por Luiz Carlos Azenha
A "crise militar" -- a polêmica envolvendo as decisões do governo Lula referentes à Comissão da Verdade e a compra de caças para a FAB -- interessa a Washington e aos lobistas de Washington. Os lobistas de Washington querem que o Brasil compre aviões fabricados nos Estados Unidos. Ao governo de Washington não interessa que o Brasil "injete" a França na geopolítica do hemisfério, com uma ampla parceria estratégica.
Ao Pentágono interessa que o Brasil compre aviões americanos e, se de fato precisar usá-los, fique sem peças de reposição e sem os softwares de gestão. O Pentágono quer vender ao Brasil uma daquelas impressoras cujo cartucho de impressão custa duas vezes mais que a própria impressora. Se o Brasil decidir imprimir algum texto escrito em Brasília, não em Washington, eles cortam o fornecimento de cartuchos.
Se o Brasil não comprar dos Estados Unidos, que pelo menos compre da Suécia: comprando da Suécia, ficará da mesma maneira dependente da tecnologia dos Estados Unidos.
É impossível determinar exatamente a quem servem os "mentores" da "crise militar". Mas sabemos quem ganha com a "crise": Washington deposita nela as esperanças de, se não fizer negócio com o Brasil agora, pelo menos desfazer o negócio alheio. Adiar o negócio, quem sabe para um futuro governo. Adiar o negócio, ganhar tempo, esperar "novas circunstâncias", quem sabe "facilidades". Tudo isso interessa aos lobistas de Washington. Aos vendedores de avião e aos estrategistas. O Estadão chega a ser explícito:
"Deixar o assunto em banho-maria pode ser, para Lula, a escolha menos onerosa", diz trecho de editorial recente.
Do jeitinho que Washington quer.
Mas há a demanda interna por mais uma crise. "Atritar" o adversário é uma das táticas para desviar a atenção dele, fazer com que ele gaste energia onde não precisaria gastar, perca o foco e faça besteira. Por isso, a assessoria midiática de um certo candidato "fabrica" mais uma crise, assim como fabricou o caos aéreo, a epidemia de febre amarela e a hecatombe da gripe suína. O Brasil, alerta a Folha, pode ficar refém dos humores "dos governantes franceses de turno". Não consta que o jornal tenha manifestado a mesma preocupação acerca dos humores de Washington. Aliás, ficar refém do humor dos franceses soa como uma gigantesca ameaça e estou certo de que foi uma piada involuntária, que escapou ao editorialista do jornal.
"Vale lembrar que nem os presidentes militares atropelaram decisões técnicas na compra de material bélico", alertou um ex-porta voz do regime militar, hoje comentarista da TV Globo. O Estadão chuta o balde: simplesmente sugere, por comparação com o presidente Sarkozy, da França -- "ele sim, trabalhando pelo interesse nacional" -- que Lula não representa os interesses brasileiros. É a pista para que os militares -- estes sim, supostamente defendendo o interesse nacional -- acusem Lula de ser apátrida ou de tirar vantagens pessoais do negócio.
Trata-se de uma retórica que tem o objetivo de constranger o presidente da República, com repercussões de médio e longo prazo.
Lula será acusado em qualquer das circunstâncias: será acusado de mudar de ideia diante da pressão de subordinados, se o fizer; ou de "insistir no erro", "atropelando os subordinados". Lula, aquele que não defende os interesses nacionais, atropelando os militares -- estes sim, patriotas. Trata-se de um discurso irresponsável, de franco desespero.
Entendo que se trata do velho jogo de desgastar o governo, de olho nas eleições. O problema é que a tal "crise militar" não rende um voto sequer. Se a economia estiver bombando em 2010, quem é que vai votar porque o Brasil comprou caças deste ou daquele país? Ou seja, tudo indica que cavar o fosso entre o poder civil e o poder militar não renda votos. É pouco provável que de fato interfira com uma decisão soberana do Estado brasileiro, que cabe ao presidente da República, comandante-em-chefe das Forças Armadas. Assim sendo, a quem realmente interessa desmoralizar o poder civil e reacender as chamas do poder militar? Acima de tudo, àqueles que desconfiam não contar com o poder dos eleitores para chegar ao poder.
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