Fernanda Melchionna*, especial para o Jornalismo B
Era uma vez um país chamado Lisarb. Lá, havia muitos parlamentares que teoricamente deviam ser representantes do povo, mas a maioria estava no Congresso financiado por grandes empreiteiros, banqueiros e ruralistas. Aliás, muitas das empreiteiras tinham seus dirigentes presos por estar envolvidos em escândalos de corrupção. Como atendiam aos interesses das elites, esses políticos não cumpriam o que haviam prometido para o povo na campanha eleitoral: saúde, educação e segurança. Ao contrário, votavam em projetos que atacavam direitos dos trabalhadores, como a restrição ao uso do seguro-desemprego e a ampliação das terceirizações. Apoiavam as medidas do governo de aumentar o preço da luz, da gasolina e a taxa de juros.
Para se safar, o presidente da Câmara dos Deputados mentia ao povo dizendo que a culpa da violência social era dos jovens, não da concentração de riqueza, do pouco investimento em Educação, da impunidade dos ricos. Daí, botando spray na cara de jovens que lutavam contra o retrocesso, aprovaram a PEC 171 em comissão especial. A PEC 171 determinava a redução da maioridade penal para 16 anos, mas em Lisarb o número da PEC correspondia exatamente ao seu significado: estelionato.
Mentiam para o povo cansado de tanto assalto e tantas mortes, porque em Lisarb os índices de assassinatos eram maiores que em muitos países em guerra civil. Faziam a política do factóide. Diziam que os jovens saíam impunes de seus crimes, quando a lei determinava que desde os 12 anos os adolescentes deveriam responder por seus delitos, inclusive com medidas de privação da liberdade em lugares para ressocialização. Claro, em Lisarb esses lugares eram superlotados e com muitos problemas. Mas, mesmo assim, eram melhores do que os presídios. A diferença na taxa de reincidência era gritante: 70% dos que cumpriam pena nos presídios reincidiam, contra menos de 30% no sistema para adolescentes. Mas parece que os políticos dos factóides não queriam ver isso, ou pior, queriam colocar desde 16 anos os jovens em contato com o crime organizado, que era quem de fato mandava no sistema carcerário em Lisarb.
Mentiam também que a culpa da violência era dos jovens, quando pelas estatísticas estes não representavam nem 1% dos autores de crimes contra a vida, mas eram as maiores vítimas. Cerca de 53% dos assassinados em Lisarb eram jovens, a maioria (77%) negros e moradores da periferia. E, pasmem, os mesmos políticos do factóide diziam que não havia racismo em Lisarb!
Mentiam que a lei era atrasada, quando 70% dos países tinha a idade penal de 18 anos. E alguns países que tinham mudado para 16 anos, voltaram atrás por que comprovaram que não diminuía a violência.
Em Lisarb parecia que a maioria dos parlamentares queriam construir mais presídios, não mais escolas. Talvez porque quisessem propor no futuro uma coisa chamada de Parceria Público Privada (PPP) para que seus amigos tivessem um novo negócio. Ou porque queriam aumentar o Estado Penal na mesma proporção em que os governos tiraram verbas do Estado Social.
Lamentavelmente, qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência. Aliás, é a dura realidade do Brasil. As discussões da política pública de Segurança estão ao contrário, como no conto de Lisarb. Se nos contos de fadas, príncipes e fadas aparecem no final da história para acabar com a vilania, no Brasil lutaremos para que os movimentos consigam desmascarar essa cantilena enfadonha e derrotar este retrocesso contra os direitos da criança e do adolescente.
Fernanda Melchionna*, especial para o Jornalismo B *Vereadora de Porto Alegre pelo PSOL.
vi no: http://jornalismob.com/2015/06/30/a-reducao-da-maioridade-penal-em-um-pais-do-avesso/
Nenhum comentário:
Postar um comentário