferentes quadrilhas, não há demanda por arma nova. Então, o advento da UPP interrompe uma série de outras atividades ilegais que participam do crime-negócio.
E acrescenta:
- O lucro obtido através da venda de armas só acontece se há combate entre as facções. Para o traficante de armas, que, frequentemente, é o mesmo fornecedor de drogas,interessa que existam diferentes facções que se digladiem - afirma, dizendo achar improvável que os rivais Comando Vermelho (CV) e Amigos dos Amigos(ADA) articulem uma ação conjunta, conforme vem sendo aventado.
Na análise do sociólogo, a solução para o problema crônico da violência no Rio não passa exclusivamente por uma ação militar.
- A população não pode deixar se enganar por uma possível compreensão de que a favela é o lugar do crime, da falta de ordem, é um lugar que não precisa ou merece ser integrado à vida cidadã e coletiva. É importante que ela esteja ao lado das forças da ordem, das forças da inclusão. Esse é um momento em que tradicionalmente a gente põe para fora os nossos maiores medos e preconceitos. Essa solução só se resolve se superamos esses preconceitos. Seja o preconceito do policial em relação ao morador que ele está atendendo, seja o preconceito daqueles que agora estão encolhidos em suas casas com medo de retomarem suas rotinas nas ruas, seja o preconceito do morador que vive na comunidade em relação ao resto da cidade. O importante é que o Rio de Janeiro costure a cidade partida.
Terra Magazine - O governo do Rio de Janeiro afirma que as ações criminosas são reação à política de ocupação de territórios do tráfico, por meio das Unidades de Polícia Pacificadora. Fala-se ainda que os episódios de violência seriam motivados pela transferência de líderes do tráfico de drogas para presídios fora do Rio de Janeiro. São, na sua avaliação, explicações plausíveis? Haveria outras motivações?
Dário Sousa e Silva - É plausível, sim, mas não pode ser resumida só a essas duas medidas. A principal fonte de circulação do dinheiro do crime-negócio no Brasil e no Rio de Janeiro, claro, não está na venda de drogas, mas no comércio de armas. O Rio não está na rota internacional do grande tráfico. Ele é um ponto de passagem da droga, que, em parte é produzida no Nordeste, no caso da maconha, e sua grande maioria vem do interior da América do Sul, através do Paraguai, Mato Grosso, São Paulo e toda aquela linha que foi paralisada pelo Primeiro Comando da Capital. Então, esta é a rota do tráfico de drogas. O Brasil e o Rio são muito mais consumidores do que pontos de grande distribuição de drogas.
Você menciona o tráfico de armas. Quem estaria articulando isso? São os próprios traficantes de drogas?
Há sempre associado às drogas uma série de outras atividades ilegais, como a gente tem acompanhado pelos próprios noticiários. O jogo, a prostituição, a cobrança ilegal de tarifas sobre o gás, transportes alternativos. Então, na verdade, o crime-negócio é uma rede que não se resume a apenas aquele ganho com o tráfico de drogas. Uma dinâmica que é interrompida pelo fenômeno dessa política das UPPS. Dessa forma, essa dinâmica não consegue se fechar, se articular. O lucro obtido através da venda de armas só acontece se há combate entre as facções. Para o traficante de armas, que, frequentemente, é o mesmo fornecedor de drogas, interessa que existam diferentes facções que se digladiem.
Se não há a venda de drogas, que determina uma série de outras dinâmicas, mas que não se resume à venda de drogas, e se não há confronto entre as diferentes quadrilhas, não há demanda por arma nova. Então, o advento da UPP interrompe uma série de outras atividades ilegais que participam do crime-negócio. A questão da UPP não se resume a apenas ocupação territorial, mas a uma tentativa de bloquear essa série de outras atividades ligadas ao tráfico de drogas, das quais o tráfico depende.
Há um dado muito significativo nisso. As indústrias russas que produzem AK-47 nunca produziram tanto em tempos de paz. Estes fuzis não estão sendo usados para guerra do Iraque ou do Afeganistão, mas usados nos conflitos na África, no Haiti e nos conflitos gerados pelo crime-negócio na América do Sul. Os atravessadores são ilegais, mas a produção legal dessas armas na Rússia tem aumentando muitíssimo. E não se vive mais o período da Guerra Fria. Acho isso bastante significativo.”
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