por Luiz Carlos Azenha
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma história de vida comovente. Como, aliás, milhões de outros brasileiros. É importante registrar isso: o presidente da República não tem o monopólio do sofrimento, não é o único retirante que veio para São Paulo de pau-de-arara, nem derrotou sozinho a ditadura militar. A história comovente de Lula, portanto, existe em um contexto histórico específico, ao lado da história de milhões de brasileiros que sofreram e continuam sofrendo para garantir seus direitos mínimos.
Uma obra de ficção, especialmente uma obra que pretende atingir o grande público, como é o filme "Lula, o filho do Brasil", enfrenta grandes desafios, um dos quais o fato de que o personagem principal está vivo e no cargo de presidente da República. Por não se tratar de um documentário, é evidente que o filme fez algumas escolhas para justificar a trama e, ao mesmo tempo, manter alguma semelhança com a história real. Escolheu-se, por exemplo, falar dos dois casamentos de Lula, mas não do envolvimento dele com a mãe de Lurian.
Talvez porque o envolvimento de Lula com Miriam Cordeiro, que é um dado da biografia do presidente brasileiro, suscitasse dúvidas, revelasse fraquezas e colocasse Lula como um brasileiro como qualquer um de nós, sujeito às mesmas dúvidas, às mesmas inquietações, aos erros e acertos que são comuns em nosso cotidiano.
Escolhas. Quem fez o filme fez escolhas. Escolheu edulcorar a biografia de Lula. Elegeu maus: o pai de Lula (com a conveniente desculpa do alcoolismo), os militares. Elegeu santos: a mãe de Lula e o próprio. E nos ofereceu uma colcha de retalhos desconexa, em que os personagens cumprem mecanicamente suas funções. Há alguns bons momentos. Como contou a Conceição Oliveira com a força que faltou ao filme, há um bom diálogo em que Lula fala sobre a menina que morreu a caminho de São Paulo. Há alguns silêncios e olhares de Glória Pires que valorizam a personagem. Por conta disso, é a única com alguma profundidade psicológica.
O grande problema de filmes biográficos é que, para justificar sua própria existência, eles precisam dramatizar e superestimar o papel histórico dos indivíduos enfocados. E acabam cometendo injustiça. Por exemplo, com centenas de milhares de pessoas que também colocaram a vida em risco para combater a ditadura militar, muitos dos quais foram presos, torturados e mortos.
Lula é um de muitos retirantes que ajudaram a construir São Paulo. Lula é um de muitos que ajudaram a restaurar a democracia. Lula é um dos muitos que fizeram o Brasil ser o que o Brasil é hoje, um país cheio de virtudes e defeitos. Mas, para justificar sua própria existência, é natural que o filme destaque o indivíduo e despreze a multidão -- embora eu tenha dúvidas sobre se isso é saudável para a democracia brasileira.
Ainda assim, achei o filme esquemático, superficial e formulaico, no sentido de que pega carona no apego que qualquer um de nós tem pela história extraordinária e para nós emocionalmente rica de nossas próprias mães.
O filme não está à altura do verdadeiro Lula, que é um personagem mais rico, mais contraditório e, por isso mesmo, mais interessante.
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