Luis Nassif, GGN
Algumas reflexões sobre as passeatas de ontem:
A lógica do refluxo
As manifestações pelo impeachment perderam força em todo o país, da mesma maneira que as passeatas do Movimento do Passe Livre.
As grandes passeatas funcionam como puxões de orelha nos governantes. Se a demanda por atenção não for atendida, voltam com mais intensidade em um ponto qualquer do futuro.
Mais relevante que a diminuição dos manifestantes foi a ausência total de insufladores profissionais - Aécio Neves, FHC, Serra, Aloyzio - e a vaia sonora recebida pelo único que se apresentou, Paulinho, da Força Sindical, a versão sem verniz de FHC.
Os manifestantes e o papel da mídia
As pesquisas indicam que a maioria absoluta dos manifestantes não foi às manifestações com o objetivo de pedir o impeachment de Dilma – mesmo assim apoia a proposta.
A chamada "maioria silenciosa" (como era denominada essa parte não politizada da classe média) não se move por ideologia, mas por percepções. Percebe no seu dia a dia a falta de perspectivas da economia, afetando seu trabalho, ameaçando seu emprego e, principalmente, não criando uma expectativa de melhoria futura. Grupos de mídia não criam esse terreno, mas ajudam a adubar com um noticiário enviesado.
A maneira mais direta de explorar esse desconforto é através da personalização dos seus problemas, o bode expiatório. E o bode expiatório preferencial é o que entende como símbolo máximo do status quo, a figura do presidente da República.
Nas diretas, o presidente era um militar. Por isso, a “maioria silenciosa” aderiu à marcha pela democracia.
Na campanha do "impeachment", era Collor. E não se atribua às manifestações contra Collor nenhuma bandeira de esquerda, progressista, democrática ou o rótulo que se dê. Foi um golpe político-midiático, similar ao que se tenta agora contra Dilma.
Nos três casos, a mobilização ocorreu junto à classe média porque se conseguiu personalizar o desconforto – na figura do presidente – e a solução – a queda do presidente.
Como reagir a esse quadro?
Com Dilma ou sem Dilma?
Domingo participei de uma das rodadas do encontro Jornada para a Democracia. Vários colegas lamentando que nas diretas e na campanha do impeachment o povo foi para as ruas mobilizado por ideais democráticos e, agora, só o preconceito conseguiu essa poder de mobilização. Enalteceu-se o que consideraram o formidável poder de mobilização da direita nas redes sociais. A alternativa então seria mobilizar o arco da esquerda para as bandeiras democráticas.
Vamos pensar, então.
A chamada direita tem um alvo óbvio para personalizar todos os incômodos: a figura da presidente da República. O bordão " culpa da Dilma" pegou, como pegaram os bordões contra Collor e contra os militares. É o mote que junta os militantes.
Obviamente há os grupos oportunistas que se valem da exploração desse sentimento e tentam cavalgar os movimentos. No caso das diretas, um arco amplo de oposição civil, que ia de Tancredo a Lula. No caso de Collor, o arco que foi do PSDB (sem FHC e Serra que tentaram aderir) a Lula e ao PT. No caso de Dilma, à falta de melhor alternativa, o PSDB.
Como um movimento de esquerda poderia se contrapor à suposta eficiência dos militantes da nova direita?
A esquerda tem um caminhão de queixas contra Dilma. Quem seria o alvo, a personalizar todos os males? FHC? Claro que não. Quem seria o grupo político a galvanizar essa insatisfação? O PT? Evidente que não.
Então há de se pensar nas etapas que precedem uma reorganização do chamado campo progressista porque toda mobilizaçãoi não prescinde de bandeiras claras.
Há dois cenários pela frente: sem Dilma e com Dilma.
Cenário Sem Dilma – Dilma cai, não por impeachment ou golpe, mas por completa exaustão emocional. Os sinais são nítidos e compreensíveis.
Em caso de sua desistência, o cargo seria assumido por Michel Temer, mas desde o primeiro dia eclodiria uma guerra mortal entre o PSDB e demais candidatos. Não se surpreenda se emergir uma nova força, uma aliança de Lula com setores do PMDB e de partidos aliados, sem PT e sem Dilma. Em breve, aparecerão sinais mais concretos desse movimento, com Lula pretendendo demonstrar que o “seu” PT era diferente do PT que aí está. Para Lula, seria a maneira de preservar sua imagem do profundo desgaste que corrói tanto Dilma quanto o PT.
Mas seria o pior dos mundos, com a radicalização subindo de tom e o país entrando em um período pesado de instabilidade política, econômica e social, com uma disputa sem vencedores.
Lula não possui mais o cacife de anos atrás, paira sobre ele o fantasma permanente da reincidência da doença e o ódio visceral da mídia e dos adversários. E o PSDB, com sua falta de estadistas, tornou-se um mero afluente das ondas de intolerância que corroem o país, incapaz de ser uma alternativa unificadora de poder.
Quem vencer, deflagrará a guerra do outro lado.
Cenário com Dilma – por todos esses inconvenientes, a melhor alternativa, aquela que permitiria a Dilma recobrar a governabilidade e conduzir o país de forma segura até 2018, dando tempo para o país se preparar para as novas eleições.
Se o motivo da insatisfação é a perda do sonho, a única maneira de se reagir contra isso é através da recomposição do futuro.
No encontro, a cineasta Tata Amaral foi certeira quando traçou um quadro otimista da situação atual do país. Desde a Constituinte de 1988 o país avançou enormemente no campo civilizatório, nos conceitos de direitos sociais e individuais, na proteção das minorias, nas formas de participação. O que ocorre agora é a erupção de abcessos, das infecções controladas porém remanescentes do período doente, que afloram para que sejam expurgados definitivamente do organismo social. Tem razão.
Não pode ser doente uma sociedade que, nos últimos anos, reconheceu direitos das minorias, inclusive no âmbito do STF (Supremo Tribunal Federal), desenvolveu políticas inclusivas relevantes, reagiu contra a homofobia, escandalizou-se com a situação dos presídios, avançou nos direitos das pessoas com deficiência, recebeu imigrantes expulsos de seus países.
Esses avanços não nasceram do nada. São fruto de uma tomada gradativa de consciência por parte de agentes que estão aí, firmes, vivos, embora desorganizados. Participaram dessa aventura civilizatória membros do Executivo, Ministros do STF, procuradores do Ministério Público, parlamentares, pensadores.
Do mesmo modo, as ideias de um país forte, justo e desenvolvido, continuam vivas, trabalhadas por grupos de pensadores em todos os campos, na academia, nas associações empresariais e de trabalhadores. As ideias estão à mão, assim como as estratégias de implementação de políticas industriais modernas.
No plano da democracia social, estão desenhados os instrumentos de participação, das conferências aos conselhos abarcando de movimentos sociais a empresariais.
São ativos nacionais valiosos, à espera de um agente mobilizador. E esse agente só pode ser a presidente.
Se superar o cansaço, o stress, der uma parada para colocar as ideias no lugar, Dilma poderá se dar conta de que existe uma enorme força modernizante, pronta para ser mobilizada. E que seu tempo não acabou.
Caso contrário, o país terá que atravessar ainda alguns anos tenebrosos até recuperar de novo o fio da história."
Algumas reflexões sobre as passeatas de ontem:
A lógica do refluxo
As manifestações pelo impeachment perderam força em todo o país, da mesma maneira que as passeatas do Movimento do Passe Livre.
As grandes passeatas funcionam como puxões de orelha nos governantes. Se a demanda por atenção não for atendida, voltam com mais intensidade em um ponto qualquer do futuro.
Mais relevante que a diminuição dos manifestantes foi a ausência total de insufladores profissionais - Aécio Neves, FHC, Serra, Aloyzio - e a vaia sonora recebida pelo único que se apresentou, Paulinho, da Força Sindical, a versão sem verniz de FHC.
Os manifestantes e o papel da mídia
As pesquisas indicam que a maioria absoluta dos manifestantes não foi às manifestações com o objetivo de pedir o impeachment de Dilma – mesmo assim apoia a proposta.
A chamada "maioria silenciosa" (como era denominada essa parte não politizada da classe média) não se move por ideologia, mas por percepções. Percebe no seu dia a dia a falta de perspectivas da economia, afetando seu trabalho, ameaçando seu emprego e, principalmente, não criando uma expectativa de melhoria futura. Grupos de mídia não criam esse terreno, mas ajudam a adubar com um noticiário enviesado.
A maneira mais direta de explorar esse desconforto é através da personalização dos seus problemas, o bode expiatório. E o bode expiatório preferencial é o que entende como símbolo máximo do status quo, a figura do presidente da República.
Nas diretas, o presidente era um militar. Por isso, a “maioria silenciosa” aderiu à marcha pela democracia.
Na campanha do "impeachment", era Collor. E não se atribua às manifestações contra Collor nenhuma bandeira de esquerda, progressista, democrática ou o rótulo que se dê. Foi um golpe político-midiático, similar ao que se tenta agora contra Dilma.
Nos três casos, a mobilização ocorreu junto à classe média porque se conseguiu personalizar o desconforto – na figura do presidente – e a solução – a queda do presidente.
Como reagir a esse quadro?
Com Dilma ou sem Dilma?
Domingo participei de uma das rodadas do encontro Jornada para a Democracia. Vários colegas lamentando que nas diretas e na campanha do impeachment o povo foi para as ruas mobilizado por ideais democráticos e, agora, só o preconceito conseguiu essa poder de mobilização. Enalteceu-se o que consideraram o formidável poder de mobilização da direita nas redes sociais. A alternativa então seria mobilizar o arco da esquerda para as bandeiras democráticas.
Vamos pensar, então.
A chamada direita tem um alvo óbvio para personalizar todos os incômodos: a figura da presidente da República. O bordão " culpa da Dilma" pegou, como pegaram os bordões contra Collor e contra os militares. É o mote que junta os militantes.
Obviamente há os grupos oportunistas que se valem da exploração desse sentimento e tentam cavalgar os movimentos. No caso das diretas, um arco amplo de oposição civil, que ia de Tancredo a Lula. No caso de Collor, o arco que foi do PSDB (sem FHC e Serra que tentaram aderir) a Lula e ao PT. No caso de Dilma, à falta de melhor alternativa, o PSDB.
Como um movimento de esquerda poderia se contrapor à suposta eficiência dos militantes da nova direita?
A esquerda tem um caminhão de queixas contra Dilma. Quem seria o alvo, a personalizar todos os males? FHC? Claro que não. Quem seria o grupo político a galvanizar essa insatisfação? O PT? Evidente que não.
Então há de se pensar nas etapas que precedem uma reorganização do chamado campo progressista porque toda mobilizaçãoi não prescinde de bandeiras claras.
O paradoxo do PT sem Lula
Goste-se ou não, a bandeira dos direitos sociais e individuais, do desenvolvimentismo social, está indelevelmente ligada a Dilma. E o destino de Dilma está indelevelmente ligado à capacidade de recuperar essas bandeiras. Mais: o destino do PT está mais ligado ao de Dilma, que ao de Lula.Há dois cenários pela frente: sem Dilma e com Dilma.
Cenário Sem Dilma – Dilma cai, não por impeachment ou golpe, mas por completa exaustão emocional. Os sinais são nítidos e compreensíveis.
Em caso de sua desistência, o cargo seria assumido por Michel Temer, mas desde o primeiro dia eclodiria uma guerra mortal entre o PSDB e demais candidatos. Não se surpreenda se emergir uma nova força, uma aliança de Lula com setores do PMDB e de partidos aliados, sem PT e sem Dilma. Em breve, aparecerão sinais mais concretos desse movimento, com Lula pretendendo demonstrar que o “seu” PT era diferente do PT que aí está. Para Lula, seria a maneira de preservar sua imagem do profundo desgaste que corrói tanto Dilma quanto o PT.
Mas seria o pior dos mundos, com a radicalização subindo de tom e o país entrando em um período pesado de instabilidade política, econômica e social, com uma disputa sem vencedores.
Lula não possui mais o cacife de anos atrás, paira sobre ele o fantasma permanente da reincidência da doença e o ódio visceral da mídia e dos adversários. E o PSDB, com sua falta de estadistas, tornou-se um mero afluente das ondas de intolerância que corroem o país, incapaz de ser uma alternativa unificadora de poder.
Quem vencer, deflagrará a guerra do outro lado.
Cenário com Dilma – por todos esses inconvenientes, a melhor alternativa, aquela que permitiria a Dilma recobrar a governabilidade e conduzir o país de forma segura até 2018, dando tempo para o país se preparar para as novas eleições.
Se o motivo da insatisfação é a perda do sonho, a única maneira de se reagir contra isso é através da recomposição do futuro.
No encontro, a cineasta Tata Amaral foi certeira quando traçou um quadro otimista da situação atual do país. Desde a Constituinte de 1988 o país avançou enormemente no campo civilizatório, nos conceitos de direitos sociais e individuais, na proteção das minorias, nas formas de participação. O que ocorre agora é a erupção de abcessos, das infecções controladas porém remanescentes do período doente, que afloram para que sejam expurgados definitivamente do organismo social. Tem razão.
Não pode ser doente uma sociedade que, nos últimos anos, reconheceu direitos das minorias, inclusive no âmbito do STF (Supremo Tribunal Federal), desenvolveu políticas inclusivas relevantes, reagiu contra a homofobia, escandalizou-se com a situação dos presídios, avançou nos direitos das pessoas com deficiência, recebeu imigrantes expulsos de seus países.
Esses avanços não nasceram do nada. São fruto de uma tomada gradativa de consciência por parte de agentes que estão aí, firmes, vivos, embora desorganizados. Participaram dessa aventura civilizatória membros do Executivo, Ministros do STF, procuradores do Ministério Público, parlamentares, pensadores.
Do mesmo modo, as ideias de um país forte, justo e desenvolvido, continuam vivas, trabalhadas por grupos de pensadores em todos os campos, na academia, nas associações empresariais e de trabalhadores. As ideias estão à mão, assim como as estratégias de implementação de políticas industriais modernas.
No plano da democracia social, estão desenhados os instrumentos de participação, das conferências aos conselhos abarcando de movimentos sociais a empresariais.
São ativos nacionais valiosos, à espera de um agente mobilizador. E esse agente só pode ser a presidente.
Se superar o cansaço, o stress, der uma parada para colocar as ideias no lugar, Dilma poderá se dar conta de que existe uma enorme força modernizante, pronta para ser mobilizada. E que seu tempo não acabou.
Caso contrário, o país terá que atravessar ainda alguns anos tenebrosos até recuperar de novo o fio da história."
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