quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A guerra em torno da banda larga

O Governo Lula prepara a democratização da Banda Larga no Brasil – e incomoda a Telefonica, a Oi e outros interesses.

por Virgilio Freire

O Presidente Lula está preocupado com o desastre em São Paulo da Banda Larga da Telefonica, o Speedy, e o péssimo serviço da outra grande operadora no resto do país, a Oi.

O Brasil tem 5,3 ligações de banda larga na internet para cada cem habitantes. A Argentina e o Chile têm 8,8. As leis do mercado fizeram com que o número de paulistas ligados à rede veloz (2,4 milhões) seja maior que o de todos os clientes das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste (2 milhões). Metade dos municípios brasileiros está fora da rede.

O governo federal está determinado a levar a Banda Larga à população de mais baixa renda, além de implantar uma rede de acesso via Internet em todos os orgãos da Administração – é o que se chama de e-Gov, na linguagem técnica do setor.

O Secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, foi incumbido de coordenar o Comitê Gestor do Plano Nacional de Banda Larga, com um prazo de 35 dias para apresentar seu relatório ao Presidente da República, e servirá de base para as ações do governo federal nessa área.

Rogério SantannaO Ministério do Planejamento analisou a precária situação da Banda Larga fornecida pelas operadoras privadas, como a Telefonica, a Oi, a Embratel. Fez um levantamento do que hoje estão fazendo nesta área outros países, como a Finlândia, por exemplo, que acaba de instituir o direito de todos os seus cidadãos, a partir de julho de 2010, a uma Banda Larga de 1 MB/seg. (cerca de 18 vezes mais rápido do que a Internet discada).

Na Austrália o governo está investindo 43 Bilhões de dólares para implantar um Plano Nacional de Banda Larga, que irá fornecer conexão direta através de fibra ótica com velocidade de 100 Megabits/seg. a 90% dos lares australianos a partir de julho de 2010. Isso é 12 vezes mais rápido do que a maior velocidade hoje fornecida pela Telefonica em sua rede Speedy, de 8 Megabits/segundo.

Os outros 10% do mercado australiano serão atendidos por sistemas via rádio ou satélite com uma velocidade mínima de 12 Megabits/segundo. Esta empreitada irá criar 47.000 empregos na Austrália nos próximos oito anos.

Os trabalhos estão em ritmo acelerado, e o modelo adotado pelo Governo Australiano foi a criação de uma empresa estatal, com 51% de participação governamental, e 49% nas mãos de investidores privados. Desta forma, o governo australiano consegue assegurar que a prioridade da empresa será a democratização da Banda Larga, e não o interesse de grupos de investidores privados.

No Brasil, a Telefonica opera em São Paulo investindo o mínimo, a fim de dar o máximo de retorno aos investidores espanhóis. O mesmo ocorre com a Oi, de propriedade da construtora Andrade Gutierrez, e do Grupo Jereissati. Nesta última, as decisões são tomadas visando os interesses destes grupos e não em benefício dos clientes e usuários. Estas empresas são campeãs de reclamações no PROCON. Desrespeitam o usuário, não cumprem promessas, investem o mínimo, terceirizam tudo que podem a fim de reduzir custos, e com isso prestam serviços de péssima qualidade.

A tendência do nosso Ministério do Planejamento é adotar o modelo australiano, considerado como o mais avançado no mundo atualmente.

Poucos brasileiros sabem, mas a nossa estatal de Telecomunicações, a Telebrás, ainda existe, em estado de “hibernação”. Assim, basta reativá-la com investimentos públicos e privados, para que o governo federal tenha em mãos os meios de fazer algo similar à Austrália.

O secretário Rogério Santanna propõe que a reativada Telebrás passe a controlar redes de fibras óticas que hoje o governo já possui - uma extensão de 31.448 km de fibras, juntando a Eletronet, a rede da Petrobras e a da Eletrobrás. A abrangência prevista é de atendimento a 4.245 municípios (76% do total existente no país) em 23 estados mais o Distrito Federal, que somam uma população de 162 milhões de pessoas (ou 87% de todos os habitantes). Santanna calcula em R$ 1,1 bilhão os recursos necessários para ligar o backbone e fazer o backhaul (ligação até a sede dos municípios), mas esse valor sobe para R$ 3 bilhões, se o governo decidir fazer a última milha (acesso até a residência do usuário).

A “Nova Telebrás” irá fornecer meios para qualquer operadora, grande ou pequena, que deseje prestar serviços de Banda Larga, com isso implantando uma real competição no setor, já que as pequenas empresas poderão concorrer com as grandes - todas pagarão o mesmo pelo aluguel dos meios à empresa estatal. A concorrência irá melhorar os serviços, mesmo que isso implique em menores lucros para os grupos que hoje controlam estas operadoras.

Hoje os provedores de internet reclamam de falta de acesso ao backhaul (a espinha dorsal da Internet Mundial). O presidente da associação brasileira de provedores de internet - Abranet -, Eduardo Parajo, está confiante de que o Plano Nacional de Banda Larga a ser
lançado pelo governo federal irá estimular a oferta do backhaul para as pequenas empresas. "Não temos acesso ao backhaul que está sendo construído pelas incumbents", afirma Parajo.

Conforme o executivo, as concessionárias não vendem a sua capacidade ou estabelecem preços proibitivos. "Somos obrigados a procurar as redes das operadoras concorrentes, mas os preços também são muito altos", afirma.
Para o presidente da Abranet, o melhor seria que as redes de dados instaladas fossem abertas para os demais prestadores de serviços.

O anúncio do Plano de Banda Larga do Ministério do Planejamento imediatamente provocou reações vigorosas por parte das atuais operadoras de Telecom e de Banda Larga - Oi, Telefonica, Embratel.

Luiz Eduardo Falco, presidente da Oi, foi crítico em relação à possibilidade de uma rede estatal de telecomunicações concorrente à rede das teles. "É preciso entender o enunciado dessa discussão. Quais os objetivos?", questionou o executivo. Durante sua palestra na Futurecom (evento que aconteceu na semana passada em São Paulo), Falco ironizou: "Tem gente que até hoje não acredita que o sistema de telecomunicações foi privatizado, mas foi".

Otávio Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, uma das acionistas controladoras da Oi, considera a idéia de se criar uma estatal para cuidar de banda larga, "um retrocesso sem sentido".

A oposição das empresas que atualmente dominam o mercado de Telecom e obtém altos lucros com a prestação de maus serviços é esperável. O que não era esperado foi a atitude destemperada e hostil do atual Ministro das Comunicações, Hélio Costa, ao plano do governo Lula – do qual faz parte, embora Helio Costa não seja do PT e sim do PMDB.

helio_costaO Ministro levantou-se durante a reunião do Comitê Gestor do Plano Nacional de Banda Larga e declarou que o Ministério se retirava da reunião, em protesto por discordar da proposta de utilizar uma empresa estatal. Segundo ele, as atuais operadoras Telefonica e Oi é que devem prestar os serviços de Banda Larga. Além de se retirar da reunião, convocou a Oi, a Telefonica, e a Embratel, a elaborar um plano alternativo a ser apresentado ao Presidente Lula.

Segundo ele, "Rogério Santanna não é porta-voz desse grupo. Quem estiver falando em nome desse grupo não está falando pelo grupo, está dando opiniões pessoais. O grupo técnico não pode ficar dando entrevistas, não pode ficar falando à imprensa, não pode ficar dando informações que não estão concluídas. A palavra final é dos ministros", disparou.

"Ao contrário do que um grupo está pensando, que pode fazer sozinho, eu estou achando, e digo abertamente, que é impossível fazer sozinho. E se tem um grupo que vai tocar isso sem a participação dos empresários, eu prefiro apresentar o meu projeto em separado", afirmou o ministro Hélio Costa nesta quinta-feira, 8/10, depois de uma reunião com os presidentes das operadoras, em seu gabinete, em Brasília, em que pediu que os empresários construam uma proposta de contribuição no plano, que deverá ser apresentada em até 30 dias.

Costa também discorda dos números apresentados. "Vamos precisar, evidentemente, da infraestrutura das próprias empresas, de todos os recursos que elas possam ter. São necessários enormes investimentos, que imaginamos que nos próximos dois anos, eles podem chegar a R$ 10 bilhões, para podermos ter um plano nacional de banda larga", calcula o ministro, sustentando, assim, ser “absolutamente impossível” fazer um plano de banda larga sem as empresas.

Essas, por sinal, demonstraram muita satisfação no convite feito pelo ministro. "Vamos procurar trabalhar em conjunto, que é exatamente a proposta que nós tínhamos feito lá no Guarujá, colocar a banda larga como prioridade nacional, ter um conjunto de ações mais concretas que passam por desoneração da oferta, licenças, espectro", diz o presidente da Telefônica, Antônio Carlos Valente, que também lidera a Telebrasil, associação que reúne as grandes Teles.

O ex-presidente da ANATEL, Renato Guerreiro, juntou-se aos críticos da proposta do governo Lula. Atualmente dono da Guerreiro Consult, que presta serviços às grandes operadoras de Telecom, como Oi e Telefonica, Guerreiro fez parte da equipe do Ministro Sérgio Motta, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, responsável pela privatização das Telecomunicações no Brasil. Para o ex-presidente da Anatel, as discussões até agora estão superestimando a banda larga. "Está se dando uma importância desmedida para a banda larga porque ela é uma simples infraestrutura", ponderou Guerreiro em entrevista durante o evento Futurecom.

Ele criticou o foco da ala do governo que defende a entrada do governo como gestor de uma rede pública de banda larga. "Acho que o foco na infraestrutura é distorcido, atrasado. É desvirtuar um recurso, uma inteligência do governo para uma atividade que já é feita pela iniciativa privada", argumentou.

Segundo Guerreiro, “Santanna fala como dono da verdade, confunde os fatos e se comporta como se tivesse dado grande contribuição às telecomunicações deste País. Eu o respeitaria muito mais se ele tivesse feito um décimo do que já fiz pelo setor."

Além dele, o ex- Ministro Juarez Quadros, que ocupou o cargo também durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, minimizou o alvo na banda larga. Para Quadros, "com um simples telefone, muitas coisas são possíveis", ressaltando os efeitos da universalização do STFC que ampliou a oferta de linhas fixas. Na visão do ex-ministro, a cobertura existente de banda larga é bastante consistente e é preciso encarar que o "pobre coitado" que mora em pequenas localidades não tem necessidade de uma ultra banda larga. "Será que falta infraestrutura? Eu acho que não. Mais de 50% dos municípios brasileiros já têm condições de acesso à banda larga", afirmou.

Quadros fez uma franca defesa do caminho sugerido pelo ministro Hélio Costa para o Plano Nacional de Banda Larga, onde a parceria com as teles e o estímulo ao aumento dos serviços de governo eletrônico são o alvo. "Eu espero que o atual ministro das Comunicações consiga puxar para si o que é sua atribuição constitucional e contar com o prestígio do presidente Lula", comentou Quadros.

Respondendo às críticas de Guerreiro e Quadros, o Secretário do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, comentou: "Eu fiquei impressionado com o que ouvi aqui dos órfãos da telefonia. Eu confesso que esperava mais", provocou o secretário. "Quem diz isso não entende o mundo em que estamos vivendo hoje", complementou, rebatendo as declarações de que tem sido dada uma importância desmedida para a banda larga. Para Santanna, é essencial uma ampliação da banda larga para as classes mais baixas.

Como você pode ver, há no momento uma grande discussão sobre o assunto, com posições políticas que devem ser entendidas. Quem provavelmente irá ganhar a discussão? No meu entender, será o Ministério do Planejamento e o Secretário Rogério Santanna.

Apoio totalmente a posição deste último, e explico minha previsão de que suas idéias irão prevalecer.

Paulo BernardoRogério Santanna é o homem forte do Ministério do Planejamento. Goza de toda a confiança do Ministro Paulo Bernardo. Talvez você não conheça Paulo Bernardo, que mantém uma atuação ministerial ativa, porém discreta junto à imprensa.

Ele é membro do PT, Funcionário do Banco do Brasil, entrou na política pelo sindicalismo. Foi deputado federal pelo Paraná (1991-1995 e 1995-1999) e secretário de Fazenda do Estado de Mato Grosso do Sul (de janeiro de 1999 a dezembro de 2000). Foi novamente eleito deputado federal em 2002, com 72.831 votos. Será o substituto da Ministra Dilma Roussef na Casa Civil quando ela tiver de se desincompatibilizar a fim de concorrer nas eleições presidenciais de 2010. Decisão do próprio presidente Lula.

Logo, Paulo Bernardo e Rogério Santanna são pessoas em quem Lula confia. E ouve.

Por outro lado, o Ministro Hélio Costa está no governo por indicação de seu partido, o PMDB de José Sarney. Costa foi repórter e executivo da TV Globo durante a Ditadura Militar, entre 1968 e 1984. Não goza da confiança do Presidente, e apenas ocupa uma vaga da quota do PMDB no Governo. Não é respeitado no setor de Telecomunicações, que o vê como porta-voz da Globo e das operadoras privadas de Telecom como a Oi e a Telefonica.

Portanto, apesar da grita e dos protestos do PSDB e dos responsáveis pela privatização fracassada feita por FHC, provávelmente irão prevalecer o bom senso e os interesses da sociedade, e a Telebrás será reativada.

Para benefício dos cidadãos e dos usuários de Banda Larga no país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário