“Vamos assenta-te agora no trono; apesar de angustiados
é conveniente deixar que as tristezas no peito se aplaquem.
Nada o homem lucra em deixar-se invadir pelo gélido pranto.
Sempre viver em tristeza: eis a sorte que os deuses eternos
de descuidada existência aos mortais infelizes dotaram.
Sobre os umbrais do palácio de Zeus dois tonéis se acham postos
de suas dádivas; um só de males; de bens o outro cheio.
Se misturando-as Zeus grande senhor dos trovões as derrama
quem as recebe ora goza ora males por sorte lhe tocam;
mas o que dele recolhe somente infortúnios escárnio
vivo se torna; em extrema miséria na terra divina
é condenado a vagar desprezado por homens e deuses”. (Ilíada, Homero)
é conveniente deixar que as tristezas no peito se aplaquem.
Nada o homem lucra em deixar-se invadir pelo gélido pranto.
Sempre viver em tristeza: eis a sorte que os deuses eternos
de descuidada existência aos mortais infelizes dotaram.
Sobre os umbrais do palácio de Zeus dois tonéis se acham postos
de suas dádivas; um só de males; de bens o outro cheio.
Se misturando-as Zeus grande senhor dos trovões as derrama
quem as recebe ora goza ora males por sorte lhe tocam;
mas o que dele recolhe somente infortúnios escárnio
vivo se torna; em extrema miséria na terra divina
é condenado a vagar desprezado por homens e deuses”. (Ilíada, Homero)
Acompanho a Crise 2.0 e escrevo sobre ela desde abril de 2011, o que rendeu um livro aqui publicado, mas o mais importante é que também rendeu alguns insights sobre o funcionamento do Kapital, mesmo sem ser economista, pesquisador ou contador. Além de conhecer alguns fundamentos de análise do Kapital desenvolvidos por Marx, procuro observar atentamente alguns fenômenos, que passam despercebidos a muitos pela dinâmica de nossas vidas corridas e a forma como são descritos na mídia.
No caso da dívida grega, em artigos de 2011/ 2012, tinha notado que o perfil dela era com os bancos privados, em especial os da França (39%) e os da Alemanha (27,5%), daí a crueza do tratamento despendido por Merkel e Sarkozi (Hollande) aos vários líderes gregos. Entretanto, não caía bem um líder de um Estado vociferar e ameaçar outro Estado por dívidas privadas, não havia instrumento de pressão que justificasse tal comportamento.
Analisando os números da dívida grega dos anos mais recentes, em especial quem eram seus credores, percebi que houve uma mudança radical no perfil deles, praticamente sumiram os bancos privados, sendo, agora, os novos donos dos títulos a Troika ( BCE, UE e FMI). No artigo (#OXI, o NÃO da Grécia.) de ontem fiz as seguintes conclusões, puramente intuitivas:
“Obviamente, a Troika (BCE, UE e FMI) “estatizou” a dívida grega comprou os títulos dos bancos privados, os maiores credores gregos até então, assim, a Troika, se tornou a dona dos destinos do povo grego, impondo um plano de austeridade inexequível, “que a Grécia deveria a sair de uma recessão que dura desde 2009. A economia contraiu cerca de 25 por cento e a dívida disparou para 175 por cento do PIB, o equivalente a 324 bilhões de euros, segundo Open Europe e o Mecanismo europeu de Estabilidade Financeira. É uma situação que ultrapassa em muito os limites fixados pelos tratados europeus, isto é, um endividamento de 60 por cento do PIB. (Euronews, 06/07/2015).
Sem mais riscos privados, os abutres do Kapital aparecem para “resolver” a questão, no Estadão de domingo, Alan Greenspan, declarou que acha ser uma questão de tempo a Grécia sair do bloco. “Acredito que a Grécia abandonará a zona do euro. Não acho que permanecer no euro é vantajoso para os gregos ou para o resto da zona do euro. É só uma questão de tempo antes de todo mundo reconhecer que a saída (da Grécia) é a melhor estratégia”.
Hoje no site Euronews, as palavras vão ao mesmo sentido, “No parlamento Europeu, o presidente da Comissão, Jean Claude Junker, disse que fará tudo para evitar a saída da Grécia da zona euro, mas que “há países que, aberta ou secretamente, trabalham para excluí-la”. A bola está do lado do governo grego que terá que explicar como tenciona desenvencilhar-se desta situação. A Comissão Europeia, por seu turno, está disposta a fazer tudo para encontrar um acordo num prazo aceitável”, afirmou”.
Foi a minha conclusão final de que, para exercer o poder político diretamente, sem questionamento legal, Merkel, a comandante-em-chefe da Troika, matou dois coelhos de uma cajadada só: Primeiro, salvou os banqueiros (seus patrões) comprando os títulos gregos (até os mais tóxicos, puramente especulativos). Segundo, passou a exercer a autoridade de fato e de direito sobre os destinos gregos, não é a toa que TODOS os líderes gregos eleitos tinham que bater continência a ela, suas primeiras viagens eram sempre a Berlim.
Porém, precisava de mais dados que fundamentasse tal conclusão, fui pesquisar e encontrei um longo e preciso artigo de Maria Lucia Fattorelli (Le Monde Diplomatique – 01/07/2015 – site Opera Mundi) Análise: Tragédia Grega esconde segredo de bancos privados. Ela descreve detidamente os dados que me faltavam, os meios pelos quais os títulos públicos gregos, em posse dos bancos privados foram recomprados pela Troika, o trabalho é explosivo. Há uma comissão da verdade da dívida grega no seu parlamento que demonstra a manobra e a conivência das autoridades gregas. O NÃO, agora nos parece até pouco diante da manobra.
Fattorelli, abre seu artigo dizendo que “A Grécia está enfrentando um tremendo problema de dívida pública e uma crise humanitária. A situação atual é muitas vezes pior do que a de 2010, quando a Troika –FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu – impôs seu “plano de resgate” ao país, justificado pela necessidade de apoiar a Grécia. Na realidade, tal plano tem sido um completo desastre para a Grécia, pois o país não tem obtido absolutamente nenhum benefício com os peculiares acordos de dívida implementados desde então”.
Segue provocando-nos: “O que quase ninguém comenta é que um outro exitoso plano de resgate foi efetivamente implementado naquela mesma época em 2010, não para a Grécia, mas para os bancos privados. Por trás da crise grega há um enorme e ilegal plano de resgate de bancos privados. E a forma pela qual tal plano está se dando representa um imenso risco para toda a Europa.
Depois de cinco anos, os bancos conseguiram tudo o que queriam. Por outro lado, a Grécia mergulhou numa verdadeira tragédia: o país aprofundou gravemente seu problema de dívida pública; perdeu patrimônio estatal à medida em que acelerou o processo de privatizações, assim como encolheu drasticamente sua economia. Pior que tudo, tem amargado imensurável custo social representado pelas vidas de milhares pessoas desesperadas que tiveram seu sustento e seus sonhos cortados pelas severas medidas de austeridade impostas desde 2010. Saúde, educação, trabalho, assistência, pensões, salários e todos os demais serviços sociais têm sido afetados de forma destrutiva”.
A manobra é assim descrita:
Em Maio de 2010, ao mesmo tempo em que todas as atenções estavam focadas nas abundantes notícias sobre a interferência da Troika na Grécia, com seu peculiar “plano de resgate” grego, um outro plano de efetivo resgate bancário viabilizado por um conjunto de medidas ilegais também estava sendo aprovado, mas atenção alguma foi dispensada a esse último.
Em uma tacada, sob a justificativa de necessidade de “preservar a estabilidade financeira na Europa”, medidas ilegais foram tomadas em maio de 2010, a fim de garantir o aparato que permitiria aos bancos privados livrar-se da perigosa “bolha”, isto é, da grande quantidade de ativos tóxicos – em sua maioria títulos desmaterializados e não comercializáveis – que abarrotava contas “fora de balanço”[1] em sua escrituração contábil. O objetivo principal era ajudar os bancos privados a transferir tais ativos tóxicos para os países europeus.
Uma das medidas adotadas para acelerar a troca de ativos de bancos privados e acomodar a crise bancária foi o programa SMP[2], mediante o qual o BCE (Banco Central Europeu) passou a efetuar compras diretas de títulos públicos e privados, tanto no mercado primário como secundário. A operação relativa a títulos públicos é ilegal, pois fere frontalmente o Artigo 123 do Tratado da União Europeia[3]. Tal programa constitui apenas uma entre várias outras “medidas não-padronizadas” adotadas na época pelo BCE.
A criação de um “Veículo de Propósito Especial”, uma companhia baseada em Luxemburgo, constituiu outra medida implementada para transferir ativos tóxicos desmaterializados dos bancos privados para o setor público. Acreditem ou não, países europeus[4]se tornaram sócios de tal companhia privada, uma sociedade anônima chamada Facilidade para EFSF (Estabilidade Financeira Europeia)[5]. Os países se comprometeram com bilionárias garantias, inicialmente no montante de 440 bilhões de euros[6], que logo em 2011 subiram para 779.78 bilhões de euros[7]. O verdadeiro propósito de tal companhia tem sido disfarçado pelos anúncios de que ela iria providenciar “empréstimos” para países, fundamentados em “instrumentos financeiros”, não em dinheiro efetivo. Cabe mencionar que a criação da EFSF foi uma imposição do FMI[8], que lhe forneceu uma contribuição de 250 bilhões de euros[9]“.
O artigo é longo e esclarecedor, vale a leitura completa.
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Notas sobre o artigo e sobre Fattorelli.
*Maria Lucia Fattorelli é graduada em Administração e Ciências Contábeis. Auditora Fiscal da Receita Federal desde 1982, é coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida e membro do CAIC (Comisión para la Auditoría Integral de Crédito Público) criada pelo Presidente Rafael Correa em 2007.
[1] “Fora de balanço” significa uma seção à margem da contas normais que fazem parte do balanço contábil, onde ativos problemáticos, tais como títulos desmaterializados, não comercializáveis, são informados.
[2] Securities Markets Programme (SMP) – EUROPEAN CENTRAL BANK. Monetary policy glossary. Disponível em: https://www.ecb.europa.eu/home/glossary/html/act4s.en.html#696 [Acessado em 4 de Junho de 2015]
[3] THE LISBON TREATY. Article 123. Disponível em: http://www.lisbon-treaty.org/wcm/the-lisbon-treaty/treaty-on-the-functioning-of-the-european-union-and-comments/part-3-union-policies-and-internal-actions/title-viii-economic-and-monetary-policy/chapter-1-economic-policy/391-article-123.html [Acessado em 4 Junho de 2015]
[4] Países Membros da zona do Euro ou Sócios da EFSF: Reino da Bélgica, República Federal da Alemanha, Irlanda, Reino da Espanha, República da França, República da Itália, República de Chipre, República de Luxemburgo, República de Malta, Reino da Holanda, República da Áustria, República de Portugal, República da Eslovênia, República da Eslováquia, República da Finlândia e República Helênica.
[5] A companhia privada EFSF foi criada como um instrumento do MECANISMO DE ESTABILIZAÇÃO FINANCEIRA EUROPEIA (EFSM): http://ec.europa.eu/economy_finance/eu_borrower/efsm/index_en.htm
[6] EUROPEAN COMMISSION (2010) Communication From the Commission to the European Parliament, the European Council, the Council, the European Central Bank, the Economic And Social Committee and the Committee of the Regions – Reinforcing economic policy coordination. http://ec.europa.eu/economy_finance/articles/euro/documents/2010-05-12-com(2010)250_final.pdf– Página 10.
[7] IRISH STATUTE BOOK (2011) European Financial Stability Facility and Euro Area Loan Facility (Amendment) Act 2011. Disponível em: http://www.irishstatutebook.ie/2011/en/act/pub/0025/print.html#sec2 [Acessado em 4 Junho de 2015].
[8] Depoimento de Dr. Panagiotis Roumeliotis, representante da Grécia junto ao FMI, para o “Comité da Verdade sobre a Dívida Pública”, no Parlamento Grego, em 15 de junho de 2015.
[9] EUROPEAN FINANCIAL STABILITY FACILITY (2010) About EFSF [online] Disponível em: http://www.efsf.europa.eu/about/index.htm e http://www.efsf.europa.eu/attachments/faq_en.pdf – Question A9 [Acessado em 4 Junho de 2015].
do: http://arnobiorocha.com.br/2015/07/08/auditoria-da-divida-da-grecia-e-os-segredos-do-kapital/
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