Em entrevista, empresário tucano reafirma sua percepção de que “nunca se roubou tão pouco” no Brasil e estende a responsabilidade do problema para o setor privado. “Eu quero ver alguém vender pra uma grande montadora no Brasil sem dar propina para um diretor de compras”, questionou
“A corrupção é muito mais endêmica do que parece, não é um problema ‘só’ brasileiro. E não é um problema público, é um problema privado enorme”.
A declaração é de Ricardo Semler, empresário filiado ao PSDB, em entrevista concedida ao programa Diálogos com Mário Sérgio Conti, exibida na noite desta quinta-feira (26) na Globo News. (assista abaixo). Em novembro de 2014, Semler já havia ido na contramão da cobertura noticiosa da mídia tradicional quando, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, afirmou que “nunca se roubou tão pouco no Brasil”, fazendo alusão a uma “santa hipocrisia” da elite em relação às denúncias na Petrobras. Agora, voltou à carga analisando a questão da corrupção no país e no mundo.
Na entrevista, Semler falou a respeito da percepção que as pessoas em geral têm, de que a corrupção no Brasil alcança índices escandalosos, fazendo um paralelo com a visão sobre a violência. “Nunca se matou tão pouco. Se voltar pra Guerra Civil espanhola, [com] Franco são 21 milhões de pessoas; Segunda Guerra Mundial, Primeira Guerra Mundial, Guerra dos 30 Anos, Guerra dos Cem Anos… Nunca morreu tão pouca gente. No entanto, esse ‘atacado’ das grandes guerras está no ‘varejo’”, explica. “E a internet, a facilidade de comunicação, faz com que tudo fique óbvio e conhecido por todo o mundo”, pontua, fazendo a comparação: “Com a corrupção é a mesma coisa, ela era no ‘atacado’. Quando eu listasse pra você o xá do Irã, Idi Amin Dada, estou falando de 10, 15, 20 bilhões de dólares pra cada pessoa. Não estou defendendo, mas o que quero dizer é que agora estamos em um momento em que aparece muito [a corrupção] e que veio pro varejo, o que é um grande problema.”
O empresário tenta dimensionar o problema da corrupção, afirmando não só que não se trata de um problema tipicamente brasileiro, como também não é novo. “Há 20 anos roubava-se um percentual sobre todos os barris de petróleo que vinham para o Brasil. Se fizesse uma investigação hoje, queria saber com as empreiteiras como foi a construção de Itaipu, Transamazônica, Brasília… Os números hoje são pequenos, mas não são defensáveis”, afirma, criticando a postura do PT no governo em seguida. “O PT enfiou os pés pelas mãos ao achar que precisava jogar o jogo do Brasil do jeito que se joga porque senão não tinha chance. É uma pena, porque o PT era a última esperança de vir alguém e dizer ‘não vou jogar desse jeito’. Mas não quer dizer que o roubo está aumentando, ele está no varejo, está na internet e então aparece ‘pra burro’.”
Embora o foco da mídia de uma forma geral seja a ação de agentes públicos, Semler afirma que a corrupção é algo comum também no âmbito privado. “Quem olhar a iniciativa privada, porque se diz ‘isso é uma coisa pública, esses políticos, Brasília…’. Eu quero ver alguém vender pra uma grande montadora no Brasil sem dar propina para um diretor de compras, que é de uma empresa multinacional alemã, americana…. Não vende pra muitas delas. Propina pro comprador, negócio privado. Pra grandes redes de supermercado, vai lá e pede pra botar seu produto na gôndola mais perto. Vender prótese para hospital particular, os grandes nomes do Brasil, não vende sem corrupção”, diz.
A circunscrição do problema também estaria equivocada já que, segundo o empresário, trata-se de um fenômeno global que atinge países como China, Rússia e Estados Unidos, ainda que de formas distintas. “No tempo Bush, Dick Cheney, Halliburton, 800 bilhões de dólares em armamentos comprados dos amigos… Agora, eles [EUA] estão no atacado, então você vai pra Miami, dirige, e o guarda de trânsito não te pede nada. Porque [a corrupção] é lá em cima, na hora que o cara vende armamento pra um país inteiro pra destruir o Afeganistão.”
De acordo com Semler, a corrupção estaria relacionada com a desigualdade e a submissão das pessoas em relação ao poder do dinheiro. “Quando se pensa um pouco, de onde vem a corrupção? Do desejo de ter o dinheiro que é necessário para a pirâmide social. Hoje, se eu conseguisse convidar as 85 pessoas certas para um coquetel lá em casa, os 85 mais ricos do mundo, eu teria gente que tem mais patrimônio que 2,2 bilhões de pessoas no planeta. Há uma coisa profundamente errada nisso”, pondera. “Achamos que moramos em um mundo cada vez democrático, mas a verdade é que a gente vive em uma monarquia e somos todos súditos do ‘King Cash’, o ‘Rei Grana’. Agora, dinheiro é tudo, e se dinheiro é tudo, a corrupção tende a aumentar de forma capilar, no varejo. Por isso que digo que o valor que se rouba tenho certeza que é menor, mas tem muito mais gente interessada no seu quinhão desta corrupção.”
Para Semler, este cenário só teria chance de ser alterado caso haja uma mudança na educação, que ainda é baseada em um modelo fordista segundo sua avaliação. “A resposta, pra mim, está no jardim de infância, infelizmente demora um pouco. O fato é que nós estamos em um sistema educacional — que estamos tentando melhorar, mas ele é ruim em qualquer lugar do mundo — baseado numa linha de montagem do Henry Ford em 1908 que diz ‘preciso passar um milhão de pessoas pela escola e fornecer para a indústria’”, argumenta. “Mas aquele emprego já acabou. Nós só tínhamos a cabeça pra manter a informação, hoje toda a informação está disponível em trinta segundos no Google, o que estamos fazendo treinando a cabeça das pessoas? Está na hora de, no jardim de infância, a gente parar pra pensar no que está certo, no que está errado, quais são as questões fundamentais de vida em sociedade, cidadania etc. É isso que vai resolver o problema da corrupção logo, logo, em trinta, quarenta, cinquenta anos. Não vai ser em dois meses.”
No Fórum
Nenhum comentário:
Postar um comentário