Entrada da Venezuela no Mercosul pode alavancar bloco e fortalecer relações multilaterais
Lísia Gusmão e Renata Giraldi
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - Terceira economia da América do Sul e com um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 320 bilhões em 2008, a Venezuela não salvará o Mercosul, abatido pela queda nas trocas comerciais entre os países-membros em decorrência da crise econômica global. Mas seu ingresso no bloco poderá ampliar a capacidade de influência dos países vizinhos no destino político da Venezuela e nas relações multilaterais com governos, como o dos Estados Unidos.
Consolidada no Cone Sul, a entrada da Venezuela estenderia o bloco para o norte da América do Sul, podendo alcançar a região caribenha, argumenta à Agência Brasil o assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.
Para Garcia, a crise econômica mundial é a principal responsável pela queda no intercâmbio comercial entre os países do bloco. Entretanto, ele ressalta que as exportações brasileiras para a Venezuela somam US$ 2,5 bilhões em 2009, com um saldo comercial superior a US$ 2,1 bilhões. "E, em termos políticos, a incorporação da Venezuela ao Mercosul fortaleceria a democracia naquele país", afirmou.
Enviado em fevereiro de 2007 pelo Executivo, o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul ainda não teve sua aprovação concluída pelo Congresso brasileiro – há oito meses tramita no Senado entre discussões e pedidos de vista. Entraves de natureza técnica e política ameaçam sua aprovação.
A Argentina e o Uruguai já autorizaram a Venezuela a se tornar membro do bloco. No Paraguai, por não contar com maioria absoluta no Senado, o presidente Fernando Lugo retirou o pedido. De acordo com negociadores paraguaios, o processo só será solucionado em 2010, depois que for definida a decisão brasileira. Com isso seriam minadas as resistências dos senadores paraguaios.
As resistências à adesão do país vizinho recaem sobre a controversa figura do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. “Às vezes pensam que apenas as democracias válidas são as de direita, não as de esquerda. Isso é um preconceito”, disse à Agência Brasil o embaixador da Venezuela no Brasil, Júlio Montoya. “Apesar de tudo estou muito otimista. Acredito que as visões estratégica, geopolítica e geoeconômica devem se sobrepor.”
Segundo o diplomata, a Venezuela e o que representa o presidente Chávez “pagam o preço” do vanguardismo político social. “A Venezuela está pagando o preço de ser pioneira em políticas sociais com caráter de reforma”, disse ele, lembrando que hoje a balança comercial entre Brasil e Venezuela é favorável aos brasileiros em cerca de US$ 5 milhões de superavit.
A “performance” do governo Chávez gera desconfianças também na indústria brasileira. Além dos entraves técnicos, como a falta de informações sobre a execução do cronograma de adesão às regras do Mercosul, que incluem a adoção da Tarifa Externa Comum (TEC), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) teme que o modelo econômico “intervencionista” adotado pela Venezuela prejudique o ambiente de negócios.
A consultora da CNI Lúcia Maduro disse que a América do Sul caminha para uma polarização entre a economia de mercado e o modelo intervencionista. “O impacto das decisões políticas no ambiente de negócios preocupa”, afirma. “O resultado comercial com a Venezuela é bom. Se já é um sucesso, será que é necessária a participação no Mercosul?”, questiona.
Outro receio da indústria é que a presença da Venezuela no Mercosul inviabilize as negociações com a União Europeia para um acordo de livre comércio.
Segundo Marcelo Coutinho, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a participação venezuelana no Mercosul fortaleceria o PIB do bloco e amenizaria a perda de espaço para os produtos chineses na América do Sul, mas, sobretudo, reforçaria os laços com os países da região. O isolamento, ao contrário, causaria o recrudescimento do governo de Hugo Chávez.
“Uma vez dentro do Mercosul, temos mais condições de controlar o que se passa na Venezuela. Um instrumento seria a cláusula democrática do Mercosul. Aproximar, em vez de isolar, gera resultados mais positivos no longo prazo do que negar a adesão. Ao fazer parte de uma comunidade, o país-membro tem que responder às regras desta comunidade, estar aberto ao diálogo com esta comunidade. Quando você isola, exclui, nega, só oferece a este país uma única saída, o recrudescimento de seu regime. A história mostra isso”, explica Coutinho, que coordena o Observatório Político Sul-Americano do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
Como exemplo, ele recorre à expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 1962 por seus laços com a União Soviética. “A expulsão de Cuba da OEA só serviu para o recrudescimento do regime cubano e para sua aproximação com o bloco socialista. Imaginava-se que a expulsão traria juízo a Cuba. Ao contrário, levou ao recrudescimento daquele regime. Isolar internacionalmente, em geral, produz efeitos negativos”, afirma.
No entanto, Coutinho adverte que a adesão da Venezuela no Mercosul não significará uma reversão do quadro de crise. “A adesão deve ser acompanhada de uma política industrial comum, da integração das cadeias produtivas, maior coordenação macroeconômica”, disse.
Segundo ele, o Mercosul tem sido menos relevante na definição dos fluxos comerciais. Em 1998, o Brasil era o maior parceiro comercial da Argentina, posto perdido para a China.
“Os dados comerciais atestam a vulnerabilidade do Mercosul. O bloco vive uma estagnação relativa. O comércio intrabloco cresceu, mas num ritmo menor do que na década de 90. E um ritmo, se não semelhante, inferior ao que cresce nosso comércio com o resto do mundo”, diz Coutinho. “O Mercosul precisa demonstrar força e coesão, ele se apresentou mais vulnerável e mais fraco.”
Edição: Lílian Beraldo
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