De vez em quando é divertido assistir setores da imprensa enrolarem-se em suas próprias artimanhas para desgastar o governo. Eliane Cantanhede - que já foi processada por entidade da sociedade civil por atentado à saúde pública no caso da febre amarela, quando ela escreveu artigos histéricos fomentando a população a não dar bola para as orientações do Ministério da Saúde e vacinar-se de qualquer jeito - agora se tornou especialista em armamentos aéreos. A indústria de vazamentos de Brasília lhe repassou, em primeira mão, um relatório preliminar da FAB onde ela encontrou a conclusão de que o caça sueco, por ser o mais barato, era a melhor opção para o Brasil. Num exemplo antológico (e um tanto melancólico) do complexo de vira-lata, Cantanhede diz que o Brasil não merece um Mercedez. “Um fusquinha zero está de bom tamanho”, conclui a colunista da Folha, sem que ninguém no jornal de maior circulação do país faça um contra-ponto.
Cantanhede abraçou a opinião com argumentos que seriam risíveis, mas que, pensando bem, sinalizam uma situação nada engraçada. Inventou-se um atrito entre a Força Aérea Brasileira e a decisão do presidente da República e o assunto chegou inclusive à imprensa internacional, gerando comentários do ministro das relações exteriores da França e comunicados das empresas envolvidas na licitação. Mais que um negócio de 10 bilhões de dólares, trata-se de assunto de segurança nacional. É um absurdo que uma jornalista sem o mínimo de especialização no assunto, mas com uma arrogância sem limites, pretenda influenciar a decisão governamental.
Este é um assunto muito constrangedor para o brasileiro leigo, porque como diabos ele vai saber qual é a melhor opção? Já não basta a mania de todos querermos ser técnicos da seleção brasileira? Agora seremos um país de especialistas em caças aéreos?
Felizmente, ainda existem jornalistas honestos, como Roberto Godoy, jornalista e especialista em armamentos aéreos, do Estadão. Este é o caso divertido mencionado no início do texto. No programa Entre Aspas, da Globo News, Godoy conseguiu contornar as tentativas do mediador e do outro entrevistado de transformar o caso numa crise institucional e trapalhada de Lula. Para grande surpresa deles, Godoy defendeu a escolha do caça francês, o Rafale. Ele explicou que o modelo sueco não existe concretamente; não há sequer um protótipo finalizado, e sua tecnologia envolve muitos componentes americanos, o que impossibilitaria sua transferência para a indústria brasileira. O caça americano, por sua vez, está fora de cogitação, segundo Godoy, porque não há garantia de transferência de tecnologia, uma condição fundamental para o negócio. Os americanos não permitiriam ao Brasil exportar peças para determinados países, prejudicando a soberania nacional nesse tipo de operação.
Além disso, o caça sueco é monoturbo, enquanto o francês e o americano tem dois turbos - com isso ele tem menos potência e não pode vencer grandes distâncias sem poder reabastecer. Godoy explicou que isso também o inutiliza para o Brasil, que precisa de um jato que possa ir do sul ao norte do país, e da costa brasileira à africana sem fazer escala.
O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, por fim, botou um ponto final à controvérsia usando uma expressão popularíssima, que calou fundo na opinião pública. “Muitas vezes o barato sai caro”, declarou Amorim, desmoralizando quem defendia o caça sueco por apresentar o preço mais baixo.
O presidente da República pode até mudar de idéia e (o que é improvável) escolher o caça sueco ou americano, e a imprensa tem todo o direito de dar seus palpites. Que ao menos evite, porém, designar essa função para repórteres sem nenhum conhecimento do tema.
Entretanto, o governo sai chamuscado do episódio em virtude do vazamento em si do relatório da FAB, pois indicou falta de controle sobre informações militares estratégicas, que deveriam circular apenas com autorização expressa do Planalto. A indústria de vazamento começa o ano eleitoral prometendo grandes dores de cabeça para o governo e sua candidata. Não seria o momento de reagir com mais dureza na repressão a esse tipo de dolo ao interesse público?
# Escrito por Miguel do Rosário
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